quinta-feira, julho 29, 2010

Abolição das touradas na Catalunha provoca um cataclismo social e político na Espanha

EL PAIS

Madri (Espanha)

A sorte está lançada. A partir de 1º de janeiro de 2012 não haverá touradas na Catalunha. O Parlamento catalão aprovou por 68 votos, 55 contra e 9 abstenções a abolição das corridas de touros. O resultado volta a mostrar as contradições que cruzam a sociedade catalã, não muito diferentes das que há pouco mais de duas semanas levaram os mesmos catalães a sair às ruas em protesto contra os cortes do Estatut por instituições do poder central, armados com "senyeras" [bandeiras da Catalunha], e no dia seguinte a festejar a vitória da seleção espanhola na África do Sul com bandeiras espanholas.

Ninguém como o presidente da Generalitat, José Montilla Aguilera, que ontem teve um dia especialmente complicado e incômodo, para encarnar essas contradições. As intervenções dos porta-vozes dos grupos já haviam terminado. "Entendo que não há nenhuma emenda viva", disse o presidente da Câmara, Ernest Benach. "Vamos proceder à votação."

Foi só então que, quase nas pontas dos pés, apareceu no plenário. Deve ter sido uma infelicidade, uma desfaçatez, o que sentiu esse cordobês que exemplifica à perfeição a capacidade de integração da sociedade catalã e também as contradições que a atravessam, especialmente exacerbadas nos últimos tempos.

Ausente durante todo o debate, Montilla votou contra a proibição das touradas na Catalunha, sabendo de antemão que apostava em cavalo perdedor. E não demorou nem dez minutos para declarar à mídia que havia votado contra a proibição porque "acredita na liberdade". A história pode ser cruel com seus protagonistas, especialmente com aqueles que, tendo liderado um ciclo, assistem a seu desmoronamento.

Em certo sentido, a opinião pública mundial tinha ontem os olhos fixos na Catalunha. Mais de 300 jornalistas dos principais meios de comunicação de todo o mundo, incluindo praticamente a totalidade das grandes cadeias de notícias, da CNN à BBC, passando por Al Jazira, estavam presentes no velho palacete do Parc de la Ciutadella, onde foi preciso arranjar lugares especiais para receber tanta demanda. Que se proíbam as touradas na Espanha é bastante surpreendente - Isn't it? -, e que se comece pela Catalunha não deixa de ser curioso.

A metáfora de Montilla se traduzia já quase uma hora antes às portas do Parlamento catalão, onde lado a lado cerca de 30 taurinos e abolicionistas, próximos de duas caminhonetes da polícia autonômica, manifestavam suas posições. Uma impactante bandeira independentista, com touro incluído, vestia os gritos de "Liberdade, liberdade" que enfrentavam os mais comedidos de "Não à tortura".

A divisão se manteve tacitamente nos palcos e galerias da Câmara, onde por um lado o toureiro catalão Serafín Marín e o presidente da Plataforma para a Defesa da Festa, Luís Corrales, encabeçavam a representação pró-taurina contra o argentino Leonardo Anselmi.

Jornalistas e público superavam em número os parlamentares, que na arena resumiram ontem o que foi esse longo ano e meio de debate, desde novembro de 2008, quando começou a iniciativa legislativa popular. A votação foi conduzida pela estratégia. Por um lado, a de taurinos e antitaurinos; por outro, a dos dois grandes partidos, CiU e PSC, que conjugaram uma posição unitária com a liberdade de votos a seus deputados, chave no momento da proibição.

Nesse jogo, os antitaurinos mostraram sua coragem na arte da contrapartida. Sua vitória se gestou com uma derrota e uma contradição, a blindagem dos "correbous", os festejos taurinos sem morte que se realizam no sul da Catalunha. Isso relaxou a oposição interna da CiU, sobretudo entre os deputados das Terras do Ebro. Foram os nacionalistas que promoveram a blindagem e gestaram a vitória antitaurina.

Sua estratégia foi a vitoriosa: por um lado davam liberdade de voto e por outro preparavam o caminho para a proibição. Trinta deputados da CiU votaram a favor; 5 contra e 13 se abstiveram ou não votaram. A posição do partido foi exemplificada ontem pelo deputado Josep Rull, cuja atuação foi equidistante durante todas as sessões. Ontem falou a favor e contra a festa: citou intelectuais partidários e contrários à tourada e esforçou-se para desmentir que a proibição tivesse um matiz identitário.

"Carlos 3º já proibiu os touros, e não era exatamente um catalanista furibundo", proclamou na tribuna. A CiU jogou de cavalo ganhador, mas alimentou o perdedor para que o resultado fosse apertado. O PSC optou no final pela mesma estratégia, embora seu jogo tenha carecido da sutileza da CiU. Com as cartas marcadas, apostou nas touradas: situou como porta-voz seu deputado mais pró-taurino, David Pérez, e emendou a lei para passar da abolição à regulamentação das corridas. Apesar de ter anunciado durante meses o não, finalmente deu liberdade de voto a seus deputados: 31 votaram contra, 3 a favor e 3 se abstiveram. O comparecimento de Pérez exemplificou a derrota dos sentimentos. Visivelmente tocado, subiu à tribuna para reivindicar sentimentos que "não podem ser limitados ou menosprezados como minoritários".

Mas se alguém saiu derrotado ontem do Parlament foram os pró-taurinos. A face desconsolada de Serafín Marín representava o sentimento de um setor que viveu um calvário de um ano e meio. Sua indignação pela proibição acabou lhes cobrando a conta, e alguns deputados confessam que a pressão foi excessiva. Apesar do revés de ontem, não ficarão de braços cruzados: o passo seguinte é levar a proibição ao Tribunal Constitucional e tentar que o fim das touradas nunca chegue. Paralelamente, deverão negociar com a Generalitat as indenizações: o setor calcula os prejuízos em 300 milhões de euros.

Uma tentativa reprimida de roer as unhas delatava o nervosismo do matador, cujo rosto se desalinhou ostensivamente quando o placar eletrônico ditou a sentença: 68 votos a favor, 55 contra e 9 abstenções. Enquanto o toureiro saía pela barreira, Anselmi quase o fazia nos ombros de seus partidários, que se lançaram a comemorar nos corredores do Parlamento, comunicando com emoção o resultado da votação histórica.

"Minhas pernas ainda tremem da tensão", admitiu uma antitaurina por seu celular. Entre câmeras, abraços e beijos, Anselmi levava as duas orelhas e o rabo. Curtido há três anos no círculo lobista do vegetarianismo no Parlamento Europeu, e formado em marketing estratégico, admitia que o melhor que pode acontecer à causa que defendeu é que acabe sendo levada ao Constitucional. "Passos que poderão ser poupados em futuras iniciativas parecidas", dizia, feliz. E não descartava que o conhecimento adquirido ("não utilizamos 80% de nosso trabalho") possa ser cedido para iniciativas semelhantes no resto da Espanha.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

terça-feira, julho 27, 2010

Antonia Fontenelle se bronzeia e faz topless em Miami Beach

A atriz está de férias com o marido, Marcos Paulo.
Do EGO, no Rio


Antonia Fontenelle e Marcos Paulo estão curtindo muito suas férias. Após passar um tempo em Nova York com a filha do diretor e Flávia Alessandra, Giulia, os dois agora estão em Miami, na Flórida. A atriz, inclusive, aproveitou uma ida à praia mais famosa do local, Miami Beach, para se bronzear bem à vontade, sem a parte de cima do biquíni.

Sem pudores, Antonia fez topless enquanto pegava sol e dava um mergulho com as amigas e o marido.

domingo, julho 25, 2010

Ocasiões perdidas

Não é difícil ver rumos que trariam benefícios
mais concretos do que as ações recentes


NÃO É SÓ o excesso de protagonismo e a identificação personalista com o presidente que suscitam dúvidas sobre a solidez e a durabilidade da atual diplomacia. Mais grave talvez sejam a insensibilidade pelos valores humanos e a equivocada escolha de prioridades. Do ponto de vista da crítica construtiva, não é difícil identificar alternativas que trariam ao Brasil benefícios mais concretos do que os efeitos efêmeros de algumas ações recentes.

Deve-se ao governo brasileiro a criação da Unasul. No entanto, esse mesmo governo dedicou muito mais tempo e energia diplomática ao acordo sobre urânio enriquecido do Irã do que ao esforço de pacificar as relações entre Colômbia e Venezuela.

No primeiro caso, o Brasil quer, mas não pode, isto é, não dispõe de poder bastante para resolver desafios distantes. No segundo, o país pode, pois dispõe presumivelmente de maiores conhecimentos e meios em relação aos vizinhos, mas não quer, pois revela escassa vontade de utilizar esse poder no nosso entorno imediato.

A ruptura das relações entre Caracas e Bogotá, semanas depois da ameaça do presidente do Equador de prender o recém-eleito presidente da Colômbia caso ele pisasse solo equatoriano, projetam luz impiedosa sobre o desprimoroso estado de uma organização que se intitula União das Nações Sul-Americanas.

A discreta atuação brasileira nesses dois graves episódios, assim como na crise entre Argentina e Uruguai a respeito das empresas papeleiras, contrasta com a disposição de voluntariar serviços duvidosos em problemas intratáveis e de elevado risco de desgaste como os do Oriente Médio.

Compare-se essa iniciativa, em termos de resultados, com a solução definitiva do secular contencioso de fronteira entre Peru e Equador, graças, sobretudo, à mediação do Brasil nos anos 1990 ou com o acordo de Letícia entre Colômbia e Peru, obra de Oswaldo Aranha. Ações espetaculares e midiáticas, mas no fundo destinadas à provável frustração diplomática pouco valem em cotejo com realizações que permanecem como base indiscutível da melhoria real, não meramente retórica, do convívio na América do Sul.

A existência de alternativas não depende apenas do exercício criterioso da escolha de prioridades, do emprego mais perto de casa de nossos limitados recursos no exercício da arte da mediação.

O mesmo raciocínio se aplica aos valores morais. A celebrada visita do presidente Lula a Cuba, a demonstração de seu prestígio e influência nos meios dirigentes cubanos teriam merecido o aplauso universal se tivessem servido não para criticar a greve de fome de prisioneiros, mas para tentar aliviar-lhes o sofrimento com um acordo de libertação como o mediado pela Igreja Católica. Deixou-se à diplomacia espanhola, menos próxima de Havana, o mérito desse benefício de valor indiscutível para tanta gente sofrida.

Mais uma grave ocasião perdida, como tantas outras, como a do desperdício de um acordo histórico sobre mudança climática aproveitando nossa posição de potência ambiental.

Sim, outro mundo é possível; outra diplomacia também, desde que a inspiração e as prioridades correspondam aos melhores valores do Brasil que queremos ser.

