quarta-feira, outubro 31, 2007

Adeus, Fellini

Por Ana Paula Amorim

O coração de Frederico Fellini, aos 73 anos (31/10/1993), não pôde mais suportar o esforço e parou.

Fellini nasceu em Rimini em 20 de janeiro de 1920, a cidade litorânea que seria cenário, 33 anos depois de "Os Boas-vidas". Deixou Rimini aos 17 anos para ser chargista de uma revista em Florença, demonstrando ser excelente desenhista e caracturista. Logo depois, passou a escrever pequenos roteiros e piadas para comediantes. Seus mestres no cinema foram Rossellini, para quem trabalhou em vários projetos, inclusive "Roma, Cidade Aberta", que se tornou o marco do Neo-Realismo. Fellini colaborou com vários filmes desse movimento cinematográfico.

Quando criança, fugiu de casa para seguir um circo (sendo dias depois devolvido aos pais), daí teriam nascido os exóticos personagens que povoam seu universo.

Em 24 filmes, o mago Fellini criou um universo próprio povoado por uma galeria inconfundível de personagens e deixou obras-primas como "A doce Vida" e "Oito e meio".

Um artista que simbolizava a rara união da originalidade com a popularidade, privilegiava a imaginação, o surrealismo, a fantasia e a nostalgia. Foram 40 anos dirigindo e criando filmes poéticos e inquietantes. Apesar de consagrado e venerado em todo o mundo, a julgar pelas declarações dos seus últimos anos, Fellini morreu desiludido com a missão que abraçou com fervor religioso, o cinema. Para ele este veículo andava perdendo "seu fascínio, seu prestígio, sua autoridade". E sentenciou: "A imagem perdeu sua força de sedução onírica. A TV banalizou não só essas imagens como a percepção delas."

O universo cinematográfico de Fellini era como circo-cinema, uma vez que o cinema possuía a mesma força e coragem do circo, numa mistura de técnica, precisão e improvisação.

terça-feira, outubro 30, 2007

Mexicanos se casam na Igreja Maradoniana

Dois casais de mexicanos se casaram na "Igreja Maradoniana", em um clube noturno de Buenos Aires. A "religião" foi criada em 1998 por admiradores do craque argentino Diego Maradona.

"Natal" e "Ano Novo" são comemorados no aniversário de Maradona, no dia 30 de outubro. O ano não é 2008 mas 47, que é a idade do craque.

A criação da Igreja Maradoniana foi inspirada pela explicação que ele deu para um dos seus dois gols na partida da Argentina contra a Inglaterra pelas oitavas de final da Copa do Mundo de 1986, da qual sua equipe seria campeã.

Acusado de ter usado a mão para marcar o gol, Maradona disse que ele havia sido feito pela "mão de Deus".

quinta-feira, outubro 25, 2007

LÁ FORA (DO SITE OMELETE)

Batman, Punho de Ferro e o fim de Quarteto Fantástico e Martha Washington
05/09/2007

ÉRICO ASSIS

BATMAN 668

Dá vontade de falar de quase todas edições de Grant Morrison em Batman. Como em Liga da Justiça e X-Men, o escocês maluco consegue dar novas perspectivas a séries velhas e cansadas – nas quais a maioria dos outros escritores não consegue encontrar maneiras de inovar.
O paradoxo é que Morrison inova recorrendo ao passado. Ele recupera, cita e atualiza boas bat-histórias (e algumas nem tão boas) dos anos 70, a época de Denny O’Neil, Neal Adams, Steve Englehart e Marshall Rogers. Na sua primeira edição, lembrou os cenários gigantes e coloridos das vergonhosas histórias da época do seriado de TV. Já fez também toda uma edição em formato de conto ilustrado, com a história toda em um ótimo texto, ao invés de quadrinhos.
Neste último arco, Morrison mistura tanto um conceito vergonhoso – a Liga dos Homens-Morcego, uma associação de heróis internacionais inspirados pelo Batman norte-americano, incluindo até El Gaucho, um estereotipado herói argentino – quanto as boas bat-histórias detetivescas. Com um toque de Agatha Christie: numa ilha afastada de tudo, os heróis associados são mortos um a um. O assassino, é óbvio, está entre eles, e nem Batman consegue descobrí-lo para impedir novas mortes.
O grande diferencial do arco é a arte de J.H. Williams III (Promethea). Ele brinca com os formatos dos quadros para criar cenas marcantes, citando o estilo dos anos 70 com um ar pós-moderno. Talvez mais impressionante ainda seja a forma como adapta seu estilo a cada personagem da Liga dos Homens Morcego. Ele é, sem dúvida, o melhor ilustrador em atividade nas HQs dos EUA. E está ajudando a criar a melhor, até agora, história de Morrison em Batman.

THE IMMORTAL IRON FIST 8

Punho de Ferro é refugo de um momento dos anos 1970 em que as artes marciais estavam em voga e a Marvel resolveu entrar na onda. O que fazer com o personagem nos anos 00?
Você o deixa nas mãos de um dos melhores escritores atuais na editora, Ed Brubaker, e dá a chance para outro escritor ainda meio novato, Matt Fraction, mostrar seu talento.
Brubaker e Fraction sabem que o conceito de Punho de Ferro não se sustenta sem risadas hoje em dia. O que não significa que devem transformar a série em uma comédia. Pelo contrário, o foco está nas ótimas cenas de ação – desenhadas pelo excelente espanhol David Aja – com alguma tiração de sarro das filosofias orientais no mundo ocidental.
Brubaker é o responsável pelas cenas mais sérias, enquanto Fraction é o cara da porra-louquice – quem conhece seu trabalho em Casanova e Punisher War Journal consegue identificar quais partes do roteiro são dele.
Na última edição, em que Punho entra num torneio entre campeões de sete cidades místicas (à la K’un Lun, a cidade onde o herói adquiriu seus poderes), os autores resolvem estruturar a história de um jeito particular: transformando num jogo de Mortal Kombat, até com chave de lutas. Idéias fora do comum que estão formando uma das melhores séries da Marvel atual.

THE LAST FANTASTIC FOUR STORY

Quarteto Fantástico: O Fim, de Alan Davis, foi publicada lá fora há alguns meses e já está saindo no Brasil. Mas Stan Lee resolveu que queria contar sua própria versão do fim da família de super-heróis.
Lee provou recentemente, numa série de especiais em sua homenagem, que sabe que a roteirização de quadrinhos mudou bastante desde os anos 60. Mas neste especial, parece que está escrevendo uma história para Jack Kirby.
O ritmo é estranho – cada página equivale a umas 10 dos quadrinhos atuais, pela velocidade atropelada de desenvolvimento do roteiro. Os dialogos são grande clichezões, como eram nos anos 60.
John Romita Jr., o desenhista escolhido, não combina com este roteiro de Lee. Seu traço é muito contemporâneo para o "retrô" do emérito criador do Quarteto. Se fosse desenhada por Kirby (ou mesmo por um de seus sucessores contemporâneos, como Erik Larsen ou Tom Scioli), seria mais uma história inocentemente clássica do grupo, uma homenagem aos velhos tempos. Com Romita Jr., parece estar fora de lugar.

