terça-feira, setembro 25, 2007

CELEBRAÇÃO À LEITURA

DE O ESTADO DO MARANHÃO
Biblioteca Pública Benedito Leite completa 178 anos com vasta programação, de
hoje ao dia 5 de outubro
Espaço para o estudo, a pesquisa e o aprendizado, a Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL) está completando 178 anos. Para marcar a data, será realizada uma vasta programação que começa hoje e prosseguirá até o dia 5 de outubro, incluindo oficinas, conversas literárias, lançamento coletivo de livros e muito mais. O tema que norteia as atividades é Democratizando o conhecimento e fortalecendo a cultura maranhense.
O roteiro será iniciado hoje, às 8h30, numa missa em ação de graças com participação do Madrigal Santa Cecília. Às 16h, haverá apresentação do Grupo Poiesis. Amanhã, das 8h às 12h, será realizada a oficina Políticas de Leitura, com a facilitadora Mary Ferreira. À tarde, das 14h às 18h, haverá oficina de dinamização A Magia da Leitura, com Aline Nascimento.
Para fechar o dia, Conversas Literárias. Como convidados da primeira edição do bate-papo, as poetisas Lúcia Santos e Geane Fiddan e os jornalistas e poetas Fernando Abreu e Reuben Cunha. Em seguida, haverá leitura dramática de texto de Fernando Arrabal, com os atores Keyla Santana e Adão Monteiro, e show do cantor e compositor Uimar Cavalcante, do Quarteto de Saxofone e Madrigal da Emem.
Sexta-feira, dia que marca o aniversário da Biblioteca, das 8h às 12h, Erivaldo Freire ministrará a oficina Conectando o Biblivre - programa de automação de bibliotecas. Às 18h, haverá conversa que abordará questões como o projeto de Modernização do Setor de Jornais e Obras Raras da BPBL (aprovado pela Petrobras e ainda sem data para ser iniciado) e do Escritório de Direitos Autorais (EDA), vinculado à Biblioteca Nacional e que será instalado na Casa dia 1º de outubro. “Nesse momento, abriremos espaço para falar de projetos mais recentes e que estão sendo trabalhados pela biblioteca”, declara o diretor Moisés da Costa Silva.
Sobre o EDA, haverá uma palestra na noite de sexta-feira, com o representante do Ministério da Cultura, Jaury Nepomuceno de Oliveira, que no dia seguinte fará treinamento com funcionários da ‘Benedito Leite’ e da Universidade Federal do Maranhão. “Com a instalação do escritório, os autores poderão fazer o registro de propriedade intelectual de suas obras aqui mesmo em São Luís”, diz Aline Carvalho Nascimento, responsável pelo Processamento Técnico da BPBL.

COLETIVO
Na seqüência haverá o lançamento coletivo de 12 obras maranhenses - a maioria posta no mercado há algum tempo. Na lista, Terra Viva, de Adilson Miranda; Ginástica Mental, de Alcino de Deus Bilio Torres; Quem conta um conto, acresce um ponto, de Antônio Carlos Dias (Antonio Tarrah); Algodão: ouro branco, Antonio Guimarães; Sabotagem em Alcântara: A explosão do foguete brasileiro, de Augusto Blum; Conhecimento, pesquisa e práticas sociais em Ciências da Informação, de César Augusto Castro; Escola paroquial Frei Alberto, coleção Infantil I, II e III; Deus e o Diabo nas terras de Guimarães, de Murilo Moreira de Souza Filho; São Luís era assim, de José Ribamar Martins; As caetanas vão à luta, de Maria Mary Ferreira; Insurreição de Escravos em Viana: 1867, de Maria Raimunda Araújo; e Mistério no reino de Valdívia, de Wilson Marques.
Para fechar a noite, será feito o lançamento do Catálogo de Jornais Maranhenses da BPBL, que incluirá todo o acervo do gênero abrigado pela casa e estará a disposição para pesquisadores. Ainda na programação, de 3 a 5 de outubro, será desenvolvido o projeto Criança Lendo, São Luís Vivendo, que acontecerá na Biblioteca Infantil Viriato Corrêa (Praça Deodoro), sempre das 8h30 às 11h30.

Uma das mais antigas do Brasil

A Biblioteca Pública do Estado do Maranhão foi criada no período imperial, 1º reinado, em 28 de setembro de 1829. Para alguns historiadores, é considerada a segunda biblioteca pública mais antiga do Brasil. Sua criação foi resultado do esforço de intelectuais que, queriam mostrar como no estado se valorizava o pensamento e a arte. Apesar de criada em 1829, somente em 3 de maio de 1831 é que foi aberta ao público oficialmente.
O atual prédio da Biblioteca Pública Benedito Leite foi construído em estilo colonial neoclássico no início da década de 50 do século passado, sendo inaugurada em 19 de setembro de 1951. É dotado com aparelhagens de climatização e de informatização.
Tem acervo de mais de 120 mil obras, entre livros, revistas, jornais, fotografias, microfilmes, manuscritos, diários oficiais, livros em braille e folhetos. Destas, 9.670 são obras raras, das quais 1.600 maranhenses. Nas estantes, estão títulos como O mentor inglês, de Antônio Picaluga (1829) e Alteraçoens de Évora, de Dom Francisco Manuel (1637), além do jornal O Conciliador, de 1821, primeiro editado no Maranhão e da primeira edição do Diário Oficial do Maranhão (1906).
A Biblioteca Pública do Estado do Maranhão está localizada na área central de São Luís, na Praça do Panteon (ou Praça Deodoro) e funciona de segunda à sexta-feira, das 8h30 às 19h.

segunda-feira, setembro 24, 2007

O novo Olimpo de Fausto Wolff

Literatura brasileira - Em seu mais recente e volumoso romance (500 páginas cravadas), o escritor combina autobiografia e ficção para mostrar uma legião de deuses fracos e decaídos