Quatro jovens de um novo Brasil

Três deles vivem em favelas e um tem o
amparo do Bolsa Família, mas todos serão engenheiros


AQUI VAI CONTADA uma história indicativa de que está raiando uma nova elite no horizonte de Pindorama. É o caso do encontro das vidas de quatro jovens com um dos maiores empresários do país. Os detalhes que permitiriam identificar os personagens estão omitidos. Pode ser frustrante, mas estimula a imaginação. Afinal, uma história dessas pode acontecer com mais gente, em muitos lugares, basta querer.

Conversando com o reitor de uma grande (e caríssima) universidade, o empresário perguntou-lhe como poderia ajudar alguns bons estudantes de engenharia. Feita uma seleção, decidiu custear quatro cursos, cobrindo as anuidades e pequenas despesas pessoais, mais um laptop para cada um.

As histórias dos jovens:
O aluno de ciência da computação veio de uma escola de ensino profissionalizante e no primeiro ano do curso conseguiu notas superiores a nove em duas matérias. Mora num porão de loja num subúrbio, com a mãe diarista, o pai desempregado e um irmão estudante da rede pública. Recebem ajuda do programa Bolsa Família.

A aluna do curso de engenharia, filha de um garagista, mora numa favela ("fábrica de produzir marginal", como disse o governador Sérgio Cabral em outubro de 2007, ao defender o aborto como instrumento de redução da criminalidade). A moça trabalha num projeto de biodiesel, tem um irmão no último ano do ensino médio e os dois são instrumentistas na orquestra da comunidade.

Na mesma favela, vive a estudante que se encaminha para a especialização em engenharia química. A mãe, doente, nunca trabalhou. O pai é porteiro. Ela veio de uma boa escola pública e tem cinco anos de curso de espanhol. Será engenheira química e fez um estágio na Petrobras.

A quarta já foi convidada por três professores para ser monitora. Está no último dos cinco anos de um curso de francês para o qual foi a primeira colocada no exame de seleção. (Teve bolsa integral.) Ela também se formará em engenharia química. Vive com a mãe num quarto alugado de favela, sem ajuda do pai.

A conta dessa magnífica iniciativa ficará em R$ 130 mil anuais.

A intervenção do empresário facilitou a vida dos quatro, mas eles estão onde estão porque, quando parecia que lhes faltava tudo, tiveram o estímulo da família.

PAJELANÇA
José Serra começou sua campanha dizendo: "Não aceito o raciocínio do nós contra eles", e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro.

O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.

SUCESSO
O IBGE procurou a Secretaria de Transportes do Estado do Rio para obter informações sobre o impacto econômico do Bilhete Único intermunicipal, criado no início do ano pelo governador Sérgio Cabral. Deseja-se medir o alcance da iniciativa na renda das famílias.

Na última quinta-feira o sistema transportou cerca de 250 mil pessoas por dia (621 mil viagens).

Trabalhadores que gastavam R$ 22 por dia hoje gastam R$ 8,80. Isso significa uma economia anual de pelo menos R$ 3.000. Daqui a pouco começará a vigorar o Bilhete Único municipal (R$ 2,40, com direito a dois percursos de ônibus).

Se essa tarifa for integrada à rede estadual de ônibus, trens, metrô e barcas, o Rio terá conseguido algo que São Paulo ainda não tem.

Se não houver a integração, sobrará uma piada. A da cidade que terá dois bilhetes que se intitulam únicos, o do Cabral e o do Eduardo Paes.

RUDIMENTAR
Durante a entrevista que concedeu à TV Brasil, Dilma Rousseff deu uma resposta fulminante a uma pergunta sobre as boas relações da diplomacia companheira com países que desrespeitam os direitos humanos: "E Guantánamo respeita os direitos humanos, companheiro?"

Na mesma entrevista, quando surgiu o tema do aparelhamento da máquina do governo, e a candidata explicou: "Nos Estados Unidos, quando um presidente democrata é eleito, todos os cargos de chefia e comando ocupados por republicanos são substituídos".

Numa só ocasião, equiparou os Estados Unidos a Cuba para justificar o arbítrio e o Brasil aos Estados Unidos para lustrar a política de quadros da nação petista. Essa visão rudimentar, para usar uma expressão do seu gosto, indica que ela não sabe o que é a ditadura cubana ou não entendeu o funcionamento da democracia americana.

Numa terceira hipótese, mais provável, diz o que lhe vem à cabeça.

O companheiro Obama nomeou 7.000 pessoas numa força de trabalho de 15 milhões de servidores. Em Cuba o governo controla todos -repetindo, todos- os cargos. Desde 1959, quando os Castro entraram em Havana, a oposição capturou a Casa Branca sete vezes. Em Cuba, foi capturada.

URSO ESPERTO
Sem mostrar qualquer espírito vingativo, Lula está puxando o tapete de todos os petistas que vacilaram durante a crise do mensalão e que agora precisam de sua ajuda. Quando os urubus estavam voando de costas, ele ouviu em silêncio recados, advertências e até ameaças. Fazia cara de paisagem. Agora, quando recebe pedidos de socorro eleitoral, vira a própria paisagem.

Cleo Pires: Não quero ser boneca


A atriz de 27 anos posa nua para a "Playboy", diz que fez

o ensaio porque teve "vontade" e admite: "Dinheiro é bom e eu gosto"

Cleo Pires, 27, filha da atriz Gloria Pires e do cantor Fábio Jr., chega às bancas em 9 de agosto, num ensaio nu para a edição de 35 anos da revista "Playboy". "Fiz porque tive vontade", diz. Em Goiás, onde grava cenas de "Araguaia", próxima novela das seis da Globo, ela conversou com a repórter Lígia Mesquita. Abaixo, um resumo:

Folha - Sua "Playboy" vai chegar às bancas em breve...
Cleo Pires - [Interrompe] Vai! Tô amando, tô tão ansiosa... As fotos ficaram lindas e quero que as pessoas vejam.
Você tinha recusado convites anteriores da revista, não é?
Três. Ouvia e falava "não". Não tinha vontade.

E o que te levou a aceitar?
Ué, eu fiquei com vontade! Foto é uma das coisas que gosto de fazer. E descobri que sou um pouco exibicionista (risos)!

Você consultou sua mãe?
Eu decidi sozinha.

A Gloria também já foi convidada pela "Playboy" e disse que até teve vontade, mas não aceitou porque não teve audácia.
Pelas coisas que vocês [imprensa] conhecem da minha família, sabem que não tem esse tom de "ah, eu não fiz, então não faça". É um trabalho e foi comunicado assim.

E o seu pai?
Eu não fiquei avisando. Falei com o João, meu namorado, que tá sempre comigo. E falei com meu pai Orlando [Morais, marido de Gloria Pires e padrasto da atriz]. Nós dois saímos pra jantar e contei: "Fechei "Playboy'". E conversamos. Mas não foi nada do tipo: "Ai, meu Deus". Foi: "Tá feliz? Quem vai fotografar?". Depois ele disse: "Você tem que falar pra sua mãe".

Ele soube antes do que ela?
Soube. Eu não saí falando. As pessoas é que começaram a me ligar.

E o que o Fábio Jr. achou?
Não falei com ele. A gente não tem o costume de ficar se ligando, nunca teve.

Você ficou tímida no ensaio?
Não teve nada disso. Fico tranquila nua, não acho que tenha nada de mais nisso.

E você palpitou em tudo?
Eu escolhi os fotógrafos, falei o que queria e todo mundo amou. Fizemos o ensaio no Rio, numa cobertura no Arpoador e numa casa em Santa Tereza.

Você pôde escolher as fotos? Quem te ajudou?
Sim. O meu empresário. As fotos ficaram muito lindas, foi f... Se eu pudesse escolher todas, teriam que publicar dez revistas (risos).

E quando a revista chegar às bancas, você não vai ficar tímida quando as pessoas começarem a comentar?
Eu sei o que vai acontecer e não ligo. Queria fazer um bom trabalho e acho que fiz.

É verdade que você recebeu cachê de R$ 1 milhão?
Ah, gata, valores eu não vou falar, princesa. Desculpa. Mas eu fechei o que eu queria. Por menos, eu não faria. Dinheiro é bom e eu gosto, né, gata?

Teve retoque nas fotos?
Não. A única coisa que falei era que eu não queria que meu corpo parecesse um corpo que não é meu. Não queria, por exemplo, que tirassem minhas celulites.

Você pediu isso?
(Risos) Pedi. Não quero parecer uma boneca. Falei: "Sei que vocês usam [o Photoshop] pra estética, pra dar brilho em pele, acho válido. Mas não quero que me mudem".

Mas você tem celulite?
Claro! Você não tem, não? Todo mundo tem. E tô há um tempo sem malhar. A bunda não tá lá no pescoço, tem uma "celulitinha" aqui e ali. Mas não precisa de retoque.

Você vetou alguma foto?
Várias.

Você se acha bonita?
Acho.

Do que gosta no seu corpo?
Da boca, do olho. Do peito. Gosto da bunda, que tá até sem malhar, mas tá boa.

Faria plástica?
Sou a favor das intervenções, mas naturais, sem mudar as feições. Quando envelhecer, se cair alguma coisa, vou dar uma levantadinha.

Como está sendo a preparação para a novela?
Entrei nessa profissão meio do nada. Eu fui fazendo, me divertia e era legal. Mas não tinha paixão. Com o tempo, descobri como isso se encaixa na minha vida e como é importante pra mim. De uns três anos pra cá, passei a estudar mais, a me preparar. E agora tendo um papelzão na mão [ela será a protagonista da trama]...

Seu papel foi pensado para Juliana Paes, que engravidou. Isso te incomoda?
Claro que não! Acho irrelevante. Gosto de trabalhar e as oportunidades que vêm pra mim são ricas e sou muito grata. Fiquei tão feliz pela Juliana, sabia que ela estava louca para ser mãe. Isso não diminui, só acrescenta.

Sua mãe relata, em biografia recém-lançada, dificuldades financeiras que teve quando jovem. Ela te ensinou a dar valor ao dinheiro?
Minha mãe é muito situada, ela não é deslumbrada. Não tem muita tietagem com coisas, ornamentos. Eu também não tive essas loucuras. Gosto de dinheiro, mas a gente usa para fins que tenham a ver com a gente, não é para sair gastando.

E o seu começo na carreira, foi mais fácil do que o dela?
Não sei, é muito relativo. É difícil julgar o que é mais fácil ou não. Financeiramente, eu sei, pelo que minha mãe me falou, que eu nasci tendo mais dinheiro do que ela. Mas se foi mais fácil, não sei.

A popularidade dela atrapalhou? Fazem comparações?
Eu não sei nem te dizer o que é ser comparada com minha mãe, porque eu nunca me senti assim, nunca me falaram isso. Só sei que tenho muito orgulho dela. A gente é tão mãe e filha! Acho horrível ficar se comparando às pessoas, não é construtivo.