MARTHA WASHINGTON DIES

Com milhares de roteiros atrasados e um envolvimento crescente com Hollywood, Frank Miller surpreendeu todo mundo ao aparecer com um roteiro para a história final de uma de suas personagens menos conhecidas, Martha Washington, criada com Dave Gibbons para a minissérie Liberdade, nos anos 1990.
Desde então, Martha já foi estrela de mais duas minisséries e especiais, que continuam a sua vida militar num bizarro Estados Unidos do futuro.
Esta última história, curtíssima, na verdade serve somente para fechar uma planejada coletânea com todas as aventuras da personagem, que a Dark Horse lançará em 2008. Mas a editora resolveu dar uma chance aos leitores de ver o pequeno conto sem ter que pagar pelo volumão.
É uma história apressada, passada no aniversário de 100 anos de Martha. Ela reúne família e amigo à beira da fogueira para contar o que aprendeu da vida. Depois de dizer "somos todos pó", sua última frase é "quero liberdade". E encerra-se a cena que, não tenha dúvida, deve ir para uma possível adaptação cinematográfica da criação de Miller e Gibbons.

quarta-feira, outubro 24, 2007

A Feira e a orquestra

Neste mês de outubro, não será apenas o Maracanã que ficará mais bonito, em razão da Festa da Juçara. São Luís do Maranhão, durante uma semana inteira - a depender de quando esta crônica será publicada -, voltará a ser reconhecida como a Athenas Brasileira. Em outras palavras, a cultura vai fazer a festa em Upaon-Açu.
Como todo mundo aqui já está tão careca quanto o Décio Sá de saber, a I Feira do Livro começou. O local do evento é a Praça Maria Aragão. Mas alguns eventos relacionados à Feira estão ocorrendo em outros pontos da cidade. Vi algumas fotos da “cidadela do livro” instalada na praça. Está bonita. Já estou imaginando aqueles estandes repletos de volumes que encerram romances, crônicas, contos, novelas, assuntos cotidianos e, é claro, poesia. Como aconteceu durante o Festival Geia. Mas lá em Ribamar eu não tinha uma noção exata do que levaria para a minha estante. A indecisão não durou muito. Afinal de contas, estava em uma cidade embalada pela canção do venerável Mar Oceano. Por essa razão, adquiri Moby Dick e 20.000 léguas submarinas.
Durante a Feira, aproveitarei o tema da homenagem ao melhor romancista do estado do Maranhão - entre vivos e finados - e (novamente) estabelecerei contato com o grande lance da vasta obra de Josué Montello, que são seus Diários. O “novamente” foi entre parênteses porque, lamento informar, eu, que já tive em mãos uma parte considerável dos livros montellianos, hoje tenho de me contentar, apenas e unicamente, com O silêncio da confissão. Que é bom, mas não chega perto, em qualidade, de Os tambores de São Luís e Cais da sagração - duas das pérolas da literatura universal. Não se trata de uma bajulação exagerada. Quem os leu sabe que tenho razão.
Para concluir o assunto da Feira do Livro, um depoimento do colunista Pergentino Holanda a respeito da relação entre livro e cidadania: “Uma sociedade democrática e aberta, capaz de fazer suas próprias escolhas e definir seu futuro, pressupõe tanto uma imprensa livre como o incentivo à produção cultural e artística. A história, que é mestra, ensina que as tiranias e os regimes autoritários dirigem seus primeiros ataques aos veículos de comunicação e aos bens culturais, principalmente aos livros. No verso da medalha, a valorização da palavra impressa e o estímulo à produção e consumo de bens culturais são signos de civilização e liberdade de uma sociedade. Quando o livro e o povo se encontram, isto é tanto uma celebração dos valores culturais como uma apologia da liberdade e confirmação de uma cidadania crítica, bem formada e informada”.
E, por falar em valores culturais, os quase um milhão de habitantes (te cuida, Guedelha, os home da Câmara e da Assembléia querem ver a tua caveira) de São Luís serão agraciados com a apresentação da Orquestra Sinfônica. Vai ser também na praça Maria Aragão e, sem dúvida alguma, o “ingresso” (posto que todos ficaremos ao ar livre, numa época distante do período chuvoso) será um quilo de alimento não-perecível. Exemplo mais-que-perfeito de conjunção entre cultura e cidadania. Além disso, porque ocorrerá em espaço aberto, ensina como deve ser realmente exercitada a cidadania. Dessa maneira, podem assistir ao espetáculo tanto quem irá à praça dirigindo seu “Pejô” quanto aquele que perambula por aí, labutando com sua carroça.
Para quem “apreceia” música clássica (ou erudita, tanto faz, não briguemos por isso), há dois programas excelentes, que recomendo mesmo sem receber um tostão pela propaganda. Trata-se do “Repertório”, na TV Cultura, e o “A Grande Música”, que passa na TVE. O primeiro é exibido às terças e quintas-feiras. Mostra exibições de orquestras sinfônicas e filarmônicas. O segundo é mais voltado para a música de câmara, ou seja, pequenos grupos que executam peças clássicas em espaços reduzidos. Sei muito bem que essa categoria da música não é muito apreciada, aqui no Brasil. Não tem e, pelo jeito, jamais terá a influência que tem o reggae ou o forró siliconado de hoje. Mas gosto de pensar como Rui Barbosa. Um país se faz mesmo com homens e livros. E, se unirmos o livro à música, teremos uma fantástica receita cultural para neurônios sedentos.

Entre o crime e a mentira

Olavo de Carvalho, filósofo

O episódio do Prêmio Nobel James Watson, suspenso do Laboratório Cold Spring Harbor por ter dito que os negros são inferiores aos brancos, é uma excelente ocasião para fazer recordar à comunidade politicamente correta alguns fatos que ela já conseguiu extirpar da mídia e dos livros didáticos, mas que, por milagre divino ou negligência da censura, ainda estão vivos nos documentos.

O racismo é, por inteiro, uma criação da modernidade, das luzes, da mentalidade científica, ateística e revolucionária, e não das tradições religiosas que formam a base da nossa civilização. Nem haveria como ser de outro modo. Não pode existir um sentimento de superioridade racial sem prévia identidade racial, nem muito menos esta poderia ter surgido antes que o conceito de raça fosse criado pelos biólogos iluministas no século 18. E mesmo que eles o tivessem inventado numa época anterior, ele não poderia ter-se transfigurado em instrumento de guerra cultural antes que a classe dos cientistas e dos intelectuais acadêmicos tivesse adquirido, em substituição ao clero, a autoridade pública de suprema instância legitimadora das idéias.