Marcelo Backes - Escritor


Fausto Wolff é um mestre na arte de combinar autobiografia e ficção, memória e história, invenção e realidade. Desde O acrobata pede desculpas e cai, passando por À mão esquerda, uns dos melhores romances brasileiros dos últimos anos, até Olympia, são mais de quatro décadas de literatura brasileira misturando eu e mundo no caldeirão da arte.
Em Olympia, Fausto constrói seu próprio Olimpo, arremedando a Teogonia de Hesíodo com grande desenvoltura e sem o menor pudor. Em vez de um épico em hexâmetros, Fausto escreve um romance cheio de sarcasmo e ceticismo, mas não abre mão de contar sobre o devir do mundo e de seus deuses, outrora onipotentes, onipresentes e oniscientes, agora fracos, decaídos e atoleimados.
A mistura coerente entre autobiografia e ficção é levada às últimas conseqüências. Joel de Freitas (de Joel Silveira mais Jânio de Freitas), o personagem central, que já tem todas as características de Fausto e mais algumas, a certa altura do livro propõe aos amigos irem juntos à casa de Fausto Wolff, que mora ali perto, a fim de lhe pedirem uma pistola emprestada para levar a cabo a empreitada pícara a que se dispunham.
O jogo metalingüístico entre narrador, Deus e personagem é engenhoso; a simbiose, perfeita. Os três têm muito de Fausto Wolff; e o verdadeiro nome de Joel, que já tem muito de Fausto, é Jeová. A comunhão entre o mundo da criação literária e o da criação divina é executada com finura. Na verdade, Fausto cria dois mundos paralelos, que correm juntos em dimensões diferentes. De um lado podem ser encontrados os deuses demasiado humanos, de outro os homens quase divinos, pelo menos no nome - lembre-se de Jeová - e na capacidade de criação.
Também os elementos do romance policial, que Fausto Wolff mostrou dominar com O lobo atrás do espelho, estão presentes em Olympia. Há suspense e ação a não querer mais: um personagem que é castrado cirurgicamente num hospital, por vingança; crimes misteriosos contra políticos e traficantes, bem como um assassinato encomendado pela própria vítima, Jorginho Sete Quedas, um dos membros da trupe terrena que mapeia o Rio de Janeiro em seus passeios saudosistas. No citado O lobo atrás do espelho, aliás, o memorialismo de Fausto Wolff também está presente e chega a ser lembrado na brincadeira do subtítulo desse romance policial: O romance do século, que quer apenas referir - e ironicamente - o fato de a narrativa se estender ao longo de um século inteiro. Memorialismo? O bandido do romance lembra o Mão Esquerda de Deus do romance À mão esquerda, o Deus de Olympia e mais uma vez o próprio Fausto: wolf, em alemão, é lobo. E o assassino, seja ele a mão esquerda de Deus, seja o lobo, seja o próprio Deus - como acontece em Olympia - é sempre Fausto Wolff. Aliás, se um dia alguém dividiu os alemães em homicidas e suicidas, Fausto se alinha entre os primeiros, mas com melancolia, e mata apenas na ficção, embora sinta os apelos fortes da realidade.
Vários dos capítulos de Olympia começam com ensaios verdadeiramente iluministas, que desnudam o mundo e revelam o colunista vigoroso do Pasquim e o autor de A milésima segunda noite. Além da análise acurada da realidade brasileira, os ensaios de Olympia vão da política à psicologia, passando pela filosofia e arredores. Por exemplo: analisam o autismo a fundo, as coincidências das quais o mundo vai cheio e relativizam o tempo inclusive através dos nomes que o mesmo tempo recebe no Olimpo, onde não há semanas, dias, horas, minutos ou segundos, mas sim zios, bronzios, cômbrios, gorgios, pelágios e que tais. Fausto Wolff chega a examinar - e fundamentadamente - o desenvolvimento das sociedades grega e romana, bem como as condições que impulsionaram o surgimento do cristianismo e a ocorrência da Guerra de Tróia. E tudo em linguagem acessível, simples. E no que diz respeito ao caráter ensaístico de Olympia, aliás, sou obrigado a voltar a Hesíodo para fazer uma comparação. Se na Teogonia do autor beócio os estudiosos supõem uma série de inserções poéticas falsificadas - como por exemplo o Hino de Hécate - no livro de Fausto Wolff também não são poucas as inserções, nada falsificadas, é verdade. Tanto na obra de Hesíodo quanto na de Fausto as inserções se adaptam muito bem à forma muitas vezes paratática da escrita, à colagem de camadas narrativas muitas vezes diversas.
O relativismo canalha, condenado por Fausto Wolff em toda sua obra (até mesmo nos contos de O nome de Deus e O homem e seu algoz, duas obras iguais, e na poesia de obras como Cem poemas de amor e uma canção despreocupada), também é chicoteado em Olympia; o que é admirável, sobretudo tendo em vista o fato de que vivemos num mundo sem balizas nem fundamentos, que ainda por cima lança fogos de artifício aos céus vagos do presente, comemorando sua própria falta de orientação. Além disso há um punhado de histórias realistas e comoventes - nascidas da visão crítica típica do autor - como a da professora Aracy, que atam um nó convulso na garganta do leitor. E algumas passagens verdadeiramente tocantes em seu humanismo, como aquelas dos diálogos entre Sete Quedas e Joel (na já referida encomenda da própria morte por parte do primeiro) e entre Joel e seu tio, um colono bronco do Paraná. Sem contar os momentos poéticos, alguns deles esplêndidos em seu micrologismo quase ingênuo ("Os olhos, por incrível que pareça, eram verdes, mas não de um verde esmaecido e sim de um verde brilhante como gotas de orvalho penduradas numa graminha de manhã bem cedo.") Quando faz um Jesus mulato nascer no Rio de Janeiro, Fausto chega a se mostrar definitiva e religiosamente ingênuo.
O mito cosmogônico desenvolvido no romance é derrisório, divertido. Em Olympia, conforme já foi dito, até o Deus de Fausto Wolff vira assassino, dando mais força à luta do autor contra o mutismo, a auto-satisfação e a passividade entediada do mundo e das gentes que o habitam. E Deus - Barrosão - é humano, demasiado humano, até no nome, que refere o barro de onde veio. Aliás, não apenas no seu nome, mas também no nome de sua mulher-deus: Marileusa, esta mulher entre as mulheres, dieses Weib, essa femme comme il faut, esse pedaço de mau caminho, com odore di femmina.
Um dos deuses do Olimpo de Fausto, o Roberval, a certa altura sente o apelo da barbárie - do mundo natural - em sua forma mais elementar, renegando o caráter insípido e antisséptico do mundo evoluído em que vive e diz: "Ah, a vaporização dérmica é uma beleza, mas ainda gosto de dar uma boa cagada à moda antiga". E assim, de derrisão em derrisão, Fausto Wolff desenrola seu mito cosmogônico contemporâneo. A escatologia é apenas um dos índices do ceticismo fundamental da obra, que fica claro de vez no final - talvez fosse melhor dizer nos finais, já que há mais que um - clássico do romance. O que sobra é a impressão, inclusive a certeza, de que tudo não passou de um sonho - perdão, de um pesadelo - que logo passará a acontecer.
Pena, apenas, pela edição um tanto mal cuidada.