E a relação com seu pai?
Qual deles? (risos)

O Fábio Jr.
A gente se ama loucamente. Mas as pessoas não entendem que eu tenho dois pais. Na infância, eu ia mais pra casa do Fábio. Mas fui ficando independente. Não nos falamos o tempo todo, mas não tem rusgas. Agora, não vou deixar de colocar como pai um cara [Orlando, marido de Gloria] que sempre comprou minha onda, que foi nas reuniões [de escola], que me ensinou um monte de coisas, que virou noite preocupado comigo. Não é certo isso.

Tem sonhos de consumo?
O dinheiro vai entrando e vou vendo no que vou botar. Eu gosto de ter uma boa casa, um bom carro. Adoro dirigir, pilotar jet ski. Quero aprender a pilotar avião.

Você foi uma das atrizes principais do filme "Meu Nome Não É Johnny", que aborda a questão das drogas. Qual é a sua opinião sobre elas?
É um assunto complexo, para um debate. Mas acho que as pessoas têm que fazer o que elas sentem que têm que fazer. Eu vivi tudo que eu quis, quebrei a cara, mas aprendi. Não dá é pra ficar "adolescendo" a vida toda.

Em que sentido você acha que quebrou a cara?
De irresponsabilidade, de ficar por aí "bundando", de ser curiosa e de querer fazer tudo achando que o mundo vai acabar amanhã. Eu me coloquei à prova. Eu vi e vivi.

CLEO DISSE

"Por menos, eu não faria [fotos nua]."

"Descobri que sou um pouco EXIBICIONISTA."

"Não queria que tirassem minhas celulites."

"Gosto da [minha] bunda, que tá até sem MALHAR, mas tá boa."

Cleo Pires diz que pediu para "Playboy" não retocar celulite

Cleo Pires, 27, filha da atriz Gloria Pires e do cantor Fábio Jr., chega às bancas em 9 de agosto, num ensaio nu para a edição de 35 anos da revista "Playboy". A atriz diz que as fotos não tiveram retoque.

"A única coisa que falei era que eu não queria que meu corpo parecesse um corpo que não é meu. Não queria, por exemplo, que tirassem minhas celulites", contou à repórter Lígia Mesquita, da coluna Mônica Bergamo.

Segundo Cleo, que disse estar "há um tempo" sem malhar, toda mulher tem celulite. "A bunda não tá lá no pescoço, tem uma 'celulitinha' aqui e ali. Mas não precisa de retoque."
"Não quero parecer uma boneca. Falei: "Sei que vocês usam [o Photoshop] pra estética, pra dar brilho em pele, acho válido. Mas não quero que me mudem", afirmou.

sábado, julho 24, 2010

Ilunsentia Saibigainen / Atardecer en Saibigain


Kirchner busca usar Maradona para permanecer no poder na Argentina

Exibindo a tatuagem do líder cubano Che Guevara, Maradona navega no mar de Havana, em Cuba

Márcio Resende

Especial para o UOL Notícias

Em Buenos Aires

A continuidade de Diego Maradona no comando da seleção argentina é questão de Estado para o casal Kirchner (Cristina, atual presidente, e Néstor, ex-presidente e provável próximo candidato). A ideia é usar o treinador --mais popular que os seus próprios jogadores-- para pavimentar uma corrida a um eventual terceiro mandato presidencial em 2011.

Na próxima semana, o técnico-estrela terá uma reunião com o presidente da Associação do Futebol Argentino (AFA), Julio Grondona, para renovar o seu contrato. Oficialmente, Maradona deve apresentar um plano de trabalho pelos próximos quatro anos no qual corrija os erros do passado e trace um projeto a futuro. Maradona pensa numa revanche na casa do clássico adversário, o Brasil. Extra-oficialmente, a equação é meramente política.

As pesquisas indicam que a maioria dos argentinos não crucifica Maradona pela eliminação na Copa do Mundo, apesar da humilhante derrota por 4 a 0 para a Alemanha, a pior desde os 6 a 1 para a Tchecoslováquia em 1958.

Os Kirchner sabem que Maradona é o um mito vivo, capaz de renascer das cinzas inúmeras vezes. Uma analogia clara para a popularidade do casal que, no passado, já rondou os 75% e hoje não passa de 25%.

Maradona é a metade mais um dos votos, concentrados sobretudo na empobrecida periferia de Buenos Aires, província responsável por 40% do eleitorado e afetada pela violência, pela crise energética e pela inflação galopante de cerca de 30% ao ano.

As eleições do ano que vem serão em outubro, mas a aposta dos Kirchner aponta para a Copa América em julho dentro de casa numa Argentina em pleno ritmo de campanha eleitoral.

“A verdadeira trama dessa decisão nunca será pública, mas Maradona será o treinador porque assim decidiu Néstor Kirchner. Há muito que a Presidência virou sócia da AFA nos negócios do futebol”, diz Horacio Pagani, um dos mais respeitados analistas do futebol argentino. “Não há um plano B”, acrescenta Luis Segura, até poucos dias secretário geral de seleções da AFA. O próximo compromisso da seleção argentina será no dia 11 de agosto, em Dublin, contra a Irlanda.

"Maradona é uma grande mercadoria"

A sociedade entre os Kirchner e o futebol começou há um ano quando o governo decidiu estatizar as transmissões dos jogos antes reservadas às assinaturas por TV. Maradona foi um dos que aplaudiu a iniciativa durante a apresentação da presidente Cristina Kirchner.

No primeiro ano, a estatização custou ao Estado o equivalente a R$ 300 milhões em direitos, mais R$ 25 milhões em produção. O dobro do que custava antes em mãos da iniciativa privada. Para o próximo ano, o valor já se encontra próximo dos R$ 470 milhões, sem uma única publicidade privada. O dinheiro que sairá dos cofres públicos, em proporção ao número de telespectadores, é oito vezes maior do que se arrecadava com as assinaturas particulares.

O dinheiro oficial funciona como um resgate para os endividados clubes cujos dirigentes se veem na posição de devolver o favor através de um apoio unânime ao presidente da AFA, Julio Grondona, que, por sua vez, encontra na linha direta com os Kirchner uma tábua de continuidade no cargo que exerce desde 1979. O círculo político e econômico dos Kirchner, de Grondona e dos clubes termina em Maradona.

“Maradona é uma grande mercadoria. Desde a sua saída na Copa do Mundo de 1994, a seleção deixou de ser algo significativo para esta sociedade. O retorno de Maradona como técnico foi buscar um elemento que voltasse a trabalhar sobre esse entusiasmo”, diz o sociólogo Pablo Alabarces, um estudioso da relação política-futebol e considerado um “maradonólogo”.

Vender o fracasso como sucesso

A TV digital mal acaba de chegar à Argentina, mas a classe baixa já recebe grátis do governo decodificadores para assistir aos jogos. A eliminação da Copa do Mundo impediu o governo de subir na onda de uma campanha vitoriosa. Tamanha era a aposta dos Kirchner que, secretamente, foram impressos 50 mil cartazes com a imagem da presidente vestida com a camisa da seleção argentina, cercada pelo seu marido presidenciável de um lado e por Maradona do outro.

Apesar da eliminação, o governo não desistiu de vender o fracasso como um sucesso. Das mais de 10 mil pessoas que foram receber Maradona e os seus jogadores no retorno ao país, a metade aproximadamente foi de militantes políticos motorizados pela máquina clientelista do poder, através do “kirchnerista” prefeito do município de Ezeiza, Alejandro Granados. O aeroporto internacional de chegada fica em Ezeiza onde também fica a sede da AFA e a residência de Maradona.

Um legislador da tropa oficialista chegou a propor levantar um monumento a Maradona. Além disso, Cristina Kirchner convidou em público Maradona e os jogadores à Casa Rosada, sede do governo.

“Eu os estarei a esperar uma vez que passe o luto (pela derrota)”, anunciou.

Em vez disso, Maradona foi nesta semana visitar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Ao lado de Maradona e ao pé das escadas do Palácio Miraflores, sede do governo da Venezuela, Chávez anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia. E ouviu de Maradona um apoio “até a morte”:

"Para mim é um orgulho realmente poder estar ao lado do presidente porque luta pelo povo, luta pelo seu país, luta pelos seus ideais. Eu estou com ele até a morte. Estou com ele permanentemente e escuto como defende todas as suas posturas. Acho isso fantástico", declarou Maradona.

Os vínculos entre Maradona e a política não são recentes. Não houve governo, ditatorial ou democrático, que não o tenha querido usar. Maradona sempre esteve perto do poder, mas não se somou como soldado de nenhum. No passado, manteve vínculos com Carlos Menem, Fidel Castro e tem uma tatuagem de Che Guevara no braço direito.

“Pode haver um novo herói desportivo como Messi na seleção, mas nenhum herdeiro pode ser um herdeiro político-cultural como foi Maradona. Ele tem uma condição aglutinadora numa sociedade onde sobram as fragmentações. Como símbolo nacional e popular, é irrepetível”, garante Alabarces.

sexta-feira, julho 23, 2010

Comic Con 2010 - O Encontro de J.J. Abrams e Joss Whedom

Ontem, um dos paineis da Comic Con de San Diego reuniu dois dos mais importantes produtores de ficção das séries de TV americanas do momento: J. J. Abrams e Joss Whedon. O primeiro traz em seu currículo produções como “Alias”, “Lost” e “Fringe” e, o segundo, é conhecido por seu trabalho em séries como “Buffy, a Caça-Vampiros”, sua spinoff, “Angel”, “Firefly” e, recentemente, “Dollhouse”, entre outras.

Organizado em parceria com a revista EW, o painel, que colocou no mesmo espaço esses dois ícones da cultura ‘nerd’ (no bom sentido), tinha como objetivo discutir suas carreiras e experiências na produção de filmes.

Os dois já se conhecem desde os anos 90, quando ambos trabalhavam para a Warner com suas respectivas séries, “Felicity” e “Buffy, a Caça Vampiros”. Em uma discussão sobre qual o termo mais patético pelos quais já foram chamados, Abrams e Whedon disseram que ‘nerds mágicos’ foi o pior.

Apaixonado em contar histórias fantásticas, Abrams costumava admirar os trabalhos de maquiadores e especialistas em efeitos dos filmes que assistia. Enquanto os amigos escreviam cartas para atores e diretores, Abrams corria atrás da equipe de maquiagem de filmes como “O Exorcista”, do qual acabou ganhando de Dick Smith a língua da possuída, interpretada por Linda Blair.

Apesar de gostar de HQs, Abrams revelou que não chegou a se apaixonar pelo formato, embora tenha trabalhado em uma loja de revistas em quadrinhos. Para Abrams uma das produções que mais marcou sua infância foi a série “Além da Imaginação”. Quem assistiu a essa produção, será facilmente capaz de identificar a influência dessa série revolucionária, criada por Rod Serling e produzida entre os anos 50 e 60, no trabalho de Abrams.