Por isso mesmo, você não encontrará nos dogmas da Igreja, nas sentenças dos papas ou nas decisões conciliares uma só frase que sugira, nem mesmo de longe, a superioridade dos brancos sobre os negros. Em compensação, encontrará muitas nas obras dos enciclopedistas, de Kant, de Voltaire, de Karl Marx e de Charles Darwin - os gurus máximos das luzes, do progressismo e da revolução. Se Voltaire enriqueceu no comércio de escravos e Kant assegurou que "os negros da África, por natureza, não têm sentimentos acima da frivolidade", Marx e Darwin, em especial, fazem daquela pretensa superioridade branca um argumento ostensivo em favor do extermínio das "raças inferiores", que o primeiro considerava necessário ao progresso histórico e o segundo, um pressuposto básico da evolução humana, concordando nisso com seu antecessor Herbert Spencer e sendo ecoado fielmente por seus dois principais discípulos, Thomas Huxley e Ernst Haeckel, o que mostra que toda tentativa de separar evolucionismo e racismo é pura maquiagem ex post facto.

A rigor, a declaração de James Watson contra os programas sociais, ante a qual os paladinos da boa imagem da ciência tanto se fingem de escandalizados, não passa de uma versão atenuada do seguinte parágrafo de Charles Darwin:

"Entre os selvagens, os fracos de corpo e mente são logo eliminados. Nós, civilizados, fazemos o possível para evitar essa eliminação; construímos asilos para os imbecis, os aleijados, os doentes; instituímos leis para proteger os pobres... Isso é altamente prejudicial à raça humana".

Se, após ter espalhado no mundo esse apelo genocida, a ideologia progressista-científica tenta inculpar por isso as épocas anteriores que o desconheciam, não há aí nada de estranho: é da essência do movimento revolucionário inverter a ordem do tempo histórico e, com ela, a autoria das ações, transfigurando a inocência alheia em crime e a sua própria abjeção em motivo de vanglória.

Lênin viria a resumir esse procedimento-padrão na máxima: "Acuse-os do que você faz". Isso é assim nos grandes como nos pequenos lances da história desse movimento. Quando nossos políticos de esquerda fomentam a criminalidade e depois a diagnosticam como criação perversa da "sociedade de classes", ou quando vão construindo o mensalão em segredo ao mesmo tempo que brilham ante os holofotes como perseguidores de corruptos, não lhes falta a quem imitar. A tradição revolucionária é o perfeito casamento do crime com a mentira.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Que Brasil é este?

Rodrigo Camarão

Qual a semelhança entre um office-boy assassinado numa favela de Vila Isabel e a elevação do Brasil no índice de confiabilidade para o investidor estrangeiro? Nenhuma. Justamente por isso, os dois fatos publicados entre 14 e 15 de abril servem de paradigma para demonstrar o "monumento de injustiça social" que se tornou o país, na expressão de Eric Hobsbawm. A carga tributária brasileira chegou a 34,23% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006. O número é muito parecido com o da Suíça (35,7%). Mas o Brasil não é, nem de perto, uma Suíça.
Apesar de pagar impostos como um país de Primeiro Mundo, a população brasileira amarga as maiores desigualdades de renda do planeta, sem direito mínimo a nenhum bem público como educação de qualidade, saúde, justiça rápida e universal e, muito menos, segurança pública. Diante desse quadro assustador, Arthur Ituassu e Rodrigo de Almeida buscaram especialistas nessas quatro metas fundamentais de um ser humano para perguntar: o Brasil tem jeito? O enorme ponto de interrogação é replicado por diversos pontos de exclamação de Adib Jatene, Dalmo Dallari, Luiz Eduardo Soares, Miriam Guindani, Maria Helena Guimarães de Castro, Roberto Pompeu de Toledo e Villas-Bôas Corrêa. Todos com notório saber em suas respectivas áreas.
Ituassu e Almeida, eles mesmos competentes jornalistas e pesquisadores, chegam à conclusão de que um dos maiores problemas do Brasil é a má aplicação dos recursos públicos que, apesar de volumosos, não chegam aonde deveriam. Param no meio do caminho, entre a corrupção e a leniência, a impunidade e o desrespeito às leis.
Sobre a sufocante carga tributária, os organizadores de O Brasil tem jeito? bradam: "O que prioritariamente não pode é que esta seja consumida sem a geração de qualquer benefício universal e igualitário à sociedade". Aí está o grande gargalo que impede o desenvolvimento do país. Vejamos o exemplo da educação, ministrado por Maria Helena Guimarães de Castro, professora da Universidade Estadual de Campinas e secretária estadual de Educação de São Paulo. Mais de 4% do PIB brasileiro são aplicados na área. O número está na média da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e é superior ao investido por Uruguai, Chile e Argentina. Só que os três vizinhos têm sistemas de educação melhores que os nossos. Basta acrescentar que o Brasil ignorou educadores como Paulo Freire. O Chile, não.
Na farta pesquisa para o desenvolvimento do livro, Ituassu e Almeida usam um relatório com dados de 1995 a 2004. Os números mostram que o governo federal gastou R$ 725 bilhões com o pagamento de juros, R$ 2,78 trilhões com o funcionamento da máquina pública, R$ 1,07 trilhão com os salários da burocracia e R$ 1,2 trilhão com a Previdência Social. São cifras demasiadamente grandes para um resultado tão ínfimo. "O gasto total com as quatro contas somou, entre 1995 e 2004, R$ 5,78 trilhões. Ou seja, seis vezes mais que o total (R$ 884 bilhões) executado no mesmo período com educação, saúde, segurança e infra-estrutura", atestam os autores. Haja desigualdade.
O Brasil tem jeito?, antes de um livro, é um importante documento. Trata-se de um registro de quão grandes são os desafios que o país precisa enfrentar para conseguir o básico. Apenas o mínimo, ironicamente garantido pela Constituição.
Arthur Ituassu, jornalista, mestre em relações internacionais, e Rodrigo de Almeida, também jornalista, mestre em ciência política, têm uma teoria para explicar o descalabro brasileiro: "Suspeitamos que tamanha injustiça social advém exatamente de uma distribuição não-pública da alta parcela da renda absorvida pela autoridade", escrevem, diplomaticamente. Poderiam ir além. Atribuir à corrupção ou à total falta de espírito público dos políticos o malfadado desenvolvimento do nosso país.
A obra realça quatro principais metas que, à primeira vista, parecem óbvias para qualquer suíço, mas não para um brasileiro: 1) a consolidação de um sistema de ensino básico universal, gratuito e de qualidade; 2) o estabelecimento de uma rede de saúde pública gratuita de qualidade; 3) a geração de um ordenamento jurídico rápido e eficiente; 4) a implementação de um corpo de segurança pública eficiente.
A professora Maria Helena Guimarães de Castro constata que, há muito, a educação básica deixou de ser prioridade. Sem isso, é impossível promover as mudanças desejáveis. A secretária de Educação de São Paulo mostra que é necessário investimento, incentivo ao professor, reorganização dos sistemas de ensino, metas de aprendizagem e alfabetização. "É preciso ter metas e padrões ambiciosos", ensina.
Adib Jatene, ex-ministro da Saúde nos governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, disseca a saúde brasileira. Percebe que, enquanto as técnicas da medicina foram aprimoradas, as melhorias permaneceram inacessíveis à grande maioria da população, não só brasileira como mundial. No Brasil, a transição demográfica fez com que a população envelhecesse, o que acarretou maior necessidade de atendimentos tanto na saúde como na previdência social.
"O setor privado gasta ao redor de R$ 80 bilhões por ano, aproximadamente o mesmo valor gasto pelos três níveis de governo", compara Jatene. Só que o guarda-chuva do setor privado cuida de menos de 40 milhões de pessoas e gasta aproximadamente R$ 2 mil por paciente. O setor público tem de prestar serviços a toda a população, de acordo com a Constituição, sem contar com o combate a endemias, vigilância epidemiológica e sanitária.
O professor Dalmo Dallari remonta às origens do Poder Judiciário brasileiro para julgar a ineficiência do nosso sistema legal. Mostra que a Justiça do Brasil foi marcada, desde o início, pela submissão, pelo controle exercido pelo imperador, pela discussão orçamentária no Executivo e Legislativo e pelo monopólio dos parlamentares na criação das leis processuais. Daí, prova Dallari, resultam as infinidades de recursos e as infindáveis delongas. Os mais pobres, sem acesso a melhores advogados e, conseqüentemente, às brechas na legislação, não conseguem embrenhar-se no emaranhado jurídico, onde repousa a impunidade.
Sobre a segurança pública, Luiz Eduardo Soares - um dos autores do livro que deu origem ao filme Tropa de elite - e Miriam Guindani colocam, novamente, o problema do tráfico entre os dilemas estruturais do Brasil. Citam as constantes violações dos direitos humanos dentro e fora das cadeias. Não passa despercebido aos autores o grave problema da corrupção policial e o estado deprimente das prisões brasileiras. Uma das soluções apresentadas até parece simples. É o investimento em políticas de prevenção ao crime, principalmente no âmbito municipal. Bem que doutor Jatene poderia dizer: "Melhor prevenir que remediar".
Fecham o livro com chave de ouro os jornalistas Villas-Bôas Corrêa, repórter político deste Jornal do Brasil, e Roberto Pompeu de Toledo, colunista da Veja. Ambos analisam a pergunta que dá nome ao livro. Invariavelmente, eles e todos os outros chegam à mesma resposta: sim.