quinta-feira, setembro 20, 2007

ELOGIO À IGNORÂNCIA

Em seis dos sete dias da semana, o Jornal Pequeno faz jus ao próprio nome. É pequeno porque produzido por intelectos diminutos, quiçá microscópicos. Mesmo assim, deve ser lido. Principalmente pelos discentes de Comunicação Social, para que aprendam sozinhos como é o mau jornalismo. O jornalismo erva daninha. O jornalismo maçã podre.
Também é pequeno porque fruto do analfabetismo político. Acredito que vocês conheçam o opúsculo de Brecht. “Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta e o menor abandonado”. Pois o Jornal Pequeno segue nessa linha. Por ser o principal difusor da propaganda do Governo do Estado, suas manchetes mostram Jackson Lago como o “salvador da pátria”. Já tentou transformar o governador na versão timbira de Simon Bolívar e o zero à esquerda que o antecedeu no Beckman do século XXI.
Por falar neste novo século, é um tempo em que, em matéria de governo, não estamos precisando de “salvadores da pátria” e sim de políticos a fim de estabelecerem um sólido compromisso de trabalho com os cidadãos que os elegeram. E é óbvio que os pobres artífices do Jornal Pequeno não recorreram aos livros de história. Bolívar lutou contra o domínio espanhol para libertar territórios sul-americanos com o único propósito de implantar nestes locais sua versão particular de ditadura. É uma inspiração permanente para tipos como o venezuelano Chávez, que deseja prorrogar indefinidamente sua presidência, estatizar o ensino particular e alterar o fuso horário da Venezuela. Quanto a Beckman, senhor de engenho mais preocupado em defender seus próprios interesses, não morreu tão contente assim pelo povo do Maranhão como reza a “história oficial”.
O analfabetismo político flagrante do Jornal Pequeno vai ainda mais longe quando seu chefe de Redação afirma – por meio de inflamados editoriais – que política tem necessariamente de ser feita com ódio.
Para começo de conversa, delira quando coloca o jornal como o Davi que derrubou o Golias “do outro lado da ponte”, referindo-se a “O Estado”. Um certo “Doutor Pêta” considera-se “o terror da oligarquia”. A população maranhense decidiu, no segundo turno da eleição passada, seguir outro caminho, acreditar em outras propostas. A população maranhense equivocou-se em gênero, número e grau? Está arrependida? Ela mesma responderá a essas questões, ao escolher ano que vem o prefeito e seus representantes na Câmara de Vereadores. Em outras palavras, tudo o que o povo decidiu ou decidirá, daqui em diante, está acima do radicalismo fanático, xiita e niilista de jornais pequenos.
Um alvo fácil desse fanatismo é o senador José Sarney. Para o Jornal Pequeno, Sarney muito provavelmente articulou a eliminação da Seleção Brasileira da última copa, a destruição causada pelo tsunami, pelo Katrina e pelo terremoto que devastou o Peru recentemente. Ou então arquitetou também a explosão do avião da TAM. E, se forçar um pouco mais a imaginação delirante, a cria de Bogéa tentará arrumar provas de que a primeira queda de Jesus Cristo na via-crúcis aconteceu porque Sarney deu um raspa no coitado.
Mas a grande aberração cometida por esses dias pelo Jornal Pequeno foi aceitar tranqüilamente a verborragia de Arnaldo Jabor. “Sarney desliza com seu jaquetão de ‘teflon’, desliza como um cisne negro de bigode, como se vogasse numa lagoa de ‘realpolitik’ nordestino. Sarney é um monumento a si mesmo, feito de literatura, 40 anos de poder inútil (o Maranhão é um deserto de miseráveis), narcisismo e ‘allure’ de estadista calmo”. O artigo desse zero à esquerda foi publicado porque ele tem a oportunidade de demonstrar seu desprezo pelo senador. Nada mais além disso.
O ódio pequeno do Jornal Pequeno engendra tristes absurdos.

segunda-feira, setembro 17, 2007

LIVROS LONGOS, VIDA ÁGIL

Vivian Rangel
É como duelar com moinhos de vento. Desembarcar numa ilha repleta de ciclopes. Ou desafiar o tempo, internando-se num sanatório no alto de uma montanha. Na acelerada vida moderna, repleta de excessos de informação e mídias concorrentes, insistir na leitura de cartapácios alçados à categoria de clássicos imperdíveis pode parecer contradição. Mas como ignorar a presença humilhante daquele volume intocado na estante, o qual parece sibilar: "Sou um clássico, minhas interpretações são infinitas..."? Como evitar a citação de almanaque e admitir jamais ter enfrentado com bravura e resistência as desventuras de Dom Quixote, a trajetória de Ulisses, a tosse tísica de Hans Castorp em A montanha mágica?
Na mesa A vida é curta e os livros são longos, atração de terça na 13ª Bienal do Livro, o bibliófilo Hariberto de Miranda Jordão, o jornalista Sergio Augusto e o acadêmico Sergio Paulo Rouanet vão falar sobre seus clássicos preferidos e a melhor maneira de enfrentá-los em silêncio e solidão, resistindo ao entretenimento fast-food. Discussão que o Idéias antecipa e amplia com a colaboração de outros escritores convidados para a Bienal do Rio, que começou na quinta e seguirá até o dia 23, no Riocentro.
Um grande clássico, para Luiz Ruffato, é "aquele livro que foi lido em sua época e será lido em todas, porque fala a todos os homens indistintamente, consolidando a transcendência da arte". Livros que são muito maiores que a vida de um simples homem. Ou, como definiu Italo Calvino em um ensaio sobre os motivos para se ler um clássico, "aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível". Para Mark Twain - lembra Sergio Augusto - clássicos são "aqueles livros que todo mundo gostaria de ter lido mas ninguém quer ler". Pilhérias de lado, o jornalista é direto e recorre ao pai-dos-burros:
- Clássico é aquilo cujo valor foi posto à prova do tempo, aquilo que, pela originalidade, pureza de língua e forma perfeita, se tornou modelo digno de imitação.
Se se consagrar como clássico é passar no teste de uma história bem escrita e envolvente, o escritor Deonísio da Silva constata, por outro lado, que o latifúndio dedicado à leitura foi repartido. A coexistência com outras formas de representação - TV, cinema e internet, principalmente - provoca como primeiro efeito a redução no tamanho dos livros contemporâneos. Se antes era comum que passassem das 500 páginas, hoje os desse tamanho são cada vez mais raros.
- Até meados do século 20, a leitura era uma distração familiar. Pais liam para filhos os chamados "romances-rio" - lembra o acadêmico Moacyr Scliar. - O estilo de narrar tornou-se mais sintético, as longas descrições foram suprimidas, o que explica a dificuldade de ler os volumes mais alentados.
Os longos períodos descritivos podem enfadar os condicionados a receber imagens mais imediatas ou prontas. Para a escritora Fernanda Young, a rapidez com que é possível consumir entretenimento pode desestimular os leitores:
- O conflito entre pensamento e tempo, eriçado cada vez mais, é o principal inimigo da leitura de livros longos.
A falta de tempo, para a escritora Adriana Lisboa, não justifica a falta de leitura, que para ela pode ser convocada - "na fila do banco ou no metrô". O importante é enfrentar o ritmo de vida frenético que nos envolve:
- Encontrar tempo para ler clássicos como O homem sem qualidades e Guerra e paz é quase uma atitude de resistência, pessoal e silenciosa, diante de uma imposição de participação frenética no mundo - elabora Adriana.