Considerando-se o ‘idiota que gosta de fazer mágicas’, Abrams acredita que entrar para o universo dos filmes foi uma consequência natural em sua vida. Um de seus primeiros trabalhos na indústria cinematografia foi o de restaurar filmes em Super 8 produzidos por Steven Spielberg antes da fama.

Para Whedon, o sonho de entrar para o mundo do cinema era a única opção plausível para colocar em prática suas aspirações e ideias. Trabalhar com seriados de TV foi uma alternativa para pagar suas contas, mas, ao longo dos anos, descobriu se tratar de um veículo apaixonante, para o qual adora escrever.

Durante o painel, Whedon confirmou que será o diretor do filme “Os Vingadores/The Avengers”, notícia que já corria pela imprensa americana. Fã de histórias em quadrinhos, Whedon contou que foi introduzido a esse universo por seu pai, roteirista da “The Electric Company”, série educativa produzida pelo canal PBS entre 1971 e 1977. Um dia, seu pai trouxe para casa uma grande quantidade de revistas do Homem Aranha, personagem que o levou a se apaixonar pelos quadrinhos.

Sobre a tendência de lançarem filmes em 3D, Abrams se colocou contra, enquanto que Whedon demonstrou mais receptível ao formato, embora, com restrições, já que alguns filmes podem ser prejudicados pela limitação visual dos óculos. Para Whedon, é preferível optar pelo IMAX ao 3D.
Como exemplo de sua posição, Whedon comentou que seu novo filme, “Cabin in the Woods”, teve sua estreia adiada pela MGM porque o estúdio quer lançá-lo em 3D, embora, em sua opinião, o filme não precisa desse formato.

O roteirista e produtor está com vários projetos em andamento, o que vem atrasando a produção de uma sequência para “Dr. Horrible”, especial feito direto para a Internet, estrelado por Neil Patrick Harris (How I Met Your Mother). Segundo Whedon, todos os envolvidos beneficiaram-se com a produção, mas, mesmo assim, ainda temem em investir na Internet, por se apoiarem em uma visão antiquada de como a máquina do entretenimento funciona.

Sobre o cancelamento de “Dollhouse”, Whedon acredita que tenha sido resultado do projeto certo para o veículo errado. Para ele, a série deveria ter sido exibida na TV a cabo. De qualquer forma, as ideias que tinha para a continuidade da série serão desenvolvidas através das histórias em quadrinhos, tal qual foi feito com “Buffy” e “Angel”. O cancelamento de “Dollhouse” trouxe para Whedon a consciência de que as vantagens conquistadas por ele na época em que produziu “Buffy” e “Angel”, para o canal WB, já não existem mais, muito menos com a Fox.

Abrams ainda não entrou nessa fase. O sucesso de “Lost” e do filme “Star Trek” lhe garantem benefícios como produtor de TV. Mas, para Abrams, o sucesso de “Lost” não garante a reprise da série ou o surgimento de novas produções com histórias contínuas, ao menos na TV aberta, visto ser difícil vender esse tipo de produto para canais regionais reprisarem (uma das principais fontes de lucro dos produtores e estúdios). Por isso, sua nova série, “Undercovers”, terá histórias fechadas, embora se apóie em uma trama contínua como pano de fundo.

Indagado sobre sua opinião a respeito do controvertido final de “Lost”, Abrams apoiou a decisão de Damon Lindelof e Carlton Cuse em dar à série um “extraordinário final emotivo”, afirmando que os produtores conseguiram fazer um trabalho incrível com a série.

Ao longo da produção, “Lost” afastou-se da concepção original, visualizada por Abrams. Mas, o produtor disse apoiar a decisão de Damon e Carlton em seguir seus instintos. Para Abrams, era necessário que os produtores fossem flexíveis, para que a história pudesse ter um desenvolvimento de forma a respeitar as necessidades que se apresentaram durante o decorrer da produção. “Ninguém poderia prever Michael Emerson (Ben)”, comentou Abrams.

quarta-feira, julho 21, 2010

Sobre a entrevista

Ou as boas intenções de um ciclone


MARK TWAIN
tradução CLÁUDIO A. MARCONDES

NINGUÉM GOSTA DE SER ENTREVISTADO, mas ninguém gosta de dizer não, pois os entrevistadores são corteses e gentis, mesmo quando têm o propósito de destruir. Não me entendam mal: não estou dizendo que sempre chegam com a intenção deliberada de destruir, ou que só depois percebam ter destruído; não, acho que a atitude deles tem mais a ver com a de um ciclone, que chega com o propósito ameno de refrescar um vilarejo sufocante e depois não se dá conta de que fez tudo ao vilarejo, menos um favor.
O entrevistador espalha você para todos os lados, mas não passa pela cabeça dele que você possa considerar isso uma desvantagem. Quem culpa um ciclone só faz isso por não atinar que massas compactas não são exatamente a ideia que um ciclone faz da simetria. Aqueles que se queixam de um entrevistador fazem isso por não ponderar que, afinal de contas, ele não passa de um ciclone, ainda que disfarçado de Deus, como o restante de nós; ele não tem consciência da devastação, nem mesmo quando varre o continente com os nossos despojos e acredita que está tornando nossa vida mais agradável; e que, portanto, espera ser julgado por suas intenções, e não por suas realizações.

TEMOR entrevista não foi uma invenção feliz. Talvez seja a maneira mais precária de alcançar o âmago de um homem. Em primeiro lugar, o entrevistador não tem nada de estimulante, pois inspira temor. Você sabe pela experiência que não tem escolha diante do desastre. Não importa o que ele ponha na entrevista, você logo vê que teria sido melhor se tivesse posto outra coisa: não que aquilo fosse melhor do que isto, apenas não seria isto; e toda mudança deve ser, e seria, para melhor, ainda que, na realidade, você saiba muito bem que não é assim.
Talvez eu não tenha me expressado direito: nesse caso, então eu me expressei direito -algo que eu só conseguiria me expressando com pouca clareza, pois o que quero demonstrar é o que você sente nessa situação, e não o que pensa -pois você não pensa; não se trata de uma operação intelectual; você apenas anda em círculos, acéfalo.
Obtusamente, tudo o que você quer é não ter feito aquilo, mesmo que, na realidade, não saiba o que gostaria de ter deixado de fazer e, mais ainda, você não se importe: esse não é o ponto; você só queria não ter feito aquilo, seja lá o que for; uma vez feito, é uma questão sem importância e não vem mais ao caso. Dá para entender o que quero dizer? Você já passou por isso? Pois bem, é assim que alguém se sente ao ver sua entrevista publicada.

CONCHA Pois é, você teme o entrevistador e isso não é estimulante. Você se fecha na sua concha; monta a guarda; tenta parecer inócuo; procura ser engenhoso e, sem nada dizer, faz rodeios e contorna o assunto; quando lê o resultado impresso, fica enojado ao notar como você se saiu bem.
O tempo todo, diante de cada nova pergunta, você está alerta para enxergar aonde o entrevistador está lhe conduzindo, a fim de frustrá-lo. Sobretudo quando o pega buscando sub-repticiamente levá-lo a dizer uma coisa engraçada. E é isso mesmo o que ele tenta fazer.
Ele demonstra isso de modo tão óbvio, empenha-se com tal franqueza e atrevimento que, já na primeira investida, o reservatório se fecha, e, na seguinte, se torna perfeitamente estanque. Não creio que, desde a invenção dessa prática sinistra, algo verdadeiramente bem-humorado tenha sido dito a um entrevistador.
No entanto, como ele precisa de algo "característico", só lhe resta contribuir, ele mesmo, com o humor, introduzindo-o aqui e ali durante a transcrição da entrevista. Esse humor é sempre esdrúxulo, muitas vezes palavroso e, em geral, formulado em "dialeto" -mesmo assim, um dialeto inexistente e inviável. Tal método já acabou com mais de um humorista. Mas não há aí nenhum mérito do entrevistador, afinal esta jamais foi a intenção dele.

EQUÍVOCO São inúmeras as razões pelas quais a entrevista é um equívoco. Uma delas é que o entrevistador nunca parece refletir que, após ter aberto essa, aquela e mais outra torneira com sua profusão de perguntas, e ter descoberto qual delas jorra com mais abundância e interesse, o mais sensato seria restringir-se a ela e aproveitá-la ao máximo, deixando de lado as vacuidades já recolhidas.
Ele não pensa assim. Inevitavelmente interrompe a torrente, indagando sobre ainda outro assunto; e assim, de uma vez, desaparece, e para sempre, a sua única e débil oportunidade de conseguir algo que valha a pena levar para casa. Teria sido muito melhor ater-se ao assunto que despertou a loquacidade do entrevistado, mas é impossível convencê-lo disso.
Ele não consegue distinguir o momento em que você entrega o metal daquele em que o soterra com escória, entre o ouro e a borra; para ele, tudo se equivale, e ele inclui tudo o que você diz; depois, ao ver-se diante de tanta coisa imatura e imprestável, tenta remediar a situação incluindo algo de sua lavra que lhe pareça maduro, quando, na verdade, está podre. Sem dúvida, a intenção é boa, mas a do ciclone também.
Ora, as interrupções, o jeito de desviar você de um assunto para o outro, por fim têm um efeito muito grave: você está presente em cada tema, mas apenas em parte. Em geral, do que você pensa só consegue expor o suficiente para prejudicá-lo; jamais alcança aquele ponto em que pretendia explicar e justificar a sua posição.

"Concerning the 'Interview'", de Mark Twain. Copyright (c) 2001 da Mark Twain Foundation. Todos os direitos reservados. Reprodução cedida pela University of California Press.

segunda-feira, julho 19, 2010

Sim, a China é uma democracia

LE MONDE

Jin Chunlei*

Como leitor diário do “Le Monde”, que considero um jornal de referência, qual não foi minha surpresa ao ler um artigo intitulado “Eu acuso o regime chinês”, assinado por Guy Sorman, que incluía um questionamento extremamente parcial e grosseiro de meu país, com argumentos infundados.

Primeiro, não concordo quando o autor afirma que “a China considera o crescimento como seu destino”. O crescimento, assim como a democracia, é um meio a serviço de um fim que consiste em desenvolver o país e em edificar uma vida feliz e digna para seu povo.

A meu ver, um crescimento sem democracia é impossível, uma democracia sem crescimento é catastrófica. Sem uma democracia, a China não poderia ter buscado seu crescimento contínuo durante mais de 30 anos. O processo de democracia na China sempre acompanha o desenvolvimento econômico e social. Um país não tem o direito de impor sua concepção da democracia aos outros, pois a realidade é diferente em cada um deles. Sempre me espanto quando se contentam em julgar os outros a partir de suas próprias opiniões políticas.