domingo, outubro 21, 2007

Bento XVI apela às religiões pela paz

O ESTADO DO MARANHÃO, SÃO LUÍS, 22 de outubro de 2007, segunda-feira

O papa Bento XVI fez ontem (domingo) um pedido para que “as religiões não sejam veículos de ódio”, ao inaugurar o Congresso “Por um Mundo sem Violência, organizado pela Comunidade de São Egídio, em Nápoles, no sul da Itália, diante da presença de líderes das principais crenças religiosas.
“Que nunca em nome de Deus possam ser justificados o mal e a violência. Ao contrário, que as religiões possam oferecer recursos valiosos para construir uma humanidade pacífica”, disse o papa.
Cerca de 300 líderes religiosos e políticos participaram do encontro, entre eles Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla; Crisóstomo II, arcebispo de Nova Justiniana e de todo o Chipre, e Rowan Williams, chefe da Igreja Anglicana. Também estiveram presentes Yona Metzger, grande rabino ashkenazi de Israel, e representantes islâmicos vindos de Arábia Saudita, Irã e Marrocos.
A todos eles, o papa pediu que “trabalhem para a paz”, se empenhem para “promover a reconciliação dos povos” e “se oponham a qualquer forma de violência e ao abuso das religiões como desculpa para fomentá-la”.
Bento XVI disse aos presentes que “a Igreja Católica continuará seguindo o caminho do diálogo para favorecer a compreensão entre as várias culturas, tradições e religiões”. E desejou que “este espírito seja transmitido principalmente onde existirem fortes tensões, onde a liberdade e o respeito sejam negados aos homens e eles sofram as conseqüências da intolerância e da incompreensão”.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Paulo Autran

Coluna do Sarney

O ESTADO DO MARANHÃO. SÃO LUÍS, 19 DE outubro DE 2007, sexta-feira.


São Luís do Maranhão, uma das cidades mais antigas do Brasil e onde se encontra preservado o maior conjunto da arquitetura colonial portuguesa, tinha no teatro uma devoção cultural. Basta dizer que a Igreja de Nossa Senhora da Luz foi inaugurada, em 1617, com uma representação teatral, diálogos compostos pelo padre Luís Figueira, um dos mártires jesuítas da evangelização da Amazônia.
O Teatro São Luís é o segundo do Brasil. Foi construído por iniciativa privada e inaugurado em 21 de junho de 1816, com o nome de Teatro União. No tempo da navegação a vela, São Luís era o porto mais próximo da Europa, 28 dias, viagem favorecida pelos ventos e correntes marítimas, e ali primeiro aportavam as companhias líricas que vinham apresentar-se no Brasil.
Havia o gosto do teatro e cada sobradão guarda até hoje um espaço que era obrigatório para o seu teatrinho, onde as famílias cultivam essa arte.
O Teatro São Luís foi construído tendo como modelo o Scala de Milão, em tamanho pequeno, aconchegante, belo. Tem um ar de uma casa em que todos participam do espetáculo, tão próximos ficam platéia e artistas. Por ali passou Furtado Coelho, aquele cuja mulher, Eugênia Câmara, era a musa e amante de Castro Alves. Num camarim nasceu a maior atriz brasileira de todos os tempos, Apolônia Pinto. O teatro tinha assinantes e as óperas e operetas eram as grandes atrações da cidade.
Nesse teatro, onde, por tradição e uma certa superstição nos meios artísticos, dava sorte estrear, conheci Paulo Autran na década de 50. Nós fundáramos uma Sociedade de Cultura Artística (SCAM) com a professora Lilá Lisboa, Lucy Teixeira, Lago Burnett, e recebíamos e nos fazíamos de cicerones aos artistas que nos visitavam. Lembro-me que acompanhei Henriette Morineau, Tônia Carrero, Maria Della Costa e Paulo Autran.
Com Paulo, Henriette e Tônia fizemos uma amizade bem forte. Com que encanto e nostalgia lembro-me das noites gloriosas do Otelo e do Entre Quatro Paredes, o público em delírio, e do tempo de Tônia - essa beleza que não passa - e Paulo na sua companhia com Adolfo Celi.
Ninguém no Brasil representou tanto o chamado a uma vocação artística quanto Paulo Autran. Encheu o coração de sua geração e das novas gerações. Grande e magnífico ator - o maior de todos. Criatura extraordinária. Quando presidente, o mandei convidar para ministro da Cultura: ele não aceitou, nem Fernanda Montenegro. Perdi eu. Foram fiéis ao teatro, mais do que eu à literatura.
Sua morte deixa a lembrança da frase de Rilke sobre Rodin: “Todos os grandes homens já morreram.”

segunda-feira, outubro 15, 2007

Os escritores de proveta

Mariana Filgueiras e Vivian Rangel

Carlos Drummond de Andrade não escondia que era mais transpiração. Conta-se que Flaubert reescrevia dezenas de vezes o mesmo capítulo, lendo em voz alta e consultando notas intermináveis. Otto Lara Resende era obsessivo a ponto de nunca dar um livro por terminado e fazer modificações na obra já impressa. Mesmo escavando com penas e canetas, noites inteiras em busca da mais harmônica combinação de palavras, a imagem do processo de escrita ainda hoje é associada à mera inspiração. Um dom orgânico e espontâneo raramente visto como trabalho árduo.