sexta-feira, setembro 14, 2007

MÁRIO DE ANDRADE: CARTAS INDISCRETAS

A correspondência de Mário de Andrade tem sido lida e comentada por suas aparências, digamos, externas ou literais, quero dizer como simples subsídio para a história. Mas qual é o seu sentido profundo? - o que realmente significa como operação mental sem excluir o que reprime e o que representa como "tradução" subconsciente? Em outras palavras, o que nos deve interessar, para além do que nela deixou escrito, é a forma do seu espírito, a natureza de sua inteligência e mentalidade, tudo condicionado por fatores orgânicos e sociais. Trata-se de superar as redundâncias parafrásticas e as repetições da bibliografia corrente (inclusive por parte dos mais renomados especialistas andradinos) e passar para a história intelectual no sentido específico da expressão. É o que faz Marcos Antônio de Moraes em livro de alto gabarito crítico (Orgulho de jamais aconselhar: a epistolografia de Mário de Andrade. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2007).
Chegou então o momento de enfrentar, sem malícia, mas com honesta franqueza e isenção, algumas questões de ordem pessoal até agora mantidas sob discreto silêncio por amigos e familiares, uma delas a do homossexualismo, reprimido ou praticado na era anterior à do "orgulho gay". São inferências autorizadas pela atração que os efebos exerciam sobre ele como recíproca da que ele próprio exercia sobre eles. No Congresso de Escritores, em 1945, Mário de Andrade confinou-se entre os jovens mineiros, cuja companhia declarou preferir, a que corresponde em plano íntimo ao que escrevia em carta: "Se não me caso, não é por ser avesso ao casamento (...). Mas os meus amores crepusculejam ao nascer (...). Parece-me haver dentro de mim qualquer coisa que me faz sozinho".
Nas suas relações com Anita Malfatti, Henriqueta Lisboa e Oneyda Alvarenga, por exemplo, há evidentes conotações sexuais, frustradas, de um lado e do outro, por motivos diferentes e opostos. Confraternizando ardorosamente com os rapazes de Minas, sentia-se constrangido no que se refere a Henriqueta Lisboa: "Mário, aos poucos pressentindo uma ambiência de cumplicidade, mostra-se à amiga distante como um dilacerado, cindido, em permanente desajuste psicológico (...). Eu não posso lhe dizer tudo, Henriqueta, iria ferir suas delicadezas mais íntimas". Em carta a Fernando Mendes de Almeida, as suspeitas transformam-se em evidências: trata-se de uma "intrincada tentativa de diferenciação entre 'amor sexual' e 'amor de amigo', medidos pelos parâmetros 'moral', 'científico' e 'estético'". Era afeto que tinha "todos os reflexos biológicos do amor sexual, menos o sexo".
Aqui entramos num território de fronteiras movediças: Mário de Andrade leu as Cartas a um jovem poeta à luz de sua própria experiência: "Deixa traços no caminho da leitura (...), Esse leitor indiscreto, denunciado por suas pegadas (...) interessa-se pela conceituação da arte, percebida por Rilke como sistema que demanda a solidão". Era o papel didático das cartas, correspondendo ao seu próprio: "Solteirão inelutavelmente solitário". Homo sum, poderia repetir com os subentendidos implícitos, já que era homem à sua maneira, sem excluir nada do que é humano.
Compensando, de seu lado, o que certamente percebia como carência de masculinidade, era mentor autoritário e mestre esterilizador. Sob esse aspecto, são constrangedoras, à leitura, algumas cartas a Anita Malfatti e Oneyda Alvarenga, para nada dizer dos colaboradores pessoais, incapazes de se libertarem da imperiosa dominação, um deles, José Antônio Ferreira Prestes, terminando em suicídio. Em plano mais literário, há suspeitas e até acusações de plágio: "À força de admirá-lo, de reconhecer a sua superioridade - fato ligado à sua antiga ascendência de professor de que não consegui me libertar até hoje - nasceu em mim uma certa tendência perigosa para imitá-lo" (Oneyda Alvarenga). Quanto ao jovem arquiteto Luís Saia, obrigou-o a reescrever todo um estudo monográfico "porque nele se percebia a assimilação pouco crítica da sua escrita literária". Queixava-se ao mesmo tempo da "absurda, quase agressiva independência" de Fernando Mendes de Almeida por não se haver aconselhado com ele quando preparava um livro sobre folclore. O trabalho deixou-o "irritadíssimo", "encolerizado", sobretudo porque o autor não o procurara para dialogar com ele.
Essa tirania opressiva e paralisante era, aliás, reconhecida: "Só tive dois alunos verdadeiramente bons que reagiram conscientemente contra a excessiva influência que eu exercia sobre eles. Essa reação que sempre respeitei (sic) pela delicadeza moral que o fato acarreta, só lhes foi prejudicial".
Ou seja, melhor seria se se tivesem submetido... Mário de Andrade, professor de independência intelectual, preferia discípulos subservientes e adorantes, sob o risco das correções fraternas que não lhes poupava.

(DO JB ONLINE)

quinta-feira, setembro 13, 2007

LEDA & CELISE

Não bastasse o desprezível preconceito de que são vítimas diariamente, as pessoas pertencentes à sigla GLBT não encontram, nos principais meios de comunicação, uma definição simples quanto a nomenclaturas e definições.
Esta minha opinião se deve ao fato de que, antes de comentar o bonito romance de Leda e Celise, visitei a Internet para uma pesquisa rápida a respeito do universo dos gays, lésbicas, bissexuais e “transgêneros”. Porque recorri ao “Gúgol”, a primeira fonte de pesquisa que apareceu foi a Wikipédia. É justamente por onde começa a confusão.
Diz o site que, no início dos tempos, a sigla utilizada era a GLBT. Em seguida, afirma que, “cada vez mais”, vem sendo usada a LGBT. Pura questão de cavalheirismo, imagino, posicionar as lésbicas em primeiro lugar. Depois, no parágrafo seguinte, apa-rece uma tal de LGBTQ ou GLBTQ. Donde a letra “Q” se refere a queer. Mas esta pa-lavra não poderia ser empregada no atual contexto porque, inicialmente, é uma gíria inglesa – que literalmente significa “estranho”. Outra derivação possível também não ajuda: queer vem de quare do Inglês Antigo, que significaria “questionado” ou então “desconhecido”.
Não satisfeito, o indivíduo que produziu o verbete ainda inclui na brincadeira o termo LGBTQS. Nesse caso, o “S” refere-se a heterossexuais que simpatizam ou aju-dem o movimento GLBT. Já a letra “T” conta com uma informação adicional. Trata-se do reforço à identidade dos transexuais, “já que estes têm parte de suas necessidades e reivindicações diferentes das dos transgêneros, principalmente no que se refere à ade-quação de seu sexo anatômico (através de cirurgia) ao mental”.
Neste ano, como vem acontecendo há algum tempo, São Luís teve a sua Parada do Orgulho GLBT. Não fui à avenida Litorânea, no domingo em que ocorreu a festa. Em primeiro lugar, porque precisava trabalhar (e quem não precisa, mané!). Em segun-do lugar, não foi porque tinha medo de ser associado a um ou outro homossexual, mas-culino ou feminino. Por que eu deveria ter medo de um ser humano que simplesmente, em um momento de grande coragem aceitou, de corpo e alma, as inclinações incentiva-das pelo conteúdo genético que o originou? Certa vez, ao conversar com dois indivíduos pertencentes à Igreja Batista, eles não paravam de associar as palavras “homossexual” e “doença”. Como sempre deve acontecer, não deve ter espaço a generalização em deba-tes que se pretendem sérios. O pensamento daqueles dois não traduzia o da Igreja Batis-ta como um todo, que acima de tudo nos ensina que devemos semear o mundo com a-mor, paz e felicidade.
Há ódio, também. Muita raiva. A fúria do pai, que espanca, para “consertá-lo”, o filho que apresenta mais características femininas do que é capaz de tolerar. A perplexi-dade indignada da esposa, que, após tantos e tantos e tantos anos de casamento, ouve o marido dizer-lhe que apaixonou-se por outra pessoa. E que essa pessoa é do sexo mas-culino! Ninguém é capaz de me convencer do contrário: em pleno século XXI, ainda há pessoas que são humilhadas, mutiladas e massacradas por ignorantes que adorariam ter sido os carrascos da Inquisição.
Agora, vocês devem estar se perguntando: “O título da crônica desse maluco não é ‘Leda e Celise’? Então! Cadê as duas, doidão?”. Se pensaram assim, parabéns. Real-mente, eu queria comentar que Leda e Celise estão muito felizes juntas. Que o casamen-to, se assim Deus permitir (e vai, com certeza), está marcado para acontecer em breve. Que uma delas não pode ter filhos e por isso a outra fará inseminação artificial. Que isso deve causar, sei lá eu, até certo ponto uma ponta de tristeza. Porque, se as duas pudes-sem engravidar juntas, a felicidade delas seria quatro vezes maior.
Mas na verdade não tenho muito o que comentar a respeito de Leda e Celise. O que apenas posso lhes dizer, para finalizar essas linhas, é que a linda história de amor que elas protagonizam foi capaz de vencer o medo, o ódio e o preconceito. É isso aí.

quarta-feira, setembro 12, 2007

VERDADES E MENTIRAS EM TEMPOS DE GUERRA

Luiz de Alencar Araripe


Dentre as curiosidades que o Imperial War Museum de Londres oferece aos visitantes, está a inscrição na parede: "Em tempo de guerra, a verdade é coisa tão preciosa que deve andar sempre protegida por uma escolta de mentiras" - W. Churchill. Mais que em tempo de guerra. No caso dos serviços secretos, a escolta continua, muito depois de acabada a guerra, como bem mostra mostra a biografia Almirante Canaris: misterioso espião de Hitler, por Robert Bassett, um lançamento da editora Nova Fronteira.