Segundo, coloco-me contra a afirmação de que “o não-direito à democracia é bom o suficiente para os chineses”. Em 1919, os chineses reclamaram o direito à democracia e à ciência. Em 1949, eles foram emancipados e libertados. Durante mais de 30 anos, graças a constantes reformas e aberturas, eles puderam gozar do direito a alimentação, vestimentas, moradia, educação e política. As eleições diretas são realizadas em cada vilarejo. Tudo isso constitui um progresso gigantesco na história chinesa.

Sem julgamentos prévios
Em terceiro lugar, discordo da comparação do Dr. Sun Yat-sen (1866-1925) com qualquer um que seja. O Dr. Sun foi pioneiro da revolução chinesa. Graças a ele, o regime feudal que reinava havia mais de 2 mil anos foi derrubado. É um grande homem respeitado por todos os chineses. Todos os anos, durante a festa nacional, seu retrato é içado na Praça da Paz Celestial. Ele pode ficar aliviado em saber que a China se tornou um país poderoso, próspero e democrático.

Quarta discordância: afirmam que “os camponeses chineses são privados de escolas e de qualquer cuidado médico”. É verdade que o nível de vida no campo continua sendo menos elevado do que nas cidades. Mas a expectativa de vida dos chineses passou de 35 anos, em 1949, para 72 anos em 2009, a renda anual dos camponeses não para de aumentar, os empreendimentos rurais vêm se desenvolvendo, e mais de 100 milhões de camponeses vêm trabalhar nas cidades a cada ano. A urbanização na China é da ordem de 42% hoje, e a expectativa é de 50% para 2015. Pela primeira vez, os camponeses chineses não precisam pagar seu imposto agrícola, e o seguro de vida mínimo se aplica em todo o país. Claro, não é suficiente, mas não pararemos por aí.

Por fim, não concordo quando dizem que “o governo da China torna-se arrogante” e “a China respeita cada vez menos as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)”. Os chineses não são um povo arrogante. Mas eles sabem defender seus interesses vitais. Para se adaptar à OMC, a China modificou 2.300 leis e regulamentos antes de entrar nessa organização em 2001. Desde então, ela não parou de flexibilizar seus regulamentos para se adaptar às regras da OMC.

Para uma melhor compreensão sobre a China, é preciso, portanto, deixar de lado o espírito imutável da guerra fria e os julgamentos prévios. É preciso ver a China de uma forma global e visionária.

*Jin Chunlei, assessor de imprensa junto à embaixada da China na França.

quinta-feira, julho 15, 2010

Fiscal vaticano: normas sobre abusos, “forte sinal”

Por Jesús Colina

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 15 de julho de 2010 (ZENIT.org) – O fiscal da Santa Sé, monsenhor Charles Scicluna, considera que as novas “Normas sobre os delitos mais graves” (Cf. http://www.resources.va) são um “forte sinal” de Bento XVI.

O promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da Fé (seu cargo oficial) explicou nesta quinta-feira aos jornalistas o espírito e as novidades deste documento com que a Igreja responde a delitos contra a fé, os sacramentos da Eucaristia, da Penitência e da Ordem, e naturalmente aos delitos de abuso sexual contra menores por parte de membros do clero.

O sacerdote maltês, que coordena uma equipe de oito magistrados eclesiásticos, explicou que este documento é significativo, se se leva em conta que as antigas normas se promulgaram há menos de dez anos, em 2001, e que depois, em 2003, João Paulo II concedeu à Congregação para a Doutrina da Fé “faculdades” específicas para tratar de julgar delitos particularmente graves.

Ele esclareceu que estas “faculdades” não tinham sido integradas nas “Normas” precedentes, motivo pelo qual foram agora revisadas e atualizadas.

“É um forte sinal, pois as faculdades têm uma vida algo efêmera: dependem muito da vontade dos Sumos Pontífices”, explicou o fiscal vaticano aos jornalistas na Sala de Imprensa da Santa Sé.

“Pelo contrário, o Papa Bento XVI, pouco depois de ter sido eleito em 2005, expressou o desejo de que as faculdades de que a Congregação para a Doutrina da Fé gozava se estabilizassem em uma normativa”, pois as normas, diferentemente das “faculdades”, “permanecem vigentes até que o Papa não autorize sua modificação”.

Novidades

Entre as novidades introduzidas pelas novas “Normas” está o período de prescrição em caso de abusos sexuais, que passa de 10 anos para 20 anos, depois da vítima ter cumprido 18 anos de idade. Portanto, será possível apresentar denúncia até os 38 anos. Um período muito superior ao geralmente usado nas legislações civis.

Outra novidade é a introdução de leigos no pessoal do tribunal eclesiástico, como advogados ou procuradores.

Monsenhor Scicluna explicou: “no âmbito diocesano, a contribuição dos leigos é essencial quando o bispo tem necessidade de um parecer sobre a avaliação de um caso, pois necessita da competência de psicólogos, sociólogos, especialistas em psicologia da criança, da influência do abuso sobre a vítima”.

“E não podemos encontrar todas estas competências no clero – disse –. Sabemos que há bispos que se serviram da competência de antigos policiais para realizar suas investigações, pois queriam chegar à verdade. E isso para nós é muito importante”.

Uma das novidades que mais interesse causou entre os jornalistas é o “direito, com prévio mandato do Romano Pontífice”, a julgar os cardeais, patriarcas, os legados da Sé Apostólica e os bispos”.

“Trata-se de um sinal importante, pois significa que a Congregação para a Doutrina da Fé poderá investigar e submeter ao Papa seus resultados”, explicou Scicluna.

Justiça civil

O representante vaticano esclareceu que o Papa “não dá nenhum passo atrás sobre o caráter obrigatório de apresentar as denúncias aos tribunais civis, pois a indicação de obedecer às leis do Estado é claríssima: o cristão obedece às leis civis quando são justas, e não há dúvidas de que neste caso a lei civil é justa”.

Assim, “não há nenhuma escapatória para apresentar a denúncia à justiça. Se a lei dá à vítima a faculdade de decidir se quer denunciar ou não, há que respeitar sua vontade. Não é tarefa do legislador canônico entrar no campo do direito civil”.

terça-feira, julho 13, 2010

"Este é um momento histórico para o Egito", diz Mohamed ElBaradei, Prêmio Nobel da Paz

DER SPIEGEL

Erich Follath e Dieter Bednarz

Em entrevista ao Spiegel, o Prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, 68, discute a necessidade de mudança em seu país natal, possível cooperação com islamitas na próxima eleição e as perspectivas de tirar o autocrático Hosni Mubarak do cargo.

Spiegel: Há cerca de seis meses, o senhor anunciou em uma entrevista conosco que ia se retirar da vida pública, que após 12 anos como chefe dos inspetores de armas nucleares da ONU em Viena, o senhor só queria dar palestras. Agora o senhor está desafiando o presidente Hosni Mubarak. O que aconteceu?

ElBaradei: O momento decisivo foi minha volta ao Cairo, em fevereiro. Eu realmente só queria visitar meu país e passar algumas semanas em minha casa perto das pirâmides. Mas então, 1.500 pessoas foram ao aeroporto. Havia gente de todas as camadas da sociedade: estudantes, empresários, trabalhadores e, surpreendentemente, muitas mulheres, inclusive egípcias com lenços na cabeça e rostos cobertos. Algumas pessoas gritavam: “Este país precisa ser mudado, por favor, nos ajude a fazer isso acontecer!” outras seguravam cartazes com: “ElBaradei para presidente!” Isso me eletrizou.

Spiegel: Foi isso que provocou a mudança de planos? De acordo com a constituição, o senhor nem pode ser candidato à presidência sem ter seu próprio partido.

ElBaradei: Viajei pelas cidades e aldeias. Fiquei abalado com o atraso do meu país; profundamente tocado pelo desejo palpável do povo por mudança; tomado pela simpatia e entusiasmo com o qual fui recebido. E o próprio regime não me deu escolha além de me tornar politicamente ativo. Com a ajuda da mídia controlada pelo Estado, eles iniciaram uma campanha sem precedentes para me caluniar, acusando-me de ser um agente estrangeiro.

Spiegel: O senhor sabe o que acontece com quem desafia Mubarak. O último homem que concorreu contra ele pela presidência acabou na prisão.

ElBaradei: Eu estive na Alexandria há pouco tempo com Ayman Nour em uma manifestação pelas vítimas da tortura do regime. Tenho uma situação privilegiada porque posso contar, em certa medida, com uma proteção pelo meu reconhecimento internacional. É claro que minha mulher e filhos têm medo que eu sofra atentados violentos. Mas minha família sabe que não tenho escolha: vivemos em uma época especial, de despertar. Este é um momento histórico para o Egito...

Spiegel: ...no qual muitos o veem como uma espécie de messias.

ElBaradei: Eu não posso nem quero ser um salvador. Essa mentalidade de ficar sentado esperando um salvador é exatamente o que estou combatendo. As pessoas têm que efetuar a mudança elas mesmas e têm que se dedicar a isso –essa é a única forma de alcançar um progresso decisivo. E isso é exatamente o que está acontecendo hoje em dia, com uma mobilização de tirar o fôlego, em formatos completamente novos.

Spiegel: Como?

ElBaradei: Há pouco tempo eu nem sabia o que era Twitter e Facebook. Agora uso esses novos meios e já temos quase 30.000 usuários permanentes em nosso site e dois grupos de Facebook com 250.000 usuários cada. As coisas estão começando a mudar no meu país.

Spiegel: Por que isso só está começando agora?

ElBaradei: O país está sob as leis de Estado de emergência há 30 anos. Os serviços de segurança são onipotentes, a polícia age arbitrariamente. Isso criou uma cultura de medo. Se uma figura for necessária para representar esse despertar, farei tudo que puder para ser um catalisador dessa mudança.

Spiegel: Por um longo tempo, como diretor da Agência Internacional de Energia Atômica e vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2005, o senhor foi motivo de orgulho do regime.

ElBaradei: Ah sim. Há quatro anos, o presidente Mubarak me homenageou com a mais elevada medalha do país e elogiou-me extensivamente como filho extraordinário do Egito, a um ponto que até fiquei embaraçado. Desde que me envolvi ativamente na oposição política egípcia, as autoridades passaram a controlar de forma sutil minha exposição pública, como aparições na televisão. Alguns de meus defensores foram presos, e hotéis que ofereceram salas de reunião foram pressionados a cancelarem a reserva.

Spiegel: Muitos egípcios se referem a Mubarak como “faraó” porque ele vem governando o país a partir de seu palácio há quase 30 anos. Como o senhor o considera?

ElBaradei: Mubarak é uma operação de um homem só, não tem a fiscalização dos três poderes, não tem contato real com as pessoas e permitiu que o Egito se tornasse um Estado policial. É o regente de um país que caiu profundamente e perdeu estatura e influência de forma dramática.

Spiegel: O Irã e a Turquia parecem dominar o Oriente Médio. O Egito foi relegado ao segundo plano?

ElBaradei: Cairo já foi o centro cultural e econômico irrefutável da região. Hoje cerca de um terço dos 80 milhões de egípcios são analfabetos, mais de uma em cada cinco pessoas é forçada a sobreviver com menos de US$ 1 por dia. De acordo com a Transparência Internacional, temos uma alta posição na lista dos Estados mais corruptos do mundo. O Egito está inclusive na lista dos países ameaçados de se tornar um Estado fracassado –isso mostra como as coisas foram longe.

Spiegel: É uma tarefa hercúlea para o próximo presidente.

ElBaradei: Sim, porque a política externa e interna não podem mais ser separadas. Um Estado que quer ter força internacional têm que ter uma sociedade civil aberta e viva –somente então será atrativo para os outros.

Spiegel: Ainda assim, o Ocidente ainda vê Mubarak como parceiro. Apesar de seu déficit em democracia, é visto como garantia de estabilidade. Nenhum outro país fora de Israel recebe tanta ajuda norte-americana.

ElBaradei: Você está tocando em um dilema para o Ocidente: Mubarak convenceu os EUA e a Europa que só existem duas opções: ou aceitam este regime autoritário ou o Egito cairá nas mãos de poderes como a Al Qaeda de Bin Laden. É claro que isso não é exatamente verdade. Mubarak usa o fantasma do terror islâmico para impedir um terceiro caminho: a democratização do país. Mas Washington precisa saber que o apoio a uma liderança repressiva somente cria a aparência de estabilidade. Na verdade, promove a radicalização do povo.

“Um peso e duas medidas”

Spiegel: Muitos egípcios dizem que o Ocidente se aliou demais a Mubarak, enquanto outros dizem que o presidente se tornou um lacaio dos poderes ocidentais. Quem está certo?

ElBaradei: Observe nosso papel no conflito de Gaza. A Faixa de Gaza é a maior prisão do mundo. E tem dois guardas: de um lado, Israel isola a região e, do outro, nós fechamos a fronteira. O governo do Egito invocou razões de segurança para isso –eles temem o Hamas, cujas posições radicais eu não compartilho, mas que subiram ao poder em uma eleição legítima.

Spiegel: O que o senhor faria de forma diferente no conflito de Gaza?

ElBaradei: Precisamos fazer todo o possível para aliviar o sofrimento do povo local. Abrir as fronteiras, suspender o bloqueio! E isso no longo prazo, não esse arremedo que acontece atualmente do nosso lado...

Spiegel: ...como os israelenses estão planejando, ao menos no que concerne a entrega de itens alimentícios.

ElBaradei: Não vejo uma abertura permanente como ameaça para nossa segurança nacional. Acredito, contudo, que o problema será grande se continuarmos cúmplices daqueles que humilham o povo palestino.

Spiegel: O senhor ainda acredita em um Estado Palestino que possa coexistir com Israel?

ElBaradei: Essa é a única solução. Mas para isso acontecer, é preciso haver um governo em Israel que respeite as fronteiras de 1967 e que entenda que repressão não é solução.

Spiegel: E os palestinos precisam reconhecer o direito de Israel existir e garantir que não sejam mais lançados morteiros da Faixa de Gaza para Israel. Os dois lados ainda têm algum trabalho a fazer antes das condições serem cumpridas para maiores negociações.

ElBaradei: Exatamente. Mas o povo no Oriente Médio tem a impressão que está havendo um peso e duas medidas, que as coisas só são exigidas dos palestinos. Tal comportamento gera ressentimento no egípcios.

Spiegel: Como o senhor pode satisfazer os árabes por um lado e, do outro, cooperar com o Ocidente e negociar com Israel.

ElBaradei: A Turquia é membro da Otan e parceira do Ocidente e Israel. Ainda assim, o primeiro-ministro Erdogan não teve problemas em apoiar uma flotilha de ajuda para Gaza que supostamente furaria o bloqueio de Israel. O povo do mundo árabe o adora, e a foto de Erdogan está em toda parte.

Spiegel: O populismo político não ajuda país algum –veja o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

ElBaradei: Concordo. Mas os regimes considerados moderados do Oriente Médio não cumpriram suas promessas. As pessoas foram traídas por seus governantes. E a Liga Árabe, fundada pelo Egito com a sede em Cairo, há muito se tornou irrelevante por sua hesitação. O que sobrou é uma piada. É por isso que Ahmadinejad, com suas posições radicais, é tão celebrado pelas massas.

Spiegel: E temido pelos líderes no Oriente Médio. Ele é fortemente suspeito de tentar produzir armas nucleares. O senhor sabe melhor do que ninguém como é grande a ameaça. Seus inspetores coletaram as evidências contra Teerã. A CIA agora diz que o Irã pode ter uma bomba nos próximos dois anos.

ElBaradei: A situação do Irã tem muitas facetas. Teerã está trabalhando com tecnologias que tornam possível a fabricação de um artefato e está a caminho de se tornar uma potência nuclear. Mas eu não acredito que os iranianos estejam de fato produzindo bombas atômicas.

Spiegel: Mas o controle sobre o ciclo do combustível nuclear coloca o Irã em uma posição mais poderosa e exerce pressão sobre os países vizinhos.

ElBaradei: Essa questão de status é superestimada pelo Ocidente. É uma questão de prestígio. Os iranianos estão mostrando ao mundo árabe que, tecnologicamente, eles se equipararam às principais nações mundiais.

Spiegel: Há quem diga que a Arábia Saudita e o Egito também têm planos de desenvolver artefatos nucleares. Isso é tudo boato?

ElBaradei: Para mim, não faz sentido. É claro que sou a favor do Oriente Médio livre de armas nucleares, sem armas atômicas iranianas ou israelenses. Mas em geral, o perigo de um Irã armado de armas nucleares é hiper-estimado, às vezes até propositalmente. Na competição pela influência regional, não é o aparato militar que é decisivo, mas o poder sutil. É uma competição centrada em quem tem as melhores ideias, as instituições mais funcionais, a sociedade mais moderna. No Egito, de qualquer forma, as pessoas não se identificam com o Estado.

“Tenho medo de um surto de violência”

Spiegel: Como o senhor planeja tirar seu país dessa frustração?

ElBaradei: Para quem tem que se preocupar com a próxima refeição, “democracia” continua sendo uma palavra sem significado. Primeiro e acima de tudo, o padrão de vida precisa melhorar. Os egípcios sofrem com o apadrinhamento e a corrupção. Eles sabem que competência e realização não são compensados. O vão entre ricos e pobres se amplia a cada dia. As pessoas querem liberdade e dignidade, e isso só pode ser alcançado se o termo “democracia” estiver cheio de vida.

Spiegel: Como assim?

ElBaradei: O presidente não pode mais ser onipotente. Deve ser possível votar pela saída de um governo quando este fracassar. Precisamos de um sistema de justiça independente e uma imprensa livre. Os cidadãos egípcios devem poder eleger seus representantes em um ambiente livre de pressão do Estado, independentemente da religião e gênero. Por que não ter uma mulher como chefe de governo? Por que não um cristão copta?

Spiegel: E o senhor quer desenvolver esse programa com a ajuda de islâmicos da Fraternidade Muçulmana?

ElBaradei: É verdade que conversei com representantes da Fraternidade Muçulmana e que discutimos a luta contra Mubarak.

Spiegel: Há uma conversa sobre “parceria estratégica”.

ElBaradei: Eu falo com todos os representantes da oposição. A Fraternidade Muçulmana não tem permissão de formar um partido, mas seus candidatos individuais compreendem 20% dos assentos no parlamento. Eles são respeitados porque são socialmente ativos. Eles foram acusados de serem aliados de Bin Laden, o que é um absurdo total. Mesmo que não concordemos com suas ideias religiosas conservadoras, eles fazem parte de nossa sociedade e têm todo o direito de participar do desenvolvimento desta sociedade, se perseguirem seu caminho de forma democrática, livre de violência.

Spiegel: Mas isso é exatamente o que os observadores duvidam. E acreditam que os islâmicos estão usando o senhor para chegar ao poder.

ElBaradei: Isso não vai acontecer. Eu aceito a palavra da Fraternidade Muçulmana. O Egito é um país formado pelo islã. Somente vou me disponibilizar como agente da mudança democrática.

Spiegel: A democracia e o islã são realmente compatíveis?

ElBaradei: Um verso no Alcorão diz que um governante deve consultar seu povo para reinar com justiça. Pode-se começar por aí. No final das contas, o islã, como qualquer religião, é o que você faz dele.

Spiegel: Em outubro, haverá eleições parlamentares no Egito...

ElBaradei: ...e devem ser monitoradas por observadores internacionais, assim como as eleições presidenciais do ano que vem.

Spiegel: O Egito todo está se perguntando: o senhor vai concorrer à presidência?

ElBaradei: Na minha idade?

Spiegel: Na data das eleições o senhor terá 69 anos, e Mubarak 83. Não se pode falar em um movimento jovem a não ser que Mubarak envie seu filho, o banqueiro Gamal Mubarak, para a disputa.

ElBaradei: Encontrei-me com Gamal algumas vezes. Não posso dizer que o acho desagradável. Nada, contudo, indica que ele seria uma melhora sobre seu pai.

Spiegel: Em outras palavras, o senhor está se colocando no círculo.

ElBaradei: Seria necessária uma mudança nas leis governando os partidos políticos e registros eleitorais. O acesso justo à mídia tem que ser garantido. E, é claro, eu teria que ter permissão de inscrever meu movimento como um partido. Teríamos que coletar dinheiro para fazer a campanha. Mas deixe-me ser claro: se as condições forem cumpridas e se o povo realmente pedir que eu concorra, não vou deixá-lo na mão.

Spiegel: De outra forma, o “momento histórico” simplesmente vai passar?

ElBaradei: Não. Não é preciso que a pessoa esteja em um cargo para ser agente de mudança. Em uma das minhas contribuições na Internet, escrevi que vamos superar nossos temores, que a sociedade civil vai agir e vamos derrubar muros, como os alemães.

Spiegel: Se o senhor não obtiver permissão para concorrer nas eleições, o que recomendará aos eleitores?

ElBaradei: Se as regras não forem mudadas, se não houver chance de uma campanha justa, então vou pedir um boicote.

Spiegel: E também pediria aos egípcios para fazerem manifestações públicas –apesar disso poder terminar em banho de sangue?

ElBaradei: De fato estou preocupado que o regime possa desperdiçar a oportunidade de uma transição pacífica. Tenho medo de um surto de violência. Por essa razão exatamente ainda não estimulei demonstrações em massa ou desobediência civil. O regime deve saber: é possível prender muitos manifestantes, mas não se pode prender o povo todo.