O maior reflexo desse equívoco conceitual é a escassez no Brasil de projetos públicos ou privados de apoio à criação. O debate, há anos discutido em encontros literários, ganhou as páginas dos jornais em 2004, com a divulgação do manifesto Literatura Urgente, capitaneado pelo poeta Ademir Assunção. O texto reivindicava incentivos a políticas públicas de criação literária, além de fomento à circulação de escritores em universidades - e entre países latino-americanos - e um sistema estatal de distribuição de livros, entre outros pedidos.

No fim do ano passado, uma resposta concreta: o Programa Petrobras Cultural abriu uma nova categoria de incentivo financeiro voltado à criação literária. O edital convocou autores que estavam no meio da elaboração de um livro (era preciso enviar 40% da obra) para um processo seletivo. Foram 423 projetos inscritos, de prosa e poesia. E 24 selecionados, cujos autores vão receber R$ 3 mil mensais, por um período de seis meses a um ano, para finalizar o texto. O melhor é que terão a garantia de publicação, já acertada em parceria com editoras.

- O projeto é o único existente no Brasil e dá um incentivo à produção literária, não um prêmio para um livro já publicado - detalha Arthur Nestrovski, integrante do Conselho do Programa Petrobras Cultural (PPC). - O programa já contemplava música, cinema, teatro e dança. Então, sugeri um edital para literatura, que de todas as áreas é a que tem menor custo.

Escrever um livro pode custar menos do que financiar artistas, cenário e direção para a montagem de uma peça teatral. O trabalho solitário, no entanto, muitas vezes é confundido com isolamento, como defende Rodrigo de Souza Leão, um dos selecionados.

- A classe dos escritores não é unida. Por isso, o teatro e o cinema recebem muito mais benefícios do que a literatura, onde a vaidade impera - acredita o escritor.

Além da falta de movimentação da classe, a ausência de financiamento para a concepção de livros é considerada reflexo cultural de uma sociedade que ainda pensa a literatura como atividade restrita a um grupo de privilegiados.

- Há uma concepção aristocrática da escrita literária. Parece que escrever é fácil como respirar, mas é uma atividade que demanda tempo, concentração e estabilidade financeira - opina Bruno Zeni, que participa do PPC com o romance Corpo a corpo com o concreto. - A não ser que você seja um abnegado ou um gênio, escrever é uma arte trabalhosa. Para mim, uma tarefa longa que significa luta interna.

O produto final, que na acepção mais simples é um mero objeto físico, ganha por vezes aura de hobby. O que, na opinião de outra escritora escolhida, Paula Glenadel, faz com que o livro seja visto como um passatempo pessoal do escritor.

- Não existe o hábito de encarar o ofício literário como uma produção no sentido estrito do termo, ou seja, como um processo de fabricação de um objeto da cultura - diz Paula.

Cintia Moscovith, também contemplada pelo PPC, acredita que o grupo é a "proveta da vez", pioneiro ao desfrutar de um incentivo direto em criação literária. A publicação das 24 obras financiadas pela Petrobras, no ano que vem, pode ser um indício da mudança de visão sobre a produção literária. E, quem sabe, até o apaziguamento da discussão sobre o papel do Estado em financiar cultura, que, se para alguns escritores é secundário, para Arthur Nestrovski é inquestionável.

- Não consigo imaginar um governo responsável que não zele pela sua produção cultural - opina o representante do conselho do PPC. - A cultura não pode ser deixada apenas nas mãos do mercado. A longo prazo, ela é a única coisa que fica da civilização. O que ficou das iniciativas políticas do governo alemão dos séculos 18 e 19? Ninguém se recorda. Mas escutamos A sétima sinfonia, de Beethoven, e lemos a poesia de Goethe.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Um especialista sem frescura

DO BLOG DE AFFONSO NUNES (JB ONLINE)

O espanhol Fernando Ortiz é, aos 30 anos, um dos enólogos e sommeliers mais requisitados da Espanha. A paixão pelo vinho começou cedo, ainda na adolescência, na cidade de Aranda. Formado na Câmara de Comércio de Madrid, Ortiz tem mais de 70 cursos ministrados em seu país. É conferencista das Universidades de Brugos e Miguel de Cervantes, em Valladolid, e colabora com programas de rádios sobre o mundo do vinho na região de Castilla y León, região cujos vinhos ele promove em viagens pelo mundo. Nesta semana, ministrou curso sobre o tema na Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho, em Botafogo. Obcecado por fazer com que a juventude se interesse mais pela bebida, gosta de promover grandes sessões de degustação, para iniciados e iniciantes. Numa delas, em 15 de setembro do ano passado, reuniu 5.095 pessoas numa arena de touradas. O feito entrou para o Guiness Book. Tive a oportunidade de conversar com ele na última terça-feira. Abaixo, os principais trechos da entrevista com um especialista com a cara deste blog: sem frescura.

Trajetória

MInha infância e juventude foram marcadas pela cultura do vinho. Meu avô trabalhava com o cultivo de uvas na região de Aranda. Meu pai abriu uma loja de vinhos e logo cedo fui trabalhar com ele. Confesso que era um péssimo aluno, mas demonstrava grande interesse em relação aos vinhos. Decidi unir o prazer ao conhecimento e me fui me aprofundando. Creio que que subi mais um degrau em relação a meu pai e meu avô.

A era do vinho

O vinho acompanha a história da humanidade há pelo 2.500 anos, mas não tenho dúvidas de que vivemos hoje o momento de ouro em sua produção. Nunca se bebeu vinhos tão bons em tamanha quantidade. O vinho democratizou-se. Há rótulos de qualidade, para todo tipo de gente. As fronteiras vinícolas expandiram-se além da Europa. Tudo isso foi alcançado graças às invovações tecnológicas, capazes de compensar limitações climáticas ou mesmo de terreno. Vivemos, de fato, um momento especial.

Vinhos globalizados ou regionalizados?