O desempenho do tenente Wilhelm Canaris como oficial de inteligência do Dresden, no início da Primeira Guerra Mundial, permitiu ao cruzador movimentar-se pelo Pacífico Sul afundando navios e abastecendo-se de carvão em lugares imprevisíveis, para desespero da Royal Navy. A sorte do Dresden teve fim, e, encurralado pelos ingleses, ele se auto-afundou. O tenente separou-se de seus camaradas internados numa ilha chilena, fugiu, atravessou os Andes a pé e a cavalo - como señor Reed Rosas, viúvo chileno - e voltou à Alemanha. Em 1917-18 continuou um craque nas técnicas de gato-e-rato, dessa vez no comando de um submarino, arma que só admite voluntários e que sofre a maior porcentagem de morte na guerra.

Canaris, proficiente em seis idiomas, viajou pela América do Sul, pelo Mediterrâneo, pela Espanha, tratou com personalidades importantes, iniciou-se nas artes da negociação e da intriga internacional, e exercitou-se no prever as intenções do adversário e enganá-lo sobre as suas próprias, o que é o fulcro da atividade de inteligência e de seu ramo, a espionagem.

Tais competências, aliadas a sólido anti-comunismo, levaram Hitler a promover Canaris a almirante e a nomeá-lo chefe da Abwehr, a seção de inteligência do Alto Comando da Wehrmacht, subordinada ao general Keitel. O general, ao contrário do almirante, era fiel ao princípio prussiano da Kadavergehorsam, obediência de cadáver.

Com Reinhard Heydrich, o terrível chefe da SD-Sicherheitdienst, a seção de segurança da SS de Himmler, Canaris manteve relações quase paternais, que diferentes visões da vida transformaram em ódio. O assassinato de Heydrich em Praga "permanece mistério sem solução".

Bassett acompanha a admiração feita crescente desencanto de Canaris pelo führer, seu esforço para evitar a guerra (que pressagiara ser o finis Germaniae) e, mais tarde, para abreviá-la.

Nesses cometimentos, narra o autor, Canaris teve ligações com o chefe do Intelligence Service inglês, o famoso C - com o conhecimento de Churchill. Selvagemente torturado, sem que ficasse provada sua participação no atentado a Hitler do conde von Stauffenberg, mandado para um campo de concentração e condenado por alta-traição, Canaris foi enforcado um mês antes do fim da guerra. Por motivo oposto, excesso de fidelidade ao chefe, Keitel, sentenciado em Nuremberg, também terminou na forca.

Robert Basset não consegue evitar a armadilha da leniência para com o biografado, mas conserva-a em níveis razoáveis. E faz a própria defesa prévia, ao comentar que "o Almirante não era um santo". Canaris: misterioso espião de Hitler passa com louvor no teste final do bom livro: interrompida sua leitura para atender à rotina de uma vida pacata, o leitor anseia por voltar às aventuras e desventuras do bravo marinheiro e um dos mais competentes chefes de serviço de inteligência da história. E que, mais ainda, no dizer de Kipling, foi "um homem".

terça-feira, setembro 11, 2007

O General em seu Labirinto

TÍTULO: O GENERAL EM SEU LABIRINTO
AUTOR: GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ
EDITORA: RECORD


Símon Bolívar, general e político sul-americano que libertou sete países dos domínios espanhóis, estava desiludido com a política no final de sua vida. Ele tinha "a melancólica certeza de que havia de morrer na cama, pobre e nu, e sem consolo da gratidão pública". Os últimos instantes, marcados pela tuberculose, foram recheados por leituras como Cervantes - era a certeza de que os maiores enganados do mundo tinham sido Cristo, o Quixote e ele próprio.A ficção histórica O general em seu labirinto, de Gabriel Garcia Márquez, do prêmio Nobel em 1982, tem como personagem principal Bolívar, que esperava a morte viajando pelas cidades venezuelanas à margem do rio Magdalena. Mas, queria embarcar no porto para a Inglaterra, a caminho da qual terminaria sua história. À primeira vista, o espaço de tempo escolhido por Márquez para retratar a vida do general aparenta ser entediante. Afinal, a vida de Simón Bolívar foi repleta de batalhas e incursões pela Grã-Colômbia. Mas, após a leitura, reconhece-se que esse momento é de suma importância, quando há reflexões e monólogos do personagem. Bolívar é um corpo inválido que permanece vivo, alimentado pela memória. O general em seu labirinto ilustra a relação existente entre História, sociedade e literatura. Nas lições de Antônio Candido, essa relação é o "movimento dialético que engloba a literatura e a sociedade num vasto sistema solidário de influências recíprocas". Esta afirmação ratifica a idéia de que não só o autor recebe matéria-prima da sociedade e da história, como ambas também sofrem influência das obras literárias. Além do condicionamento social, cultural, econômico e político, o escritor também expressa suas concepções ideológicas e sua visão de mundo. Outros exemplos dessas relações são as obras literárias de Tolstói, que refletem traços essenciais da Revolução Russa e que ajudaram a classe operária a conhecer melhor seus adversários.Simón Bolívar, um personagem singular e contra- ditório, ao mesmo tempo em que possuía um discurso democrático, defendia um poder vitalício, hereditário e autocrático. "El Libertador", como era conhecido, alcançou a independência utilizando escravos em seu exército. E como todo mito que se preze, não pode ser definido de uma única maneira. Entre os dois extremos desdobra-se uma gama incontável de "Bolívares", cada qual com seu emaranhado de fábulas e controvérsias. Nessa linha, surgiram diversas obras. Em 1851, Salvador de Madarioga, responsável pela primeira biografia do general, revelou uma imagem negativista, assim como ele mesmo se chamou como a feita por Diego Carbonell em Psicopatologia de Bolívar. Por outro lado, em 1942, Vicente Lecuna e Vallenilla Sauz se encarregaram de transformá-lo em um mito sacralizado sob um discurso religioso. A versão de Garcia Márquez equilibra, pois não questiona. Permite que ele se auto defina, mesmo que sem o compromisso com a realidade.Interpretações à parte, Simón Bolívar gostava de afimar: "Yo no soy Napoleón ni quiero serlo; tampouco quiero imitar César, aún menos ltúrbide".