Spiegel: Em sua opinião, o que é mais difícil: impedir o Irã de fabricar uma bomba atômica ou levar a democracia ao Egito?

ElBaradei: Os dois são difíceis. Os dois são possíveis.

Spiegel: Vamos vê-lo no palácio presidencial no Cairo, no outono de 2011?

ElBaradei: Como disse André Malraux, aquilo que é menos esperado normalmente é o que acontece.

Senhor Elbaradei, agradecemos por esta entrevista.

Tradução: Deborah Weinberg

Perguntas de crianças

RUBEM ALVES

Cabeça de criança não é gaveta onde se guardam informações.
É canteiro onde nascem perguntas

CABEÇA DE CRIANÇA não é gaveta onde se guardam informações. É canteiro onde nascem perguntas. E nunca se sabe quais foram as sementes que um anjo misterioso plantou ali. Mas se sabe pelos brotos que são perguntas nascidas de olhos espantados, que foram pegos de surpresa, sem saber.

Alberto Caeiro disse bem: "Sei ter o pasmo essencial que tem uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras. Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo."

Pois a pergunta que a Andréia, afilhada minha de oito anos, me fez nunca ninguém havia feito. Sei disso porque nunca me foi dada a resposta.

"-Na história da Cinderela, quando tocassem as 12 badaladas, não era para quebrar o feitiço e tudo voltar a ser o que era antes?"

Concordei e confirmei.

-"Isso. O vestido de baile virou vestido de cozinheira e a carruagem dourada virou abóbora madura."

"-Então", disse ela preparando o xeque-mate, "por que é que o sapatinho de cristal continuou a ser sapatinho de cristal, encantado, e não desencantou virando tamanco?"

Fiquei mudo.

Ela percebeu um erro na história: o sapatinho não desencantou. E o que foi que fez com que ela percebesse o erro? Seus olhos. Os meus olhos, que foram enganados, só repetiram a velha história já sabida. Viram aquilo que a memória me contava.

É isso que a memória faz: repetir o já sabido. Mas ela, se fosse recontar a história, teria de inventar outra que explicasse o sapatinho de cristal ou que o eliminasse.

O canteiro da memória é lugar onde só nascem pontos de exclamação. O canteiro da invenção é o lugar onde nascem os de interrogação. Como disse E. E. Cummings: "Sempre uma resposta bonita que pergunta uma pergunta mais bonita ainda".

Recebi da professora Edith Chacon Theodoro uma carta digna de uma educadora e, anexada a ela, uma lista de perguntas que seus alunos haviam feito, espontaneamente.

Impressionou-me, em primeiro lugar, o fato de ela ter dado tanta atenção às perguntas dos seus alunos. Note que elas foram feitas "espontaneamente", eram pontos de interrogação diferentes naqueles canteiros, totalmente diversas das respostas que estavam "presas" nas "grades curriculares". Talvez por elas não serem canteiros férteis para as interrogações que nascem nos alunos... Quem sabe cemitérios."Por que o mundo gira em torno dele e do sol? Por que a vida é justa com poucos e tão injusta com muitos? Por que o céu é azul? Quem inventou o português? Como os homens e as mulheres chegaram a descobrir as letras e as sílabas? Como a explosão do Big Bang foi originada? Será que existe inferno? Como pode ter alguém que não goste de planta?"

Continuam: "Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Um cego sabe o que é uma cor? Se na arca de Noé havia muitos animais selvagens, por que um não comeu o outro? Para onde vou depois de morrer? Por que adoro instrumentos musicais se ninguém na minha família toca nada? Por que sou nervoso? Por que há vento? Por que as pessoas boas morrem mais cedo? Por que a chuva cai em gotas e não tudo de uma vez?"

Essas perguntas parecem tão ingênuas que nos fazem rir. Mas elas são revelações das funduras das almas e das inteligências das crianças e dos adolescentes. Revelam não só a sua curiosidade sobre o universo como também sua dimensão ética, a preocupação com a justiça, com a beleza, com o mundo dos valores religiosos, com a mitologia...

Da próxima vez vamos brincar com essas suas perguntas.

sábado, julho 10, 2010

0S 70 ANOS DO LANTERNA VERDE

O aniversário de um dos super-heróis
mais importantes dos quadrinhos

Por Edu Almeida - 10/07/2010 09:28

PARABÉNS
Agora em julho de 2010 o Lanterna Verde completa 70 anos. O aniversário é do original de 1940, mas que deu origem a toda uma mitologia importantíssima dos quadrinhos. É uma história longa e com algumas mudanças durante estas sete décadas de vida. Mas o mais importante disso tudo é que o Lanterna se transformou num dos maiores super-heróis do universo DC. Tanto é que em 2011 terá seu primeiro longa-metragem nos cinemas. Conheça um pouco da trajetória do personagem e suas várias encarnações.

quarta-feira, julho 07, 2010

BOLA NAS COSTAS

DE ALLAN SIEBER.

Bento 16 muda normas da igreja contra abusos sexuais, diz revista

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS - O papa Bento 16 revisou as normas para prevenir a ocorrência de abusos sexuais, em uma tentativa de lidar com os recentes escândalos sexuais envolvendo a Igreja Católica, informou a revista americana "National Catholic Reporter".

Em seu site, a publicação afirma que o papa aprovou recentemente revisões num decreto papal elaborado por seu antecessor, João Paulo 2º, em 2001, estabelecendo procedimentos para julgar e disciplinar religiosos envolvidos em abusos.

Essas mudanças, que serão anunciadas oficialmente em um prazo de duas semanas, deverão tornar as punições mais rígidas, de acordo com fontes do Vaticano.

Em 2001, o atual papa -na época cardeal Joseph Ratzinger- ajudou João Paulo 2º a elaborar o decreto e redigiu uma carta anexa que explicava as regras para os bispos.

Dois anos mais tarde, ele criou um conjunto de "condições especiais" que permitiriam que a Congregação para a Doutrina da Fé pulasse etapas demoradas e custosas em julgamentos canônicos de padres transgressores.

No entanto, tais normas ainda não haviam sido formalmente reconhecidas.

De acordo com fontes do Vaticano, uma das mudanças é a extensão do prazo de prescrição de casos de abuso contra crianças. Ele passaria a ser de 20 anos, a contar do 18º aniversário da suposta vítima, em vez de 10.

Outra mudança é a menção da pornografia infantil como uma "ofensa grave".

Keynes e keynesianos

ANTONIO DELFIM NETTO

Os problemas fiscais dos EUA e da Eurolândia só podem ser resolvidos com a volta do crescimento. O fundamental é que este não se faça aprofundando-os ainda mais. Quando se recomenda que as medidas de estímulo temporárias que foram decisivas para paralisar o desastre sejam transformadas em permanentes, estamos diante de uma não solução.

Para entender isso consideremos que no curto prazo a oferta global física de bens e serviços produzidos no país é praticamente constante. O seu uso depende da demanda global física. Esta, por sua vez, é constituída pela soma da demanda pública e da demanda privada interna e externa.

Quando se reduz, por qualquer motivo, a demanda privada (crise de crédito, desastres naturais, ataque de pessimismo), a manutenção do nível de atividade depende de um aumento equivalente da demanda pública.

Enquanto a demanda privada não se recupera, a demanda pública deve continuar. Isto não se faz sem graves prejuízos para o equilíbrio fiscal, para o nível de inovação e a produtividade do sistema produtivo, porque a demanda estimulada pelo gasto público em transferência não produz incentivos adequados para o aumento da produtividade do trabalho.

O keynesianismo bastardo incorporado na síntese neoclássica dos livros-texto sugere que a retirada dos "estímulos" governamentais reduzirá necessariamente a demanda privada. Agravar-se-ia, portanto, a redução do nível do PIB e do emprego. Logo, não há solução para o problema. Mas será assim mesmo?

A resposta se resume na "expectativa" que se formará no setor privado como resposta ao programa de restabelecimento do equilíbrio fiscal (condição necessária para o crescimento robusto no longo prazo).

Keynes e Pigou (seu amigo e posterior vítima) intuíram em 1931 que, se o ajuste fosse feito de maneira segura e crível, o aumento da demanda privada (despertada pelas oportunidades vistas pelo "espírito animal" dos investidores) poderia suprir a deficiência da demanda pública.

Teríamos a volta do crescimento juntamente com a solução do problema fiscal, o que é hoje empiricamente reconhecido. A reforma crível inclui: 1) um ajuste pelo lado das despesas (nada de aumento de impostos); 2) incentivos ao uso do trabalho; 3) medidas de flexibilização dos mercados; 4) estímulo à concorrência e 5) uma desvalorização cambial.

A Alemanha acumula credibilidade e essas condições. Com a desvalorização do euro, seu programa levará, provavelmente, a um crescimento mais robusto. Será a melhor contribuição que pode dar à Eurolândia.

Cartão SUS, um fracasso tucano-petista

ELIO GASPARI

Dilma e Serra podem dizer o que farão
com um programa que torrou R$ 400 mi e deu em nada

JOSÉ SERRA e Dilma Rousseff compartilham o fracasso da implantação do Cartão SUS, um projeto anunciado em 1997, que já comeu R$ 400 milhões da Viúva e até agora deu em nada. Fez água até mesmo em municípios onde seria realizada uma experiência piloto.

Nada melhor que uma campanha eleitoral para que digam como pretendem consertar o desastre. A ideia era boa: cada cidadão ganharia um plástico em cuja fita magnética estaria gravado seu histórico médico. Mataria a pau certas fraudes, facilitaria a cobrança do ressarcimento nos casos de clientes da rede de convênios privados e seguradoras. Desbastaria a floresta burocrática da saúde pública.

No final de 1997, quando o governo anunciou a novidade, o uso da internet na rede bancária ainda engatinhava. Passaram-se 12 anos e 31% das transações dos brasileiros são feitas em computadores pessoais. A rede tornou-se a principal plataforma de acesso ao sistema financeiro, com 8,4 bilhões de transações por ano, 23 milhões por dia. (O SUS faz 1,3 bilhão de transações anuais.)

Para a banca, funcionaram o interesse e a vitalidade da iniciativa privada. No Ministério da Saúde, prevaleceram o desinteresse, a cobiça dos intermediários de fornecedores e o horror que a burocracia da saúde (pública e privada) tem da transparência.

Dilma e Serra já fizeram duas palestras sobre saúde, esbanjaram platitudes e não tocaram no assunto. Assim como no caso do fracasso do ressarcimento do SUS pelas operadoras privadas, exercitaram o que a professora Lígia Bahia chama de "elipse discursiva". Se os candidatos não sabem o que fazer, podem pedir à Febraban que envie uma força-tarefa ao Ministério da Saúde para coordenar o projeto.

Não se trata de explicar o que deu errado, nem de jogar a responsabilidade sobre a administração alheia. Bastam alguma honestidade no reconhecimento do fracasso e um compromisso com metas de custos e de prazos.

Quando Serra era ministro da Saúde, o PT acumulou denúncias contra as licitações do Cartão SUS e chegou pedir a criação de uma CPI. Os companheiros estão há sete anos no governo e não fizeram nada, nem CPI. O ministro José Gomes "ordenou em 2008 a reformulação" do projeto.

Até hoje, nada. Novas licitações, novos estudos e novas brigas resultaram no seguinte: milhares de terminais continuam empacotados, com sistemas operacionais e aparelhos caducos. Tanto no mandarinato tucano como no petista, o Cartão SUS só funcionou para empulhações publicitárias.

Se blá-blá-blá tucano resolvesse, em 1998 o sistema estaria implantado. Pela parolagem petista, desde 2001 haveria pelo menos 44 cidades servidas pelo cartão, beneficiando 13 milhões de pessoas.

O fracasso é explicado por diversos fatores: megalomania, guerras burocráticas, inépcia, ignorância, mais as velhas e boas redes de compadrio. Sempre que o governo precisa da internet para tomar dinheiro da choldra, sua capacidade é escandinava. Quando se trata de recorrer à informática para melhorar o serviço público, empilham-se desastres, espertezas e propaganda enganosa.

Se Dilma e Serra fizerem só aquilo que seus governos prometeram e não entregaram, Fernando Henrique Cardoso e Lula lhes agradecerão.

terça-feira, julho 06, 2010

Os dois Saramagos que conheci

Por Carlos Pinto Coelho

FOI A TARDE em que todos os demónios invadiram o meu Diário de Notícias. Pelos corredores fervilhavam inquietações e boatos. O senhor Raimundo, o mais antigo contínuo da Redacção do jornal, vem dizer-me que sou chamado ao gabinete do director. Meia hora depois tomo conhecimento de que estou despedido (ou “saneado” como então se dizia). Exactamente um ano depois da alegria dos cravos.

Na vetusta “sala verde”, onde Augusto de Castro vivera as suas gloriosas décadas de director do Diário de Notícias, estava agora José Saramago à secretária, rodeado de gente. Era ele o recém-chegado director-adjunto do jornal, designado pelo Partido Comunista para conduzir o Diário de Notícias pelos caminhos da revolução, general com poder para movimentar o que houvesse que movimentar. Mas não foi ele quem me recebeu, antes um jornalista chamado Luís de Barros, militante que o Partido designara director do jornal. De modo que foi Barros quem me transmitiu, de forma atabalhoada, a sentença ditada por Saramago. Não soube do que era acusado, nem ouvi menção a faltas, crimes ou desvarios, ideológicos ou outros. Soube apenas que estava na rua (“saneado”) e ponto final. Tinha entrado, pura e simplesmente, na enxurrada de “reaccionários” e “fascistas” em que milhares de portugueses fomos embrulhados pela turba cega que tinha tomado as rédeas dos órgãos de informação.

Lembro-me de que o meu convicto carrasco me conduziu à porta do seu gabinete, contíguo à “sala verde”, e que, nesse momento, olhei uma última vez para o Supremo Inquisidor. Continuava á secretária, rodeado de gente, sereno, hirto, distante. Dominador.

Anos e anos se passaram. Nas voltas da vida, Saramago é banido do Diário de Notícias e escreve os seus melhores romances, eu vou para a televisão e faço o Acontece na RTP 2. E um dia encontramo-nos, ele escritor prestigiado, eu jornalista conhecido. Foi no restaurante do campo de golfe de Tróia. Um almoço volante onde estavam dezenas de jornalistas e escritores, já não me lembro porquê.

Vejo-o sozinho a uma mesa. Pego no meu café, aproximo-me, cumprimento-o. Sou retribuído com um sorriso e convite para me sentar. Pergunto: “O Saramago acha-me um reaccionário ou um fascista?” Olha-me, perplexo: "Que pergunta, Carlos!” Recordo então a tarde em que todos os demónios invadiram o meu Diário de Notícias. Ele, atento, assombrado, a ouvir. Eu, sereno, a esmiuçar os mil detalhes que carregava na alma. E foi quando, levantando-se pesadamente, com todo o vagar do tempo inteiro, um Saramago formalíssimo, quase solene, mas também subitamente abatido como se alguma rajada de vento mau por ali andasse, murmurou qualquer coisa que não percebi à primeira. Ele repetiu: "Peço-lhe perdão.” E estendeu-me a mão. Avancei um abraço.

No exemplar do Memorial do Convento que anos depois me autografou, guardo o seu abraço “com amizade (muito mais do que as palavras...)”.

Público de 23 Jun 10

"zfkolprajwlitdaniurdx"

FERNANDO DE BARROS E SILVA

SÃO PAULO - No muro, pode-se ler, em letras de fôrma nítidas e garrafais: "UM NOVO NOME". O jovem, no entanto, se esforça em vão: "Umm....". Tenta prosseguir: "Ummma renova...". E desiste.

Para o cinegrafista que o filma, ele explica: "Letra de fôrma, né mano. Mas eu não entendo, truta. Passei oito anos na escola, tipo oitava série. E tipo nessas daí eu não entendo. Eu só consigo ler picho só. Agora, essas letra aí não entendo".

Ele então conclui: "Sou meio analfabeto, mas pichação dá pra entender". Logo a seguir, ele decifra diante da câmera, com fluência, o significado de siglas e palavras pichadas em outro muro, onde nós, alfabetizados, só conseguimos enxergar rabiscos incompreensíveis.

Essa cena faz parte do documentário "Pixo", dos irmãos João Wainer e Roberto T. Oliveira. O jovem pichador (ou pixador, na língua deles) se chama William, mora na periferia de Osasco, na Grande São Paulo, é casado e tem um filho. Tinha 18 anos quando foi filmado.

Na estreia do documentário, em Paris, no ano passado, franceses perguntavam a Wainer, estupefatos, como era possível que o garoto tivesse estudado até a oitava série e fosse, ainda assim, analfabeto.

É difícil mesmo entender como alguém conclui o ensino fundamental sem saber ler. Será um exagero dizer que William é um retrato do país? Não sei. Mas o próprio filme mostra muito claramente que ele está longe de ser um caso isolado. Apenas começamos a perceber o tamanho da tragédia educacional brasileira, diante da qual não é preciso ser francês para perder a fala.

Estamos agora às voltas com os resultados do Ideb -o índice que mede a qualidade do ensino básico (fundamental e médio) no país. Muito resumidamente, os números mostram e os especialistas dizem que o quadro ainda é ruim, ou muito ruim, mas está melhorando.

Mas quantas gerações de jovens ainda vão escalar paredes como bichos e inventar sua própria língua para nos dizer que, sim, são gente?

segunda-feira, julho 05, 2010

Filho de Bob Marley cria HQ

Imagem da HQ 'Maryjuana', de Ziggy Marley (Foto: Divulgação)

Marijuanaman’ luta contra destruição dos campos de maconha da Terra.
Quadrinho será apresentado na Comic-Con e lançado em abril de 2011.

Do G1, em São Paulo

O músico Ziggy Marley, filho de Bob Marley, acaba de criar sua primeira história em quadrinhos, a HQ “Marijuanaman.

A obra, que será lançada oficialmente em abril de 2011, será apresentada na feira de cultura pop Comic-Con, que acontece de 22 a 25 de julho na cidade de San Diego (EUA).

Criado em parceria com o escritor Joe Casey e com ilustrações de Jim Mahfood, o livro conta a história de um super-herói vindo de um planeta em que a THC (tetraidrocanabinol) está em extinção.

Em razão disso, ele busca evitar a destruição dos campos de maconha da Terra, que tem como vilão da vez a empresa farmacêutica Pharmexon.

A obra será publicada pela Image Comics, que anuncia Marijuanaman como "o super-herói de uma nova geração".

No Brasil, há quatro anos foi criado um super-herói similar, o Capitão Presença, do quadrinista e colaborador do G1 Arnaldo Branco.

quinta-feira, julho 01, 2010

Venda de ingressos para 8ª edição da Flip começa na próxima segunda

Preços variam entre R$ 10 e R$ 40. Organização espera público de 20 mil.
Em agosto, evento levará Isabel Allende, Lou Reed e Robert Crumb ao RJ.

Do G1 RJ

Os ingressos para a 8ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) começam a ser vendidos a partir das 10h da próxima segunda-feira (5). O prazo vai até o dia 3 de agosto pelo site www.ticketsforfun.com.br, pelo telefone 4003-0848, e nos pontos oficiais de venda. A partir de 4 de agosto, quando a festa começa, os ingressos serão vendidos apenas na bilheteria da Flip em Paraty.

A edição deste ano vai apostar na pluralidade de temas para atrair mais público e reforçar sua importância dentro do calendário cultural brasileiro. Além de homenagens a grandes nomes da literatura latinoamericana, entram em discussão na Flip assuntos como o futuro dos livros na era do iPad e o reforço na abordagem de temas pop. Palestras discutirão a recente febre em torno de "Alice no País das Maravilhas" e terão a presença de nomes como os do cantor Lou Reed e do quadrinista Robert Crumb.

Neste ano, a Flip conta com orçamento de R$ 6,3 milhões — e espera, segundo seus organizadores, atrair 20 mil pessoas à cidade fluminense. Entre os dias 4 e 8 de agosto, irão a Parati 35 autores de 14 países diferentes.

FHC, Crumb e iPad
O evento começa com homenagem ao sociólogo Gilberto Freyre, autor de "Casa grande & senzala". Ele será tema da conferência de abertura, com participação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e show do cantor de MPB Edu Lobo e da Osesp.

A vinda da escritora chilena Isabel Allende também é destaque na Flip. A autora de "A casa dos espíritos" falará sobre sua trajetória e relevância na literatura latino-americana no segundo dia do evento.

O terceiro dia vê debates de Lou Reed sobre a união da alta cultura com o rock e Robert Crumb falado sobre "Gênesis", versão do livro bíblico em quadrinhos que é seu mais recente trabalho.

Uma mesa com presença do historiador Robert Darnton vai discutir o futuro dos livros em papel na era dos e-books e do iPad. O debate também contará com o CEO da editora Penguin, John Makinson.

Flipinha e Flipzona
Em paralelo à Flip, acontece a 2ª edição da FlipZona (que mira a atenção dos jovens) e a 7ª edição da Flipinha (voltada ao público infantil).

Para os teens, uma palestra com o escritor Marcos Maffei e o ilustrador Luiz Zerbini aborda o legado de "Alice no País das Maravilhas" dentro da cultura pop atual.

Já a Flipinha marca o retorno do humorista Ziraldo à cidade. O criador de "O menino maluquinho" participará de um bate-papo com as crianças e falará de suas obras.