A democratização no mundo do vinho é positiva, pois amplia seus horizontes e ajuda a formar novos apreciadores. Mas um aspecto me incomoda: o fato de encontrarmos vinhos idênticos em vários países. O pleno domínio das técnicas de produção faz com que você possa consumir, por exemplo, vinhos de corte francês como o Bordeaux produzidos fora da França. Abdica-se das características regionais, das uvas locais, para se apostar num modelo rígido, como numa receita de sucesso que todos querem reproduzir. Mas por trás de um vinho há mais do que isso: temos a história daquela região, sua cultura. Temos a história de vida de homens e mulheres que produziram aquele vinho. Uma história que se repete há milênios. Esse problema não ocorre no chamando Novo Mundo do vinho porque essas regiões começaram a fazer seus vinhos a partir de mudas importadas, uma vez que não eram regiões vinícolas.

O papel dos críticos

O ideal seria que seguissemos nosso próprio gosto, dando menos valor aos críticos. Acho os sistemas de pontuação de vinhos algo injusto. Um vinho mal pontuado pode casar perfeitamente com certa refeição num determinado momento. Afinal, o vinho tem vida. Ele dialoga conosco. Tudo isso conta e vai além do universo fechado da chamada crítica especializada.

Vinhos complexos

O principal fator a ser considerado num vinho para mim é sua complexidade. Como explicar isso ao público leigo? Gosto de comparar com pessoas que entendem muito de um assunto como, por exemplo, o futebol. Digamos que você tem um amigo que conhece o futebol profundamente. É bom conversar com ele, aprender o que você desconhecia. Mas depois de algum tempo, a conversa não vai se renovar. Um vinho complexo é como uma pessoa que domina não somente o futebol, mas outros temas como literatura, artes plásticas, música, filosofia, política, religião e etc. Enfim, a cada conversa aprendemos mais. Um vinho complexo nos revela aromas, texturas e sabores e cada gole. Isso é que o torna tão especial, se comparado a outros tipos de bebida. Os vinhos têm alma.

Vinhos espanhóis

Posso ser suspeito para falar, mas não sou o único a dizê-lo: a Espanha representa o futuro do vinho. Experimentamos um grande salto de qualidade nos últimos anos e nosso país reúne condições privilegiadas, já que temos a maior área cultivada de vinhedos do mundo. Poderíamos produzir muito mais do que produzimos hoje, mas optamos por fazer vinhos mais especiais, mais finos e complexos. E para isso, não podemos produzir em série, como numa grande fábrica. Nosso país planeja ser o maior exportador de vinhos do mundo até 2010.

A alta gastronomia espanhola

A Espanha está na vanguarda da alta gastronomia da atualidade. Temos Ferran Adriá, mas ele é a ponta de um iceberg. Há outros chefs instigantes, criativos. O interesse por esse estilo culinário é hoje tão grande que em Nova York abre-se mais restaurantes espanhóis do que italianos hoje em dia. E esse interesse gastronômico pelo que vem da Espanha, obviamente, ajuda a alavancar a venda de nossos vinhos.

Degustação recorde

Apresentamos naquela tarde 2,5 mil garrafas de vinhos representativos das principais regiões espanholas. A idéia de realizar uma degustação para tanta gente surgiu de nossa intenção de aproximar os jovens do vinho. E para isso nada como um evento grandioso, um feito digno do Guiness Book, sobre o qual as pessoas dirão: "Eu estive lá. Eu participei." E deu certo: 70% das 5.095 presentes tinham 35 anos ou menos. Ver toda aquela compartilhando sensações, olhando as taças, cheirando o vinho. Foi algo muito emocionante, difícil de esquecer.

Vinhos no Brasil

Ainda não os conheço suficientemente para falar, mas sei do empenho crescente de vocês na produção de vinhos de qualidade. Sei do interesse cada vez maior do público. O cultivo de uvas viníferas aqui no Brasil é recente demais e há muito o que se descobrir em relação aos terrenos apropriados para se produzir esta ou aquela uva. Os espumantes que vocês fazem aqui são de qualidade superior. Creio que vocês poderão conseguir resultados semelhantes com vinhos rosados. Aliás, não entendo porque o brasileiro não consome mais espumantes ou vinhos rosados e brancos. O clima de vocês ajuda muito.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Vale do Rio Doce vai mudar nome e marca

SERGIO COSTA, da Folha de S.Paulo, no Rio

Maior empresa brasileira, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) vai mudar de nome e de logomarca a partir de novembro. A decisão da direção da CVRD e do conselho de administração é reposicionar a empresa no mercado de uma forma mais compatível com o status de companhia multinacional, consolidado com a aquisição da mineradora canadense Inco, no ano passado, por US$ 18 bilhões.
O novo nome ainda não foi decidido e as opções estão sendo tratadas na empresa como segredo de Estado. O sigilo é tamanho que a África, agência do publicitário Nizan Guanaes, foi contratada com a missão de fazer a campanha da nova marca da empresa sem saber ainda os novos nome e logotipo.
Toda a estratégia de divulgação está sendo desenvolvida em cima dos conceitos que a CVRD quer adotar a partir de agora. Uma empresa internacional que seja imediatamente identificada com o Brasil.
Uma grande empresa nacional e uma outra americana, especializadas em marketing e criação de marcas, foram contratadas pela Vale e estão trabalhando no projeto. Aliás, a palavra Vale, como a empresa é mais conhecida no Brasil, tem grandes chances de não figurar no novo nome.
Uma das principais linhas de discussão é se apenas a sigla --CVRD-- deveria ser adotada. Outra opção em estudo é focar a marca em cima apenas da expressão "Rio Doce".
A idéia é, dez anos depois da privatização, romper com os laços que ainda ligam a empresa à imagem de uma ex-estatal, além de reforçar a marca internacional, livrá-la do losango e das barras de seu logotipo atual, associadas de alguma forma à simbologia de patentes militares que ainda remetem à época da ditadura.
A mudança também ocorre em um momento de questionamento da privatização da empresa, em que algumas entidades defendem a realização de plebiscito para avaliar a venda da mineradora.
A CVRD foi fundada pelo governo federal em 1942 e privatizada em maio de 1997.
Uma reunião em um hotel na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, que acabou neste fim de semana, definiu as novas diretrizes para mudanças na imagem da empresa.
Como não tem nenhum produto facilmente associável à companhia, que fornece matéria-prima para diversas outras empresas com marcas mundialmente muito mais conhecidas do que CVRD, a idéia é criar uma marca de identificação forte e que possa ser associada a tudo o que é produzido a partir do minério de ferro: de fogões a aviões.
A conclusão dos executivos é de que a empresa é mais forte do que conhecida. Na segunda-feira, o presidente Roger Agnelli anunciou que a CVRD havia se transformado na 31ª empresa do mundo, à frente da IBM. Antes, já tinha se tornado a maior companhia brasileira, ao superar a Petrobras. Esta semana, seu valor de mercado atingiu US$ 167,3 bilhões -alta de 140% em relação à cifra do final de 2006, US$ 69,8 bilhões. O desafio é criar uma marca que espelhe tudo isso.