Por Camila Saraiva

segunda-feira, setembro 10, 2007

GRUPO MISTURA MÚSICA E LITERATURA EM CALÇADA NO LEBLON

Leandro Souto Maior, Agência JB
RIO - "Cinqüenta e cinco minutos de música e literatura para alegrar as ruas do Leblon"... A primeira frase proferida religiosamente toda quarta-feira, às 19h30, nas esquinas das ruas Ataulfo de Paiva e Aristídes Espínola pelo ator, filósofo e artista performático Freddy Ribeiro resume a proposta do show "Bonitos & Paranóicos".
A idéia de misturar música com poesia e literatura começou quando Omar Salomão, filho do poeta tropicalista Waly Salomão, foi convidado para participar de um evento em um sebo de livros no Leblon junto do ator e apresentador Michel Melamed, que acabou impossibilitado de participar na última hora. Inseguro de se apresentar sozinho, Omar chamou amigos músicos para dar uma força fornecendo uma 'trilha-sonora'. E assim surgiu o grupo Vulgo Qinho & Os Cara, formado por Qinho (voz e violão), Caio Barreto (guitarra), Leonardo Scudy (baixo), Miguel Couto (bateria) e Omar (poesias).
O baiano radicado no Rio Freddy Ribeiro já tinha presenciado propostas semelhantes em sua terra natal e quando viu uma apresentação do grupo ficou entusiasmado. Acabaram por juntar suas idéias no espetáculo "Bonitos & Paranóicos", e escolheram as esquinas da Ataulfo com Aristídes como palco.
- Ali é uma esquina de resistência, com uma importância cultural para a cidade e onde foram feitas grandes músicas - justifica Freddy.
Desavisados que passam pelo local ficam naturalmente curiosos com a caminhonete que encosta toda semana, cheia de equipamentos de som, seguida de um grupo de jovens músicos com seus amplificadores, guitarra, baixo, bateria, pedaleiras, microfones e, principalmente, palavras.
"Bonitos e Paranóicos" é o grupo Vulgo Qinho & Os Cara, apresentando suas músicas inéditas e trilhas sonoras para as poesias e textos declamados por Omar Salomão e o convidado Freddy Ribeiro, que interpreta Clarice Lispector, Nietzsche, Guimarães Rosa e muito mais.
O show estreou em maio e completou nesta última quarta-feira, 16 semanas 'em cartaz' na calçada do chamado 'quadrilátero das vaidades'. As pessoas passam e param para ouvir o som e muitas vezes travar um primeiro contato a poesia e com a obra dos autores escolhidos.
- É difícil recitar poesia. Pode ser uma experiência insuportável para quem ouve, mas com a música por trás a poesia fica muito mais saborosa e acessível - diz Omar.
A proposta é, no mínimo, original, mas não é unanimidade. Os artistas, que não ganham nada além da divulgação do trabalho e chegam a pagar o aluguel do equipamento de som, alegam que o objetivo é levar cultura para as pessoas e reunir os vizinhos em benefício da arte. Mas nem todos os vizinhos vêem com bons olhos a movimentação que junta cerca de cinqüenta pessoas toda quarta-feira no Leblon.
- Cultura é válida sempre, desde que seja respeitado o direito do outro cidadão. O que eles fazem abre precedente para que todos também possam fazer uso daquele espaço público repetidas vezes. E mais: será que se fossem pessoas de classes humildes, da zona norte, e não jovens de classe média da zona sul, teriam a mesma aceitação ou seriam também silenciosamente aceitos? A polícia ia chegar rápido para acabar com a festa - ponderou a advogada Marcia Rocha, moradora do quarteirão.
Já o músico João Carlos Pinaud, que mora de frente para o local onde acontece a apresentação, acredita que a população é obrigada a aceitar coisas piores que uma manifestação como a do grupo.
- Na cidade grande somos sentenciados a aceitar uma série de coisas, a violência, o malabarista do sinal, as buzinas... considero que arte gratuita nas esquinas são manifestações positivas.
Na verdade, a polícia já chegou algumas vezes, só que diferente do final do filme "Let It Be" dos Beatles, ninguém foi detido ou o som foi interrompido. Eles são chamados, provavelmente por algum morador, mas como não há tumulto, só dão uma olhada e deixam estar... Também não aparecem autoridades da prefeitura ou qualquer tipo de fiscalização. E enquanto deixam, o grupo segue planejando expandir sua idéia em um evento para marcar o começo do verão: ocupar todas as esquinas do Leblon até Copacabana com bandas, performances e declamações.
- O Rio tem que honrar o título de capital cultural do país – torce Freddy.
Além do 'plano de expansão', o Vulgo Qinho & Os Cara está com seu primeiro CD independente pronto para ser lançado em outubro, e o projeto "Bonitos & Paranóicos" tem registrado imagens nas quartas-feiras musicais do Leblon para lançar seu primeiro registro em DVD.

sábado, setembro 08, 2007

BEATNIKS E CLÁSSICOS PARA QUEM NÃO TEM DINHEIRO SOBRANDO

Vivian Rangel
Há algum tempo livro de bolso deixou de ser sinônimo de edição desleixada, com tradução duvidosa, texto recortado e páginas que se soltam na terceira leitura. O mercado é cada vez mais disputado pelas grandes editoras que aproveitam os direitos já adquiridos em seu catálogo para elaborar volumes simples - economizando no papel e nas capas e retirando orelhas e imagens, por exemplo. Durante a Bienal, a Record segue os passos da Companhia das Letras - que lançou seu selo de bolso na Bienal de 2005 - e lança o Best Bolso. A L&PM aposta em caixas com volumes reunidos de Fernando Pessoa e Shakespeare e também quadrinhos de Garfield e Hagar, o terrível - belas opções para presente que saem orgulhosamente do bolso para a estante.
Os primeiros títulos a ganhar preços mais acessíveis na Best Bolso pertencem exatamente a dois dos segmentos mais procurados durante a Bienal: clássicos literários e livros de referência. Entre os 24 títulos que serão lançados na semana que vem, estão Baudolino, de Umberto Eco, A queda de Albert Camus e O Gattopardo, de Tomasidi Lampedusa.
- As edições de bolso são dedicadas a um um público relativamente novo, interessado em boa literatura e também em livros acadêmicos. Mas que não tem dinheiro sobrando no fim do mês - define a diretora editorial da Record, Luciana Villas-Boas.
A previsão da Record é lançar cerca de 90 livros de bolso no prazo de três anos, todos entre R$ 14,90 e R$ 19,90. A leva de 2008 deve trazer A casa das sete mulheres, de Letícia Wierzchowski, e uma biografia de Ayrton Senna . O novo selo terá uma proposta de distribuição diferente: além das estantes em livrarias, ganha as gôndolas de supermercados e lojas de conveniência.
A boa distribuição é uma das marcas da L&PM, há anos adotada por jovens que buscam não apenas obras mais baratas mas inéditos lançados diretamente em versão de bolso. A editora, com 650 livros no catálogo, consagrou-se por publicar clássicos - como o recente Crime e castigo, de Dostoiévski - e destacar a literatura beatnik - como os Diários de Jack Kerouac, Uivo, de Allen Ginsberg e Gasolina e Lady Vestal , de George Corso.
- Ao contrário da tradição brasileira de livros de bolso de segunda categoria, seja nas más edições ou no aproveitamento de material encalhado no catálogo, lançamos obras em primeira mão e fazemos questão de contratar tradutores de primeira linha como Paulo Neves e Ruy Castro - afirma o editor Ivan Pinheiro Machado. - Não temos pais ricos ou espanhóis para pagar a conta. Sobrevivemos graças ao interesse do leitor que aprecia nosso catálogo polifônico, desde a literatura chamada de transgressão como Bukowski até os grandes clássicos.
Durante a Bienal, a L&PM lança o inédito Geração beat, peça que Jack Kerouac teria escrito em apenas um noite de 1957, mesmo ano de publicação de On the road. No campo das referências, a grande estrela é o Dicionário Caldas Aulete da língua portuguesa (30 mil verbetes a R$ 19).
A grande novidade são as caixas que reúnem vários volumes.
-Vamos lançar Guerra e paz , de Tolstoi, em quatro volumes, e caixas com obras reunidas de Shakespeare, Fernando Pessoa e quadrinhos - enumera Pinheiro Machado. - São edições mais preocupadas com o apelo visual, na linha do que se chama nos Estados Unidos de gift book (livros para presente).
Outra opção para um mimo charmoso lançado durante a Bienal é a coleção Arte de Bolso, da Companhia Editora Nacional, formada por pequenos volumes sobre artistas brasileiros contemporâneos. Longe dos temidos preços dos livros de arte, cada um sai por R$ 23. As obras têm cerca de 60 reproduções, cronologia, biografia e uma pequena apresentação do artista. Até o momento, as edições sobre a Tomie Ohtake e Rubens Gerchman lideram as vendas. Na Bienal serão lançados livros sobre Maria Bonomi e Renina Katz.