sábado, outubro 06, 2007

A infância de Jesus

Relatos dos séculos I a III revelam que o filho de Deus, ainda criança, fazia milagres e era travesso. Agora, novos estudos procuram detalhar essa fase da vida de Jesus

Por CARINA RABELO, JONAS FURTADO E LENA CASTELLÓN

Quem um dia recorreu à Bíblia para conhecer melhor a história de Jesus, o homem que deu origem ao cristianismo, certamente terá notado a falta de informações a respeito da infância do filho de Deus. Dos quatro evangelhos que contam o surgimento do chamado Messias, somente dois – os de Mateus e Lucas – trazem episódios da primeira fase de sua biografia. As menções são escassas e frustram quem gostaria de saber mais da vida do menino. Mas agora estão se tornando populares certas narrativas que descrevem momentos reveladores da relação do jovem Jesus com sua família e com as outras crianças. De acordo com esses textos, ele foi um garoto consciente de seu poder divino e fazia milagres desde pequeno. Ainda assim, não deixou de cometer travessuras que lhe valeram reprimendas da mãe, Maria. Inteligente ao extremo, chegava a desafiar seus mestres. Um professor, Zaqueu, teria procurado José para se queixar de Jesus, que recebera para aulas quando este tinha cinco anos. “Ai de mim, não sei o que fazer. (...) Não posso suportar a agudeza de seu olhar, nem chego a entender suas explanações. (...) Queria um aluno e encontrei um mestre. (...) José, leve-o para casa.”

Apesar de não receberem a chancela do Vaticano, relatos como esses, produzidos entre os séculos I e III, têm sido analisados por teólogos, historiadores e até mesmo por religiosos católicos. São os evangelhos apócrifos ou pseudoevangelhos, elaborados como complemento dos textos bíblicos. O termo apócrifo é empregado para designar relatos cuja autenticidade não é reconhecida pelo Vaticano. Ao todo, são 60, de diversas autorias. Citações sobre os primeiros anos do filho de Deus estão em alguns desses textos, entre eles o evangelho chamado de Armênio da infância e nos livros atribuídos a Tiago e Tomé, dois apóstolos de Cristo. Tomé detalha fatos ligados propriamente à infância, enquanto Tiago (tido como irmão de Jesus em narrativas não-oficiais) aborda mais a vida da família nos primeiros anos do futuro Salvador. Durante muito tempo, relatos desse gênero ficaram relegados a segundo plano, conhecidos basicamente apenas por quem se dedicava a estudar religião. Essas histórias, no entanto, começam a se espalhar inclusive entre os não-católicos, principalmente por ação de escritores que enxergam na força do mito Jesus um belo caminho rumo ao estrelato. Que o diga Dan Brown, o autor de O Código Da Vinci.

Uma das novidades nesse sentido é o livro Cristo Senhor, da americana Anne Rice, que chega nesta semana às prateleiras brasileiras. Autora do best seller Entrevista com o vampiro – que gerou um filme, possível passo do atual livro –, Anne nasceu em família católica, mas abandonou a religião aos 18 anos. E só a retomou em 1998, quando se recuperou de um coma provocado pela diabete. Em 2002, mergulhou nos textos apócrifos para elaborar a sua versão do menino Jesus. Em Cristo Senhor, que ficou três meses na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times, o narrador é o filho de Maria, com a idade de sete anos. É uma ficção reforçada pelos textos não sacramentados pela Igreja. Ela assegura, porém, ter se disciplinado para não contradizer o que está na Bíblia. “Há bastante informação para que possamos imaginar como pode ter sido a vida de toda a família”, disse a ISTOÉ. E completa: “Coloquei na minha cabeça que faria uma história muito realista, absolutamente conectada com as escrituras. Usei o que pude.”

CURIOSIDADE POPULAR
A vida de Jesus e sua relação com a família sempre atraiu interesse dos cristãos. Os textos não-oficiais, chamados apócrifos, preenchem a lacuna deixada pelas escritas canônicas, que pouco contam a respeito dos primeiros anos
VIDA A PÁSSAROS DE BARRO
Pode ser, mas um dos episódios que abrem o livro é um milagre narrado por Tomé. Trecho que demonstra o aspecto divino de Cristo na infância. Naquele período, Jesus, claro, não era considerado o Messias. Seus feitos, no entanto, não passavam despercebidos. Por isso, as crianças o temiam e seus pais proibiam os filhos de brincar com ele. Segundo a narrativa de Tomé, Jesus estava com sete anos quando um menino caiu do telhado de uma casa e morreu. Imediatamente, seus pais o apontaram como responsável pela morte. Diante da acusação, Jesus chamou com voz forte o garoto de volta à vida para que contasse que não era ele o culpado. No livro de Anne Rice, Jesus se inclina sobre o menino e diz: “Acorda, Eleazar. Desperta agora.” O filho de Maria também faz viver passarinhos de barro. No evangelho apócrifo intitulado Infância do Salvador, ele os pega na mão e ordena: “Ide.” E os passarinhos saem voando e gorjeando.
RESSURREIÇÃO
Um menino caiu do telhado de uma casa e morreu. Jesus, aos sete anos, o chamou e ele voltou a viver
Diversos relatos ressaltam o lado generoso, curativo e benevolente do jovem Jesus. Entretanto outros episódios contidos nos textos sugerem que ele era sapeca. Em um final de tarde, brincava com um grupo de crianças em seu quarto. Segundo o evangelho Armênio da infância, um raio de sol entrou pela janela. Gaiato, perguntou aos colegas se eles conseguiriam subir pelo raio. Os meninos nem se aventuraram. Jesus subiu. Uma travessura é aceitável. Mas como as narrativas apócrifas salientam, ele não era um menino comum. Também no escrito de Tomé, revela-se um lado negativo de seu poder. Com a desistência de Zaqueu em tomar o pequeno como aluno, José procurou um novo mestre para o filho. Encontrou um homem que, apesar de conhecer a fama do esperto Jesus, aceitou o convite. O garoto o desafiou logo na segunda aula. Posto à prova em seus conhecimentos, o professor se enraiveceu e bateu na cabeça de Jesus. Sentindo dor, ele o amaldiçoou e o mestre caiu por terra, sem sentidos.
MILAGRES MAIS SÉRIOS
Não há como negar que passagens como essas soam fantasiosas demais. Para alguns teólogos são episódios que mais se assemelham a histórias de super-heróis. Mas os textos nãooficiais, afinal, podem ser levados em conta? Sim, responde o frei Jacir de Freitas Farias, um franciscano de Belo Horizonte que estuda esses escritos. Desde que sejam tomados certos cuidados. Primeiro, explica ele, é preciso distinguir os tipos de relatos. Em sua opinião, os textos podem ser divididos em três categorias: os complementares (que trariam acréscimos às narrativas bíblicas, caso dos relativos a Maria), os alternativos (com episódios não aceitos pelo Vaticano, entre eles, os que colocam Maria Madalena como líder feminista) e os aberrantes. Nessa última classificação estão os livros que tratam do Jesus menino. Segundo o frei, eles exageram na explicação para mostrar o poder do filho de Deus. Por outro lado, representam o pensamento popular do período. “Os evangelhos canônicos não têm preocupação em mostrar a infância. E a humanidade ficou curiosa a esse respeito”, diz. Essa curiosidade perdura até hoje. Para atendê-la, frei Jacir, autor de quatro livros sobre os evangelhos não reconhecidos pela Igreja, está preparando material para o próximo título, A infância de Jesus nos apócrifos.