sexta-feira, setembro 07, 2007

A FEBRE DE CABUL

Mariana Filgueiras
Primeiro, foram os terroristas de Cabul. Depois, os atentados de Cabul, os refugiados de Cabul. E vieram As pipas de Cabul (No Brasil chamado de O caçador de pipas), As andorinhas de Cabul, O livreiro de Cabul, que rendeu a resposta em primeira pessoa Eu sou o livreiro de Cabul, Mulheres de Cabul, Cabul no inverno. E os recentes A cidade do sol - uma versão feminina de O caçador de pipas - e O salão de beleza de Cabul. Lançados na mesma época, entre 2005 e 2007, os livros são um fenômeno editorial. O caçador de pipas vendeu 1, 3 milhão de exemplares no Brasil. A última moda literária antes desta, O código da Vinci, alcançou a marca de 1,5 milhão. O livreiro de Cabul segue o mesmo caminho de pedras preciosas.
O Oriente nunca esteve tão em alta na literatura. A reboque do sucesso da capital afegã, surgiram ainda 101 dias em Bagdá; Neve (sobre um golpe militar na Turquia), que deu o Prêmio Nobel a Orhan Pamuk; O atentado e As sirenas de Bagdá, ambos de Yasmina Kahdra (leia entrevista com o autor na página 2). A onda de Cabul é tão intensa que engoliu a próxima Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que começa no dia 13. A despeito dos homenageados, Ariano Suassuna e Gabriel García Márquez, e do tema da festa, "latinidade", os holofotes estarão voltados para os convidados de Cabul: Shah Rais, autor de Eu sou o livreiro de Cabul, e Deborah Rodriguez, de O salão de beleza de Cabul.
A febre literária tem explicações sugeridas num interesse crescente do Ocidente em relação ao outro, o Oriente. Principalmente depois do 11 de Setembro de 2001. O historiador Daniel Aarão Reis analisa:
- O Oriente, desde as mil e uma noites, e muito antes, sempre interessou os ocidentais, e nem sempre com bons propósitos. Edward Said já escreveu boas palavras a propósito (em 'Orientalismo', de 1978, o cientista formulou que, mais do que um conceito geográfico, o Oriente era uma invenção do Ocidente, sob o signo do exotismo e inferioridade). Atualmente observa-se, e novamente nem sempre com bons propósitos, um interesse crescente pelo Oriente. Que este interesse converta-se numa proposta de diálogo e compreensão, e não na formulação dos fundamentos de uma nova "cruzada", são os meus votos...
Apesar da premissa histórica, no entanto, as raízes do fenômeno editorial estão fincadas numa estratégia comercial agressiva. A partir do burburinho de O caçador de pipas, nos Estados Unidos, a Nova Fronteira enfeitou as vitrines brasileiras com pipas, distribuiu funcionários por livrarias com a missão de fazer os leitores "pegarem" no livro. A abordagem se estendia às praças e parques. Até em praias era preciso tomar cuidado com o cerol de Cabul - vendedoras, que só não usavam burca, entregavam o primeiro capítulo como brinde. Vieram os busdoor, outdoor, e o que mais pudesse dar a sensação de moda à leitura de Cabul. Os editores, no entanto, rejeitam a pecha:
- Essa onda de livros sobre o Oriente atrapalhou muito o Caçador, que foi trazido como um excelente romance, e acabou sendo relacionado com o fenômeno. Há livros e livros nesta onda. Quem consegue se manter no mercado, e quem só aproveita a leva. O Caçador levou um ano para atingir o topo da lista dos mais vendidos e consolidou-se mais pelo boca-a-boca - garante a gerente editorial da Nova Fronteira, Isabel Aleixo.
Com A cidade do sol, as estratégias foram ainda mais ousadas. A editora convidou os livreiros para escolherem a capa do livro, diante de duas opções. Depois, foram os próprios leitores que tiveram a chance, num site. E, três semanas antes do lançamento, foi aberta a pré-venda da obra, prática não usual no país. Em uma semana, foram vendidos 400 mil exemplares (dados da editora).
- Na verdade, todas as ondas literárias são bem-vindas. Hoje em dia, é muito difícil descobrir o que o leitor quer ler. A concorrência de outros meios que tomam o tempo da leitura é muito grande, internet, cinema, mp3. Quando se descobre o que o leitor quer ler, mesmo no meio de uma onda como esta, é ótimo - revê Isabel, comemorando o lançamento no Brasil do filme O caçador de pipas, o que deve alavancar ainda mais as vendas.
Editor de O salão de beleza de Cabul, Paul Cristoph diz que o livro é sobre a beleza, um tema universal. Especializada em livros de não-ficção, a editora Campus/Elsevier apostou na história de uma cabeleireira americana que abriu um salão de beleza em Cabul, preocupada com a feminilidade sob as burcas.
- Claro que uma onda é uma onda, e daqui a pouco não será mais interessante publicar livros sobre Cabul. Mas o choque de culturas é interessante. O mundo radical fascina, assusta. É uma procura natural - resume Cristoph.

quinta-feira, setembro 06, 2007

PAVAROTTI

Lá no Bairro de Fátima, as pessoas com quem eu conversava de vez em quando mostravam-se muito curiosas quanto ao que seria o bendito século XXI.
Alguns imaginavam que na próxima centúria haveria as maravilhas tecnológicas antecipadas pela literatura (Júlio Verne), pelo cinema (“De volta para o futuro”) e pelas histórias em quadrinhos (“Crash”, graphic novel da DC Comics). Outros acreditavam que a humanidade se veria livre de três dos quatro cavaleiros do apocalipse: a guerra, a fome e a peste. E também do desemprego e da pobreza absoluta.
Quando a Aids e o câncer começaram a interessar mais aos meios de comunica-ção, esses mesmos “visionários” tinham certeza de que os médicos do amanhã desen-volveriam bálsamos capazes de erradicar essas doenças. Era uma crença baseada em ideais positivistas – incluídos gradativamente no subconsciente coletivo – segundo os quais a ciência está a serviço do estado de bem-estar social.
Agora que o tal do século XXI está perto de completar sua primeira década, vejo que as bolas de cristal de outrora equivocaram-se totalmente. As maravilhas tecnológi-cas estão reservadas a 10% (se tanto) da população mundial, a humanidade continua às voltas com os três cavaleiros e a completa falta de vontade política não permite o fim do desemprego e da pobreza absoluta.
Hoje, os bálsamos desenvolvidos garantem pelo menos sobrevida a quem tem Aids. Tudo o que pode ser feito é estabelecer terapias que possam atenuar o sofrimento do paciente. O mesmo pode ser dito em relação ao câncer? Diante da morte de Luciano Pavarotti, receio que a resposta deva ser um NÃO absurdamente garrafal.
O que é o câncer? De acordo com a tal da Wikipédia, é um nome para a neopla-sia maligna. Caracteriza-se por uma população de células que crescem e se dividem sem respeitar os limites normais, invadem e destroem tecidos adjacentes e podem se espalhar para lugares distantes do corpo, através de um processo conhecido como metástase.
Segundo informações do Ministério da Saúde, o risco de desenvolver câncer de pâncreas – que matou Pavarotti no fim de um combate desigual que durou vários anos – aumenta após os 50 anos de idade, principalmente na faixa de 65 aos 80. Ao falecer, o tenor tinha 71. A maior parte dos casos é diagnosticada em fase avançada. Portanto, é tratada para fins paliativos. A taxa de mortalidade desse desgraçado é muito alta. É um diabo de difícil diagnóstico e extremamente agressivo.
Ou seja, senhoras e senhores: Pavarotti sofreu. E muito. O pâncreas é responsá-vel pela produção de enzimas, que atuam na digestão dos alimentos, e pela insulina – encarregada de diminuir o nível de glicose no sangue. Pela posição do pâncreas – na cavidade mais profunda do abdome -, é praticamente impossível a detecção precoce do tumor (a neoplasia). Quando é detectado, já está em estágio avançado e o doente, em estado terminal.
Em seguida, a seguinte informação pode ser lida no sítio do Ministério: “A cura do câncer de pâncreas só é possível quando este for detectado em fase inicial. Nos casos passíveis de cirurgia, o tratamento mais indicado é a ressecção (retirada), dependendo do estágio do tumor”. Nada mais contraditório, não? Primeiro, afirma que a taxa de mortalidade da doença é elevada. A seguir, dá o desconto de uma quase improvável salvação. Mas entendo o que se passava na cabeça de quem escreveu isso. É melhor dizer que o câncer de pâncreas tem cura do que permitir a multiplicação de suicidas.
Como diria o Faustão, “mais do que nunca” devemos prestar as devidas home-nagens ao homem que assumiu a complicada tarefa de aproximar a música clássica (a ópera, no caso) de uma juventude claramente voltada a uma cultura pop que quase não abre espaço para a erudição. Pavarotti cantou ao lado de Bryan Adams, dividiu o palco com a banda U2 e intensificou o esforço humanitário a favor dos fracos e oprimidos aliado a Elton John, Liza Minelli e Eric Clapton.
Hoje, Luciano Pavarotti alcançou a condição de imortal.

terça-feira, setembro 04, 2007

ARTE POÉTICA (TRECHO)

ARISTÓTELES

Parece haver duas causas, e ambas devidas à nossa natureza, que deram origem à poesia.
2. A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distinguem-se oshumanos de todos os outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquirimos nossos primeiros conhecimentos, e nela todos experimentamos prazer.
3. A prova é-nos visivelmente fornecida pelos fatos: objetos reais que não conseguimos olhar sem custo, contemplamo-los com satisfação em suas representações mais exatas. Tal é, por exemplo, o caso dos mais repugnantes animais e dos cadáveres.
4. A causa é que a aquisição de um conhecimento arrebata não só o filósofo, mas todos os seres
humanos, mesmo que não saboreiem tal satisfação durante muito tempo.
5. Os seres humanos sentem prazer em olhar para as imagens que reproduzem objetos. A contemplação delas os instrui, e os induz a discorrer sobre cada uma, ou a discernir nas imagens as pessoas deste ou daquele sujeito conhecido.
6. Se acontece alguém não ter visto ainda o original, não é a imitação que produz o prazer, mas a perfeita execução, ou o colorido, ou alguma outra causa do mesmo gênero.
7. Como nos é natural a tendência à imitação, bem como o gosto da harmonia e do ritmo (pois é evidente que os metros são parte do ritmo), nas primeiras idades os homens mais aptos por natureza para estes exercícios foram aos poucos criando a poesia, por meio de ensaios improvisados.
8. O gênero poético se dividiu em diferentes espécies, consoante o caráter moral de cada sujeito imitador. Os espíritos mais propensos à gravidade reproduziram as belas ações e seus realizadores; os espíritos de
menor valor voltaram-se para as pessoas ordinárias a fim de as censurar, do mesmo modo que os primeiros compunham hinos de elogio em louvor de seus heróis.
9. Dos predecessores de Homero, não podemos citar nenhum poema do gênero cômico, se bem que deve ter havido muitos.
10. Possuímos, feito por Homero, o Margites e obras análogas deste autor, nas quais o metro iâmbico é o utilizado para tratar esta espécie de assuntos. Por tal razão, até hoje a comédia é chamada de iambo, visto os autores servirem-se deste metro para se insultarem uns aos outros (icmbize iu).
11. Houve portanto, entre os antigos, poetas heróicos e poetas satíricos.
12. Do mesmo modo que Homero foi sobretudo cantor de assuntos sérios (ele é único, não só porque atingiu o belo, mas também porque suas imitações pertencem ao gênero dramático), foi também ele o primeiro a traçar as linhas mestras da comédia, distribuindo sob forma dramática tanto a censura como o ridículo. Com efeito, o Margites apresenta analogias com o gênero cômico, assim como a Ilíada e a Odisséia são do gênero trágico.
13. Quando surgiram a tragédia e a comédia, os poetas, em função de seus temperamentos individuais, voltaram-se para uma ou para outra destas formas; uns passaram do iambo à comédia, outros da epopéia à representação das tragédias, porque estes dois gêneros ultrapassavam os anteriores em importância e consideração.
14. Verificar se a tragédia esgotou já todas as suas formas possíveis, quer a apreciemos em si mesma ou em relação ao espetáculo, já é outra questão.
15. Em seus primórdios ligada à improvisação, a tragédia (como, aliás, a comédia, aquela procedendo dos autores de ditirambos, esta dos cantos fálicos, cujo hábito ainda persiste em muitas cidades), a tragédia, dizíamos, evoluiu naturalmente, pelo desenvolvimento progressivo de tudo que nela se manifestava.
16. De transformação em transformação, o gênero acabou por ganhar uma forma natural e fixa.
17. Com referência ao número de atores: Ésquilo foi o primeiro que o elevou de um a dois, em
detrimento do coro (22) , o qual, em conseqüência, perdeu uma parte da sua importância; e criou-se o protagonista. Sófocles introduziu um terceiro ator, dando origem à cenografia.
18. Tendo como ponto de partida as fábulas curtas, de elocução ainda grotesca, a tragédia evoluiu até suprimir de seu interior o drama satírico; mais tarde, revestiu-se de gravidade e substituiu o metro tetrâmetro (trocaico) pelo trimetro iâmbico.
19. Até então, empregava-se o tetrâmetro trocaico como o modelo mais adequado ao drama satírico e às danças que o acompanhavam; quando se organizou o diálogo, este encontrou naturalmente seu metro próprio, já que, de todas as medidas, a do iambo é a que melhor convém ao diálogo.
20. Prova isto o fato de ser este metro freqüente na linguagem usual dos diálogos, ao passo que o
emprego do hexâmetro é raro e ultrapassa o tom habitual do diálogo.
21. Acrescentaram-se depois episódios e outros pormenores, dos quais se diz terem sido
embelezamentos.
22. Mas sobre estas questões, basta o que já foi dito, pois seria enfadonho insistir em cada ponto.