quarta-feira, outubro 03, 2007

A tendência no vinho

NY Times Magazine

Rob Walker

Os consumidores estão se tornando cada vez mais sofisticados. Basta estudar aquilo que costumamos beber. Não usamos mais cafés instantâneos genéricos, ou cervejas voltadas ao mercado de massa: optamos por complexos capuccinos e sofisticados pinots noirs. Quando existe sede suficiente de sofisticação (ou qualquer outra coisa), uma outra tendência se torna inevitável: uma grande cadeia de lojas franquiadas fornecendo o produto em questão. Ou, no caso do vinho, duas delas. Uma lista recente de franquias que vêm demonstrando rápido crescimento inclui tanto a Vino 100 (com cerca de 60 lojas em operação) e a WineStyles, com 110 lojas.

Em ambos os casos, a missão que orienta as empresas é apresentar o vinho aos consumidores de uma maneira tanto despretensiosa quanto desmistificada ¿ ou seja, o contrário de, vocês sabem, sofisticada. As duas redes enfatizam um vocabulário do qual todo tom de esnobismo foi removido, na discussão dos vinhos, uma seleção cuidadosa de produtos a preços relativamente baixos e a ênfase em promover a loja como ponto para eventos e ocasiões sociais.

A WineStyles, que começou a operar em sistema de franquia em 2004, separa os vinhos que oferece em suas prateleiras não por procedência nacional ou variedade de uva, mas por meio de um "sistema de estilos" que se resume a oito palavras que definem "perfis de sabor", tais como "aguçado", "sedoso" e "ousado". Para os consumidores, é um sistema de domínio mais fácil do que a divisão tradicional, de acordo com Robert Spuck, o presidente-executivo da empresa.

De maneira semelhante, uma unidade típica da rede WineStyles oferece cerca de160 vinhos, porque, argumenta Spuck, esse é o limite máximo com o qual os proprietários se sentem confortáveis. Muitas das seleções em oferta em qualquer unidade da WineStyles na verdade foram criadas exclusivamente para a empresa. O grupo trabalha em parceria com vinícolas para produzir vinhos identificados por marcas que a WineStyles controla, como a Killer Bee. Isso significa que "não é preciso pagar por toda aquela promoção de marca e tudo mais" que está embutido no preço de alguns outros vinhos, de acordo com Spuck.

Os novos rótulos lançados pela casa surgem regularmente nas prateleiras, com o objetivo de atender ao desejo de variedade que caracteriza o consumidor de vinho. Mas a estratégia também parece atender à tendência dos consumidores de vinho a comprar repetidamente a mesma marca ¿mesmo depois que a safra que originalmente despertou seu entusiasmo está completamente fora do mercado.

Na Vino 100, o princípio de organização é sugerido pelo nome da empresa: as lojas oferecem 100 vinhos a preços inferiores a US$ 25. Os funcionários são treinados para empregar o jargão vinícola da empresa, que evita palavras como "tanino" ou "sulfatos" e opta por expressões correntes como "seco", ante "doce", "leve", ante "pesado", e por referências aos alimentos com os quais esses vinhos combinam. "Trata-se simplesmente de falar inglês", diz Gary Blumenthal, o fundador da rede.

Blumenthal também é presidente da Tinder Box, uma cadeia de cerca de 150 lojas de charutos, e ele pretende reproduzir o sistema que afirma ter funcionado muito bem nessa empresa, mantendo registros sobre as compras e preferências dos fregueses, as coisas que eles apreciam e que os incomodas, como maneira de orientar as sugestões apresentadas pelos funcionários. "As pessoas sempre me perguntam o que é um bom charuto", ele diz, "e eu sempre respondo que é aquele do qual elas gostam". Com o vinho, é a mesma coisa, afirma. "Alguém que se envolve com charutos ou vinho o faz porque quer. Ou seja, as pessoas querem que o processo seja divertido. Não querem nada que incomode, e não querem se sentir sovinas ao adquirir um produto de preço acessível".

É lícito afirmar que essas duas cadeias têm por objetivo funcionar como o Starbucks do vinho. A rede Starbucks, afinal, é um ícone dos novos, e mais sofisticados, Estados Unidos. Pode-se argumentar que a Starbucks conquistou seu posto transformando em produto sofisticado algo que sempre foi genético, o café, e transformando variedades antes difíceis de obter em produtos tão comuns quanto um Big Mac. Mas Spuck e Blumenthal enfatizam uma qualidade diferente dos cafés Starbucks: a idéia do estabelecimento de varejo como um ponto de encontro, de envolvimento social.

As lojas da cadeia Vino 100 promovem dezenas de eventos, como nomes como Winning Women. As da WineStyles todas promovem a criação de clubes, alguns dos quais com centenas de membros. Ambas as redes dedicaram considerável esforço ao design de suas lojas, que parecem muito acolhedoras. De certa forma, o vinho em si parece menos importante do que o contexto no qual ele é adquirido. "É isso que as pessoas das faixas etárias que desejamos atrair procuram", diz Spuck. "Querem conhecer outras pessoas com as quais haja congruência de personalidades, renda e possivelmente de antecedentes educacionais. Nós oferecemos a elas um ponto de encontro, e o vinho é simplesmente o ponto focal desses encontros".

Ou, na verdade, muitos pontos de encontro. As cadeias que mencionei não inventaram a idéia da loja de vinho local e aconchegante, um tipo de estabelecimento que existe há muito tempo. Um exemplo pertinente é a Best Cellars, que foi inaugurada em Manhattan, em 1996, e oferece design acolhedor, uma seleção de 100 marcas e um sistema de categorias de sabor dividido em oito unidades simples ¿ "fresco", "suculento", "forte" etc. (A Best Cellars agora opera oito unidades.)

Bem, é preciso lembrar que o Starbucks tampouco inventou o café. O ponto chave para as cadeias de varejo que servem aos novos e mais sofisticados norte-americanos continua a ser o mesmo de sempre: não a criação de um lugar especial, mas sua reprodução na maior escala possível.

Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME