sexta-feira, maio 25, 2012

As memórias de uma guerra suja

OI NA TV => DITADURA MILITAR

Por Lilia Diniz em 25/05/2012 na edição 695

Enquanto a mídia volta-se para a recém-instalada Comissão da Verdade, chega às livrarias um bombástico livro que pode esclarecer o desaparecimento de militantes da esquerda durante a ditadura militar.Memórias de uma guerra suja é o relato em primeira pessoa do ex-delegado capixaba Cláudio Guerra para os jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto. Em 15 anos, Guerra teria participado de uma centena de mortes como matador e estrategista do Serviço Nacional de Informações (SNI). O Observatório da Imprensaexibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira [22/5] discutiu o papel dos meios de comunicação no resgate da memória dos crimes cometidos pelo Estado entre 1964 e 1985 e a pouca repercussão das revelações deste livro.

Memórias de uma guerra sujalança luz sobre os bastidores das Operações Condor e Bandeirantes e traz novas informações sobre episódios marcantes como o caso Riocentro, o assassinato do jornalista Alexandre von Baumgarten e a morte do temido delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) Sérgio Paranhos Fleury. O livro narra como a equipe de Cláudio Guerra tentou dificultar a abertura política com uma série de atentados a bomba. O ex-delegado comandou uma explosão no prédio do jornalO Estado de S.Paulo e arquitetou um ataque ao Jornal do Brasil que foi desarticulado por ordem do general Golbery do Couto e Silva.

O programa contou com a presença dos dois autores do livro. Rogério Medeiros é fundador do jornal eletrônico Século Diário e trabalhou no Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, A Tribuna e A Gazeta. Escreveu vários livros, entre eles Um Novo Espírito Santo – onde a corrupção veste toga. Marcelo Netto estudou Medicina até o final do quarto ano, quando foi preso pelo regime militar por 13 meses, nove deles em solitária. Foi repórter e editor no Correio Brasiliense, Folha de S.Paulo, O Globo, Veja e na TV Globo. Em São Paulo, o programa recebeu a jornalista Rose Nogueira, presidente do grupo Tortura Nunca Mais-SP. Durante a ditadura militar, Rose foi presa e torturada durante nove meses, quando seu bebê era recém-nascido. Desde os anos 1970, pauta sua vida pela luta contra o autoritarismo.

Luz no período de trevas

Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines comentou que o livro não pode ficar esquecido porque é “um tremendo safanão” naqueles que acham que a Comissão da Verdade é inútil. “Deste livro sai um Brasil irreconhecível, que só se reconhecerá quando for devidamente apurado o que está contado com tantos detalhes neste livro terrível. É possível que a prioridade da Comissão da Verdade seja desvendar o que aconteceu com os desaparecidos. Mas os corpos incinerados por Cláudio Guerra em uma usina de açúcar em Campos, estado do Rio, jamais serão resgatados. Cabe a nós, e a todos os buscadores da verdade, o resgate de suas histórias”, avaliou Dines. Para Dines, mesmo que parte dos dados seja inventada, esta é uma pauta que precisa ser verificada.

Um dos pontos mais chocantes do livro é o relato da incineração de dez corpos de presos políticos em uma usina de açúcar em Campos, no Norte Fluminense. Entre as vítimas estariam Ana Rosa Kucisnky e seu marido, Wilson Silva. Bernardo Kucisnky, irmão de Ana Rosa, revelou ter receio de que os resultados da Comissão da Verdade não sejam efetivos:“Eu tenho um temor de que, devido àslimitações do estatuto da Comissão, de como ela foi definida, suas atribuições, e àslimitações do meio circundante – a mídia convencional, que não tem muito interesse em fazer disso um assunto – essa Comissão acabe emitindo um relatório por si só importante e, por sua vez, pelo fato de ela ter emitido esse relatório, ter trabalhado dois anos, três anos, nunca mais vá se falar no assunto”.

O programa entrevistou a colunista social Hildegard Angel, filha da estilista Zuzu Angel e irmã de Stuart Angel. Militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Stuart foi barbaramente torturado e morto em 1971. Sua mãe empreendeu uma busca para enterrá-lo dignamente e chegou a ganhar apoio internacional. Cinco anos depois, Zuzu morreu em um mal explicado acidente de carro. Guerra afirma que a morte da estilista foi forjada. Em um emocionado depoimento, Hildegard contou que as informações do livro podem levar a novos dados:

“Esse livro, sobre a minha mãe, não conta grandes novidades. Mas tem uma coisa que abre uma linha de investigação, se for real. É que nas fotos do inquérito tem um coronel Perdigão, que era da repressão; quando se matava, tinha o hábito de os próprios assassinos depois periciarem, fazerem as autópsias dos pseudo acidentes, e isso teria acontecido com a minha mãe. Para mim, que achava tão improvável, tão duro, tão terrível que a minha mãe tivesse sido mesmo assassinada, quando a gente desperta para a realidade... E a maldade não é só de quem pratica, mas da psicopatia generalizada daqueles que apoiaram aquilo”.

O primeiro passo para a verdade

A Comissão da Verdade irá apurar violações aos Direitos Humanos durante a ditadura militar e tem como um dos focos os desaparecidos, como o deputado Rubens Paiva. Em 1971, a casa do deputado foi invadida por um grupo de militares. Rubens passou pelos porões do Exército e da Marinha, onde foi brutalmente torturado para revelar o paradeiro de Carlos Lamarca, líder do MR-8, organização com a qual não tinha ligações.

Vera Paiva, filha do deputado, acredita que os trabalhos da Comissão levarão muitas pessoas a revelar novos fatos. No entanto, parte dos crimes pode permanecer sem esclarecimentos por falta de documentação física:“O Brasil é capaz de encontrar essa verdade, de reconstruir essa memória que nos permita dizer: ‘tortura, nunca mais’”. Na opinião de Vera, corpos podem ser encontrados a partir da história oral.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, é necessário investigar com profundidade as informações contidas no livro: “Esses relatos podem vir a dar alguma pista sobre o que mais queremos, que é o paradeiro dos desaparecidos, uma ferida ainda não cicatrizada na história da democracia brasileira. E também não se deve aceitar de plano tudo o que está sendo relatado. Temos a Polícia Federal, o Ministério Público Federal. Esses órgãos devem, a partir de relatos como esse, iniciar uma investigação”. O jornalista Fritz Utzeri, autor de diversas reportagens sobre a repressão, destacou que os desaparecidos políticos da época da ditadura militar são “uma ferida que não quer fechar” e que as famílias têm o direito de saber em que circunstâncias seus parentes foram mortos.

No debate ao vivo, Dines perguntou a Rogério Medeiros como foram os primeiros contatos com Cláudio Guerra. O jornalista contou que, há 30 anos, havia publicado uma reportagem no Jornal do Brasil que acabou com a aura de combatente do crime organizado que Guerra mantinha no Espírito Santo. Em 2009, um advogado do ex-delegado procurou Medeiros e o levou ao hospital onde Guerra estava internado. Logo recebeu o convite para escrever o livro. Os autores consideraram que o livro só seria verdadeiro se fosse narrado na primeira pessoa e precisaram convencer Guerra a aceitar este formato. Eles chegaram a alertar o ex-matador de que, com a publicação do livro, ele poderia morrer ou voltar para a cadeia, onde cumpria pena pela acusação de ter matado um bicheiro.

Bombas por todo o Brasil

“[Guerra] tinha vontade de mostrar o interior da comunidade de informações. Tinha o oficial e tinha o secreto. Ele era conhecido por um codinome”, sublinhou Rogério Medeiros. Em um primeiro momento, Guerra atuou como matador de integrantes de grupos de extrema-esquerda. Medeiros explicou que, em seguida, o ex-delegado engajou-se em um movimento que queria prolongar a vida do regime militar e precisava de um bode-expiatório: “Para fazer esta passagem, eles precisaram criminalizar alguém. Então, pegaram o Partido Comunista, que não era dessa área que eles mataram antes, e transformaram eles em um grande perigo para o país”.

Os autores do livro contaram que o ex-delegado já sofreu duas ameaças, uma delas há poucos dias. A primeira ocorreu em novembro do ano passado, quando um ex-companheiro mandou um recado a Guerra de que ele “já estaria fedendo”. “A partir daí, nós informamos ao Ministério da Justiça, à Polícia Federal, que o livro estava ainda em elaboração. Nós aceleramos a elaboração do livro com medo de acontecer alguma coisa. Muitos dados ainda precisam ser acrescentados à edição do livro”, disse Marcelo Netto.

Por falta de tempo, não foi possível inserir nesta primeira edição o vasto material fotográfico colhido pela equipe de pesquisa, por exemplo. Netto alertou que as autoridades precisam agilizar a investigação sobre as informações de Guerra porque, além de ameaçado, o ex-delegado está com problemas de saúde. “Olhando nos olhos dele esses anos eu cheguei à conclusão de que ele está dizendo a verdade”, disse Netto.

Convertido na prisão à igreja Assembleia de Deus, Guerra hoje é pastor. “Ele tem consciência de que vai viver uma vida muito complicada a partir do que ele contou no livro, vai ter um resto de vida cheio de polêmicas, acusações. Mas ele está tranquilo, consciente de que o papel dele é ajudar a esclarecer o que se passou. Ele quer ajudar aComissão da Verdade, ele quer se colocar àdisposição”, contou o jornalista. Netto diz que Guerra quer “ficar em paz consigo mesmo” e que relatou que seu maior objetivo de vida é visitar Israel.

Disputa interna

Dines perguntou sobre a rivalidade mostrada no livro entre os grupos de extermínio civis e militares. Marcelo Netto contou que, quando os militares passaram a combater a guerrilha urbana, não eram capacitados para este tipo de combate. “As técnicas novas exigiam investigação, que é uma coisa própria do trabalho policial”, disse o jornalista. Competentes investigadores, como Guerra e Fleury, foram procurados para prestar serviço como agentes secretos. “Houve momentos em que houve conflitos”, confirmou.

Para Rose Nogueira, Cláudio Guerra é assassino contumaz e réu confesso. “Ele cometeu crimes permanentes, de sequestro e de desaparecimento de corpos. Ele cometeu crime de tortura, de execução sumária. Esses crimes são de lesa-humanidade, são imprescritíveis. Esse livro muda toda a história. Tem muitos fatos aqui que são congruentes, que batem com aquilo que a gente sabia”, sublinhou Rose. A representante do Tortura Nunca Mais ponderou que o relato de Guerra situa a esquerda como uma quadrilha que se aproveitava do dinheiro dos empresários, visão afinada com a política de Estado dos anos de chumbo. Rose ponderou que o direito à resistência é um dos Direitos Humanos: “Quando se fala em luta armada, eu penso que quem fez contra o povo brasileiro foi a ditadura militar. Nós fizemos a luta de resistência”.

***

[Lilia Diniz é jornalista]



Presidente da Fifa critica disputas de pênaltis e pede para que Beckenbauer apresente soluções

25/05/2012 - 06h56Da AFP 
Em Budapeste (Hungria)


O presidente da Fifa, Joseph Blatter, afirmou que o futebol perde a essência quando uma partida é decidida em uma disputa de pênaltis. A declaração foi dada nesta sexta-feira durante o 62º Congresso da entidade, que acontece em Budapeste, na Hungria.

"Quando uma partida chega aos pênaltis, o futebol perde sua essência", disse o dirigente, em uma referência à final da Liga dos Campeões, na qual o Chelsea bateu o Bayern de Munique desta maneira, após um empate em 1 a 1 no tempo normal.

"Talvez Franz Beckenbauer, com o grupo de trabalho Futebol 2014, apresente propostas de soluções", completou. O ídolo alemão Beckenbauer preside um grupo de trabalho que tem como missão buscar ideias para melhorar o esporte.

Ainda no congresso, Blatter criticou o desejo de algumas autoridades da União Europeia (UE) de boicotar a Ucrânia durante a Eurocopa-2012. O presidente da Fifa apoiou o discurso do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, sobre o diálogo que deve existir entre as autoridades políticas e esportivas.


"De nenhuma maneira a política deve interferir no esporte, neste caso o futebol. O futebol deve servir para unir, não para dividir", disse.

A UE exige há vários meses a libertação da opositora Yulia Timoshenko, ex-primeira-ministra atualmente detida, e denuncia uma justiça seletiva contra a política, a poucos meses das eleições legislativas.

Alguns líderes europeus, entre eles o presidente francês François Hollande e a chanceler alemã Angela Merkel, ameaçaram não viajar à Ucrânia, que organizará a Eurocopa ao lado da Polônia, caso a situação não mude até o início do torneio em 8 de junho.

quinta-feira, maio 24, 2012

Criador dos bordões na TV, Januário de Oliveira enxerga com dificuldade e diz: “Foi bom enquanto durou”




Ricardo Zanei, em São Paulo

Januário de Oliveira – Foto: Reprodução de TV

“Ele é cruel, muito cruel”. A frase nasceu por acaso e é apenas uma das tantas que marcaram a carreira de Januário de Oliveira. Se a narração de futebol na TV, até hoje, é permeada por bordões, ele é um dos “culpados”. “Cruel”, “sinistro”, “Super Ézio” e “tá lá um corpo estendido no chão” são apenas alguns exemplos das tiradas desse gaúcho de Alegrete. Aos 70 anos e afastado das transmissões desde 1998, ele continua acompanhando o futebol, mas, hoje, por causa do diabetes e a visão bem prejudicada, apenas de casa. Cego do olho direito, ele agora tem dificuldades para enxergar do olho esquerdo. Isso não impede que Januário perca o bom humor: com uma memória afiada, ele relembra os grandes momentos da carreira de sucesso. E emociona.

Em entrevista ao UOL Esporte por telefone, Januário, hoje morador de Goiânia, falou sobre o caminho que o levou ao futebol. Fã da modalidade, ele começou sua trajetória fazendo rádio-novela, em 1963. Foram seis meses como ator antes de pintar uma brecha no esporte, na rádio Cultura de Bagé. Tinha início, ali, quase 40 anos ligados ao mundo da bola. O namoro com o rádio foi até meados dos anos 80, quando foi levado por Sérgio Noronha para a TV Educativa, no Rio de Janeiro. Em 1990, foi para a TV Bandeirantes, emissora na qual trabalhou até 1998, quando a doença o obrigou a se aposentar.

Os bordões“É engraçado, nunca imaginei antecipadamente o que eu ia usar. Nunca pensei ‘essa frase é boa e posso dizer isso em uma transmissão’. Tudo aconteceu no estalo”, disse Januário. Foi assim, de sopetão, que surgiram frases ainda hoje marcantes. “Vi os homens da maca entrando em campo e disse ‘olha aí o primeiro carreto da tarde’. O pessoal achou engraçado. Aí tinha um jogador caído, e falei ‘tá lá um corpo estendido no chão’. Isso também ficou famoso, virou até música, uma do Gabriel, o Pensador, outra do João Bosco.”

Cada bordão surgiu de maneira curiosa. “Eu estava transmitindo um Flamengo e Sport, e o Mozer, zagueiro, recuou uma bola para o Gilmar. A bola passou por entre as pernas dele, devagarinho. Foi um frango fantástico, a bola indo fraquinha para o fundo do gol. E eu falei ‘Gilmar, sinistro, muito sinistro’.”
E o cruel? “Foi em um jogo do Dener no Vasco, em São Januário. Ele fez quatro gols e deu passe para outro. No quarto gol, ele pegou uma bola no campo do Vasco, deve ter driblado uns oito jogadores, teve gente que ele driblou duas vezes. Aí eu comecei a narrar ‘maravilhoso, fantástico, grandioso’, fui usando todos os adjetivos, mas acabaram os adjetivos, a língua portuguesa encolheu pra mim. Aí veio um Dener foi ‘cruel, muito cruel’. E assim nasceu”, lembrou Januário.

O narrador criou ainda “sobrenomes” para alguns jogadores, como Charles “Guerreiro” e Valdeir “The Flash”. “Ele era só Charles. Quando ele foi para o Flamengo, tinha o Charles, atacante, aquele que jogou no Bahia e no Boca Juniors. Aí virou ‘Charles segundo’. Como o espírito dele era de guerreiro, comecei a chamá-lo de Guerreiro. Até quando o Parreira o convocou para a seleção, ele falou ‘Charles Guerreiro’, do Flamengo. Ele até adicionou o “Guerreiro” no nome dele”, disse. “O Valdeir… Passava a série na TV Globo, e ele chegou correndo que nem um louco no Botafogo. Eu o chamei de ‘The Flash’. Hoje, até o filho dele o chama de ‘The Flash’.”

Os bordões criaram até uma situação curiosa para Januário. Certa vez, ele foi parado por um carro na entrada do Barra Shopping, no Rio. Uma senhora de cabelos brancos, "seguramente com uns 90 anos", o reconheceu, desceu do carro e deu uma "bronca" no narrador. "Sou torcedora do Flamengo e fico doente todas as vezes que você chama o Sávio de Diabo Louro. Não chama ele de Diabo Louro, ele é tão bonitinho. Ele não tem aspecto de Diabo, tem uma carinha de anjo", disse a senhora para Januário. "Tentei justificar que ele infernizava as defesas, mas não deu certo. Então falei para ela que, a partir de domingo, não ia mais chamá-lo de Diabo Louro, mas sim de Anjo Louro da Gávea. Hoje, até a esposa do Sávio chama ele de Anjinho.

E quais os bordões mais famosos? “A gente ouve até hoje o ‘tá lá um corpo estendido no chão’. Para a torcida do Fluminense, o que mais marcou foi o Super Ézio.

Super Ézio, um capítulo à parte
O único bordão “sugerido”para Januário veio em um almoço com um amigo na semana antes de um clássico entre Botafogo e Fluminense. Curiosamente, se tornou um dos mais clássicos da carreira do narrador. “O Fluminense era muito ruim na década de 90, mas ainda assim o Ézio era artilheiro do Carioca. Eu estava almoçando com um amigo flamenguista, e disse para ele que tinha que ser herói, como o Ézio, para fazer gol pelo Flu. Ele falou ‘herói, não, super herói’. Aí, dois minutos depois, abre a porta do restaurante e entra o Ézio. Ficamos ali, brincando com ele, com o lance de super herói.

Chegou o clássico, e o Fluminense fez 1 a 0 com Ézio. Em seguida, o atacante voltou a marcar, e Januário emendou um “Ézio, o herói tricolor, 2 a 0, nasce o super herói tricolor, nasce o Super Ézio”. “A torcida gostou. A repercussão foi enorme e, sempre que falavam com ele, falavam de Super Ézio.”
Começava uma amizade que durou até a morte do artilheiro, em novembro do ano passado. “Depois de um Atlético-MG x Fluminense, ele se despediu do futebol, mas não fez alarde, não falou para ninguém. Eu apresentava um programa de debates na TV Educativa e, no fim do programa, estava lá o Ézio com a mãe, a irmã, o cunhado, a noiva, enfim, ele tinha trazido a família inteira dele do Espírito Santo para assistir ao último jogo dele como profissional. Ele levou todo mundo na TV só para me apresentar e me dar a camisa que ele tinha acabado de usar, que eu guardo até hoje com muito carinho. Nessa noite, ele me deu o celular, o telefone da casa dele, e a partir daí não perdemos mais o contato. Mesmo meses antes de ele falecer, a gente se falava. Nos tornamos grandes amigos.”

A doença
“Eu me aposentei em 1998, por causa do diabetes, que começou a prejudicar a minha visão e não permitiu que eu trabalhasse mais. Fiz duas cirurgias, perdi uma das vistas na primeira. Tive retinopatia diabética, mas, quando operei, já era muito tarde. Fiz a segunda cirurgia e, felizmente, a vista esquerda ainda não estava tão comprometida. Ainda vejo alguma coisa, mas não dá para noticiar. Fiz Copas do Mundo, fiz Olimpíadas, adorava os Campeonatos Brasileiros, sempre os achei apaixonantes. Foi muito bom enquanto durou. Tudo valeu a pena”, disse o narrador.

Januário brinca com os boatos que correm na internet. Fuçando na rede, é possível encontrar notícias sobre a morte do narrador ou ainda que ele teve as pernas amputadas. “Já disseram muita coisa por aí, que eu morri, que amputaram as minhas pernas, que eu estava totalmente cego. Até agora, o máximo que amputei são as unhas, que eu corto todas as semanas.”

De unhas cortadas, Januário fala sobre a saudade do mundo da bola. “O que mais sinto falta é da emoção de estar participando daquilo. É a mesma falta que faz para todo mundo que para de trabalhar com o que gosta. Imagina quem trabalha com rádio, TV, esporte, futebol, uma paixão mundial, e de repente você é obrigado a parar. Parei há 14 anos, mas ainda sonho com o futebol. Sonhei outro dia que estava procurando uma pasta com uns textos em casa, e o táxi lá fora, esperando. Sonho que estou transmitindo, que estou falando com o repórter, pegando as escalações, coisas que a gente fazia em todos os jogos. Não consegui me desvencilhar e não quero me desvencilhar. É uma lembrança que eu não quero esquecer.”

Que tal colocar todas as memórias em um livro? “Muita gente já me entusiasmou com essa ideia, mas eu dependo de uma pessoa do meu lado para eu ditar e ela, escrever. Escrever é uma coisa, mas parar para pensar e falar para uma outra pessoa escrever é outra.”

Mesmo longe dos gramados, é possível dizer que “taí o que você queria” e que “é disso, Januário, é disso que o povo gosta”. E, parafraseando mais uma vez o eterno criador de bordões, “acabou o milho, acabou a pipoca, fim de papo”.

terça-feira, maio 22, 2012

Elegante na ação e no pensamento


CARLOS FUENTES (1928-2012)

Por Eric Nepomuceno em 22/05/2012 na edição 695


Reproduzido do Estado de S.Paulo, 16/5/2012; intertítulos do OI



Será preciso – é parte do ritual que se presta a quem se vai – recordar os livros todos, e louvar a grandeza do ofício, e mencionar os prêmios e traduções e honrarias, e recolher elogios entre os sobreviventes. Sim, será preciso cumprir o ritual. Convém saber, para evitar enganos, que no caso de Carlos Fuentes os elogios, mesmo os insinceros, serão justos, mais que justos. Foi um autor de uma obra de imensa importância. Alguns de seus livros – penso em A Região Mais Transparente, em A Morte de Artemio Cruz, em Gringo Viejo, em Terra Nostra – estão entre os que de mais valor foram escritos ao longo das últimas cinco ou seis décadas na América Latina.
Será preciso, também, mencionar sua trajetória de cidadão comprometido com tudo que disse e diz respeito ao seu tempo, à sua terra, a esta América nossa. Mencionar a inteireza com que se manifestou sobre a realidade latino-americana, sobre o peso das ambições do mundo neste nosso continente de contradições e esperanças rotas.
Será preciso, enfim, dizer que mesmo quem discordou dele em tudo ou quase tudo soube, quase sempre, reconhecer e respeitar sua palavra e sua integridade. Discordamos um sem fim de vezes, sem jamais deixar que isso roçasse o afeto, a lealdade, a solidariedade.
Será preciso dizer isso tudo e muito mais. Foi-se embora mais um dos poucos grandes de verdade, não apenas da literatura das Américas, mas dos homens dispostos a dar combate sempre que julgaram ser isso necessário.
A maior brutalidade: enterrar os filhos
De minha parte, digo tudo isso e algo mais. A memória que trago de Carlos Fuentes pouco ou nada mudou desde nosso primeiro encontro, já lá se vão uns bons 20 anos. Carlos Fuentes foi das pessoas mais elegantes que conheci. E digo elegante no sentido mais amplo da palavra – elegante na conduta, no pensamento e na ação. Um homem refinado, amigo dos amigos, capaz de alternar o humor rápido e leve com a indignação em brasa quando se tratava das mazelas vividas pelo México, pela América Latina, pelo ser humano neste mundo enlouquecido dos tempos que nos tocaram viver.
Sua imagem de viajante incansável corresponde à mais pura verdade. Mas muito além e muito mais profundo que um lado supostamente mundano, o que havia nessa peregrinação toda era a aguda curiosidade pelo que é vivido tempos afora, mapas afora. Fuentes era um inquieto, um indócil, contido a muito custo nas aparências de sua elegância. Porque na alma, ninguém jamais conteve – nem ele mesmo – essa inquietação, essa indocilidade. Podia ser frio e racional em suas análises. Jamais, porém, perdeu a capacidade de se indignar.
Passou pela maior brutalidade reservada a um ser humano: enterrar os filhos. Em 1999, perdeu o artista plástico Carlos Rafael aos 25 anos. Seis anos depois, perdeu Natasha aos 29. E continuou em frente, desafiando e enfrentando os tempos. “Escrevo com eles ao meu lado”, dizia. O que era uma forma de dizer: escrevo para continuar vivo, continuar lembrando, continuar sendo.
Se fosse num jogo limpo, ele teria vencido
Lembro dele dizendo que deve-se ter medo de escrever. Que escrever não é um ato natural: é dizer que a natureza não basta a si mesma, que precisa de outra realidade, precisa da imaginação. E cabe ao escritor aceitar os riscos demenciais dessa tarefa.
Lembro dele dizendo que é preciso aceitar que somos, na literatura, a continuação do que veio antes. Que não há nada original no mundo. Que o que existe é uma meia dúzia de grandes temas, e que muito mais importante do que contar é como contar. Que o escritor luta para ser dono do tempo – não do tempo do escritor, mas do tempo da escrita.
Lembro dele dizendo, quando Carlos Rafael morreu, que jamais aceitaria aquela perda, mas tampouco se deixaria sufocar pela melancolia. Que era preciso seguir em frente para justificar e honrar a memória do filho.
Foi o que ele, ao lado de Sílvia, fez até o fim. Há poucos dias andou por Buenos Aires. Anunciou novos projetos, falou do livro que havia começado a escrever. Falava do futuro, porque foi nisso – o futuro – que ele acreditou até o fim.
A morte chegou de surpresa, na casa mexicana que foi seu porto mais seguro. Porque se não fosse assim – de surpresa, à traição –, a morte não teria levado Carlos de nós. Se fosse num jogo limpo e aberto, cara a cara, ele teria vencido de novo. E ficado.
***
[Eric Nepomuceno é crítico, tradutor, escritor]

sábado, maio 19, 2012

Patrulhamento de políticos: o que a imprensa pode fazer pelo leitor

Por Carlos Castilho em 11/05/2012

A  página do jornal norte-americano The Washington Post hospeda um blog que poderia servir de modelo para todos os jornalistas e outros jornais. O blog The Fact Checker (Verificador de Fatos) confere o que políticos, candidatos e governantes afirmam em público para verificar se o que dizem corresponde à realidade. Os que não passam nessa prova recebem Pinóquios, um prêmio baseado na história do boneco de madeira cujo nariz crescia sempre que era flagrado mentindo.

O blog lava a alma do leitor porque faz aquilo que todos nós gostaríamos de fazer, mas não temos tempo e nem preparo para encarar numa época em que os políticos e executivos despejam quantidades avassaladoras de dados, estatísticas e fatos para apoiar seus pontos de vista. A frequência com que esse recurso está sendo usado é tal que ficamos com a quase convicção de estão tentando nos enrolar, mas não temos como provar o que sentimos.

Os manuais de persuasão  recomendam rechear qualquer declaração pública com o maior número possível de dados e fatos, para atender à regra de que os números estariam acima de qualquer suspeita.  Esta é a lei máxima dos políticos e pode ser comprovada às vésperas de eleições, quando candidatos despejam sobre os eleitores uma quantidade enorme de cifras.

Só que os números, gráficos e fotos sem contexto podem ser usados para qualquer finalidade. Uma meia verdade é também uma meia mentira, mas os candidatos se utilizam apenas um lado desta dicotomia , usando números para tentar transmitir credibilidade ao que afirmam.  Contextualizar não é uma tarefa fácil e requer examinar com lupa o que é dito por personalidades públicas, para permitir que os leitores não sejam levados a tirar conclusões equivocadas a partir de informações tendenciosas.

O blog The Fact Checker obviamente não pode esmiuçar tudo o que os candidatos e políticos dizem à mídia. A iniciativa é tocada por dois jornalistas, Glenn Kessler e Josh Hicks, que selecionam declarações de governantes e parlamentares, tanto democratas como republicanos, e vão até os bancos de dados oficiais e arquivos da imprensa  para conferir se as cifras mencionadas são verdadeiras e se o contexto em que foram citadas corresponde à realidade. É um trabalho que consome dias para ser feito, porque qualquer falha gera  protestos de quem recebe um Pinóchio e compromete a credibilidade do patrulhamento.

A checagem de declarações e documentos públicos por jornalistas é  um processo em ascensão nos Estados Unidos, conforme revela um informe divulgado em fevereiro pela New America Foundation, atualmente presidida por Eric Schmidt,  executivo da Google.  Há pelo menos quatro outras organizações especializadas nesse tipo de patrulhamento de políticos, como as não governamentaisl  Fact Checker,  On The Issue   e  Open Secrets, bem como empresas online como a  Politifact e  RealClearPolitics.

Conferir dados, estatísticas, descrições e versões é uma função intrínseca ao jornalismo, mas ela acabou perdendo consistência na medida em que o volume de informações cresceu desproporcionalmente à força de trabalho, que as estratégias de “construção” de informações se tornaram muito mais sofisticadas (vide o marketing político), e que as empresas  passaram a impor seus interesses político-econômicos  sobre o conteúdo das notícias.

Mas se existe uma área da informação pública onde os jornalistas podem reconquistar a confiança dos leitores, esta é a da checagem dos fatos. É um caminho que ainda continua pouco explorado — principalmente no Brasil, onde raríssimos jornais optaram por seguir o exemplo pioneiro do Washington Post.  É interessante que o jornal que os americanos apelidaram de WaPo também recorre aos leitores para esmiuçar declarações de políticos, burocratas e governantes.

A prestação deste tipo de serviço ao leitor pode constituir também um novo modelo de negócios, porque fica muito mais fácil mostrar às pessoas por que pagar por serviços informativos quando elas conseguem ver claramente os benefícios que podem auferir. No caso do patrulhamento de políticos, governantes, burocratas e executivos privados, as vantagens são óbvias.

sexta-feira, maio 18, 2012

O CORVO


    (De Edgar Allan Poe - Tradução de Fernando Pessoa)
    Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
    Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
    E já quase adormecia, ouvi o que parecia
    O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
    "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
    É só isto, e nada mais."
    Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
    E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
    Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
    P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
    Mas sem nome aqui jamais!
    Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
    Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
    Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
    "É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
    Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
    É só isto, e nada mais"
    E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
    "Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
    Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
    Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
    Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
    Noite, noite e nada mais.
    A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
    Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
    Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
    E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
    Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
    Isso só e nada mais.
    Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
    Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
    "Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
    Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
    Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
    "É o vento, e nada mais."
    Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
    Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
    Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
    Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
    Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
    Foi, pousou, e nada mais.
    E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
    Com o solene decoro de seus ares rituais.
    "Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
    Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
    Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
    Disse o corvo, "Nunca mais".
    Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
    Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
    Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
    Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
    Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
    Com o nome "Nunca mais".
    Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
    Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
    Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
    Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
    Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
    Disse o corvo, "Nunca mais".
    A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
    "Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
    Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
    Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
    E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
    Era este "Nunca mais".
    Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
    Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
    E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
    Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
    Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
    Com aquele "Nunca mais".
    Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
    À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
    Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
    No veludo onde a luz punha vagas so[m]bras desiguais,
    Naquele veludo onde ela, entre as so[m]bras desiguais,
    Reclinar-se-á nunca mais!
    Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
    Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
    "Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
    O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
    O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais".
    "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
    Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
    Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
    Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais".
    "Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
    Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
    Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
    Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
    Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais".
    E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
    No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
    Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
    E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
    Libertar-se-á... nunca mais!


terça-feira, maio 15, 2012

Escritor mexicano Carlos Fuentes morre aos 83

15/05/2012 - 16h16
DE SÃO PAULO

O escritor Carlos Fuentes morreu nesta terça (15) aos 83 anos em um hospital na Cidade do México. A notícia foi confirmada pelo ministério da Cultura mexicano.
Leia a última entrevista do escritor mexicano Carlos Fuentes à Folha
As fontes do hospital Ángeles Pedregal, onde estava internado, não quiseram detalhar as causas da morte. "Sim, está aqui. Faleceu", limitou-se a anunciar a fonte do serviço de emergências. "Não há mais informações, pois isso depende do médico que está a cargo."
Nascido em 1928, Fuentes escreveu mais de 20 livros. Vencedor do Prêmio Cervantes em 1987 e do Príncipe de Astúrias em 1994, era considerado um dos escritores mexicanos de maior reconhecimento.
Era casado com a jornalista mexicana Silvia Lemús. Do casamento, nasceram seus filhos Carlos Rafael, que era hemofílico e morreu em 1999 aos 25 anos, e Natasha, que morreu alguns anos depois aos 32 anos por causas desconhecidas.
Autor de "A Morte de Artemio Cruz", "A Região Mais Transparente", "Em 68" e "A Cadeira da Águia", também era conhecido por seu olhar crítico sobre a sociedade mexicana contemporânea e a política neoconservadora do ex-presidente americano George W. Bush.
O presidente do México, Felipe Calderón, se pronunciou no Twitter: "Lamento profundamente a morte do nosso querido e admirado Carlos Fuentes, escritor mexicano e universal. Descanse em paz".
O prefeito da Cidade do México, Marcelo Ebrard, também escreveu na rede social: "O México teve uma grande perda: Carlos Fuentes morreu".
Veja lista de obras de Carlos Fuentes publicadas em português
- "A Morte de Artemio Cruz"
- "Eu e os Outros Ensaios Escolhidos"
- "Gringo Velho"
- "Cristóvão Nonato"
- "A Campanha"
- "A Laranjeira"
- "Aura"
- "A Fronteira de Cristal"
- "Os Anos com Laura Diaz"
- "O Espelho Enterrado"
- "Instinto de Inez"
- "Contra Bush"
- "A Cadeira da Águia"
- "Este é meu Credo"
- "Inquieta Companhia"
- "Geografia do Romance"
- "Em 68"
- "A Vontade e a Fortuna"
- "Todas as Famílias Felizes"
- "Adão no Éden"
Com agências internacionais

segunda-feira, maio 14, 2012

Por que matar jornalistas?

Por Eugênio Bucci em 08/05/2012 na edição 693

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 3/5/2012; intertítulos do OI

Dia 23 de abril, uma segunda-feira, às 23h30, mais um jornalista foi assassinado no Brasil. Décio Sá morreu com seis tiros num bar na cidade de São Luís. Tinha 42 anos e era repórter de O Estado do Maranhão. Foi o quarto profissional de imprensa assassinado no país em 2012, o que eleva o Brasil ao topo de um ranking macabro na América Latina. Dois suspeitos de serem cúmplices do assassinato de Décio Sá estão presos, mas a impunidade não está afastada. Ao contrário. O histórico das investigações policiais não é positivo, em geral. Quando o assunto é homicídio de jornalistas, é francamente negativo. Segundo um levantamento recente – que não leva em conta os casos de 2012 –, nos últimos 20 anos 70% desses assassinatos não foram esclarecidos. Contra a imprensa, o crime compensa. Traficantes de drogas, chefes de milícias e autoridades corruptas se revezam na lista de mandantes, mas a polícia não consegue encarcerá-los e a Justiça raramente chega a julgá-los.

O quadro é alarmante, nas palavras de Rupert Colville, porta-voz do Escritório da ONU para Direitos Humanos, com sede na Suíça. Na semana passada, Jamil Chade, correspondente deste jornal em Genebra, reportou a declaração de Colville: “Nós estamos alarmados com o fato de que mais um jornalista foi morto no Brasil neste ano. (...) Pedimos ao governo (brasileiro) para implementar imediatamente medidas de proteção para prevenir novos incidentes.”

Ele tem razão. Um país em que os repórteres são fuzilados dessa forma é um país em que o direito à informação está sendo sequestrado. Se esses crimes prosperam, a liberdade de imprensa reflui, obrigatoriamente. Com eles vem a autocensura, no mínimo. Para proteger a vida de seus funcionários, os jornais passam a internalizar o medo. Não há como evitar. É o que vem acontecendo com várias redações jornalísticas no México.

“Um Estado criminal perfeito”
Na quinta-feira (26/4), em palestra no encontro da Associação Mundial de Jornais (WAN-Ifra), em Santiago, no Chile, o jornalista mexicano Javier Garza, do diário El Siglo de Torreón, mostrou o que a guerra do tráfico produziu em seu país. Apenas em 2011, 6 mil pessoas foram assassinadas. Repórteres e editores sofrem ameaças diárias. Regularmente, os bandidos metralham com AK-47 a fachada de residências de jornalistas e com isso aterrorizam as famílias. Resultado: as redações deixam de cobrir e publicar tudo o que deveriam cobrir e publicar. Não é para menos. Na situação de insegurança absoluta em que vivem algumas cidades mexicanas hoje, enviar equipes para fotografar o local onde acaba de acontecer um massacre pode representar risco de morte.

Em suma, se os jornais não podem cobrir, o cidadão não pode saber o que se passa em sua cidade, em seu país. Com impunidade garantida, os criminosos escapam ilesos, deixando no ar a perturbadora hipótese de que haveria um acumpliciamento entre autoridades inertes e bandidos sanguinários. As primeiras não fazem nada, os segundos atiram à vontade.

Foi exatamente esse o cenário que descreveu outra jornalista mexicana, Anabel Hernández, que também fez uma palestra em Santiago na semana que passou. Repórter investigativa, ganhadora do Prêmio Pluma de Oro pela Liberdade 2012, conferido pela Associação Mundial de Jornais, Anabel usou palavras fortes: “Hoje, no México, existe um Estado criminal perfeito. E pensar isso, dizer isso, escrever isso é mais perigoso do que ser narcotraficante ou trabalhar para o narcotráfico.”

Matam jornalistas para oprimir o público
Voltemos, então, à nossa pergunta: por que matar jornalistas?

Se o Estado não cumpre seu dever de garantir o direito à vida e à segurança do povo, ele automaticamente sabota o direito da sociedade de ter acesso à informação. Em outras palavras: se o que vale é a lei da selva, não existem mais as premissas para que a instituição da imprensa sobreviva. Por isso a ONU tem razão de exigir de governos e das autoridades o esclarecimento e o julgamento dos crimes praticados contra jornalistas. O Estado é, sim, responsável pelo caos – um caos desinformativo, é bom frisar – a que estão submetidas muitas comunidades no México – e algumas famílias no Brasil.

Por esse ângulo, nós podemos enxergar com nitidez cristalina, quase como se fosse com lupa, os laços pelos quais a corrupção, a inoperância judicial, o tráfico de drogas e os bandos de extermínio se associam numa simbiose necessária. A todos esses polos da criminalidade interessa exercer o mando pela violência privatizada e ilegal. Para tanto a eles interessa também suprimir a imprensa livre. Coerentemente, dividem as tarefas: uns matam os repórteres, outros garantem a impunidade – pois a impunidade só é realmente viável quando a imprensa está acuada, intimidada, jurada de morte.

Poder Judiciário que não julga, polícia que não investiga, governadores que fingem que não é com eles, traficantes que subornam políticos, milícias que promovem massacres: todos são expoentes distintos de uma mesma máquina que vem minando o Estado de Direito e ameaçando a liberdade. O quadro piora ainda mais quando o poder governamental é mobilizado para prender jornalistas ou para levar jornais à falência. Foi o que tentou fazer, no início deste ano, o presidente do Equador, Rafael Correa, que depois se viu forçado a recuar.

Sem dúvida, há um discurso anti-imprensa, um discurso fanatizante, ganhando volume em nosso continente. Em nome do combate a erros de jornalistas – erros que, por vezes, são de fato lamentáveis –, esse discurso investe não mais contra erros, mas contra a própria instituição da imprensa livre, propondo cerceá-la de mil maneiras diferentes. Nasce daí um caldo de cultura que, demonizando os órgãos de informação, facilita ainda mais a rotina dos narcotraficantes e dos que matam jornalistas – que matam jornalistas para oprimir o público.

***
[Eugênio Bucci é jornalista, professor da ECA-USP e da ESPM]

quinta-feira, maio 10, 2012

Os “sem-campeonato”

Blog do Serginho

  • Sérgio Xavier
  • 10.05.2012

  • Corinthians e Vasco estão felizes da vida com a Libertadores. Santos, Fluminense e Internacional ainda estão com excelentes chances de serem campeões estaduais após os resultados do primeiro jogo da final.

    Palmeiras, Grêmio, Atlético-PR andam com a Copa do Brasil para se divertir. Na outra semana já teremos Campeonato Brasileiro e a maioria dos grandes clubes ainda está ocupada com Libertadores, Copa do Brasil ou estaduais. Os noticiários falam mais dessa turma, o que é absolutamente natural.

    Só que já temos alguns grandes que estão no limbo, que perderam tudo que era possível perder no primeiro semestre. Aí é melancolia pura. O que dizer do Flamengo, que não faz um jogo oficial desde 22 de abril? Ao ser eliminado da Libertadores na primeira fase e na semifinal do estadual, o Flamengo saiu de cena. O Cruzeiro entrou nessa quarta-feira no clubinho dos “sem-campeonato”. Eliminação no Mineiro para o América e desclassicação na Copa do Brasil após duas derrotas para o Atlético-PR. Chato. O Botafogo ainda está vivo no Carioca, só que respira por aparelhos. Precisa reverter no domingo uma vantagem de três gols do Fluminense, algo pouco provável. E nessa quarta também saiu melancolicamente da Copa do Brasil após perder para o Vitória em casa.

    Flamengo, Cruzeiro e Botafogo precisam, antes de chorar as pitangas passadas, abrir bem os olhos. O Campeonato Brasileiro é longo, mas funciona por pontos corridos. Quem entrar desacelerado demais não consegue depois recuperar o prejuízo.

    segunda-feira, maio 07, 2012

    Como Pep se tornou Guardiola

    27/04/2012 - 17h03

    ALEXANDRE GONZALEZDA "SO FOOT"

    "Meu pai diz que preciso me reconverter. Pergunta o que quero fazer da vida. Não sei o que dizer; talvez que não vá fazer nada. Mas ele insiste, quer que eu me mexa, para não passar a imagem de preguiçoso. Mas, pai, talvez eu não faça nada mesmo da vida..."
    Em 2 de agosto de 2006, Josep Guardiola deu uma de suas últimas entrevistas. Poucas semanas antes, ainda jogava no desconhecido Dorados de Sinaloa, time mexicano cujo nome soa mais como uma franquia de beisebol de segunda divisão do que como um clube de futebol profissional.
    O fim de carreira do meia catalão não foi à sua altura e, em suas palavras, sua reconversão também não parece lá muito bem encaminhada. Mas, atrás do discurso depressivo, o que Guardiola não diz é que passou o verão em Madri. E que sabe exatamente para onde vai.

    DIPLOMA
    O mês de julho de 2006 é intenso para o ex-capitão do Barça. Todo dia, ele vai até o subúrbio de La Rosas, rumo à Ciudad del Fútbol, na capital da Espanha. Lá, acompanha aulas com assiduidade, preparando-se para se diplomar treinador. O aluno é aplicado e talentoso.
    "A escola nacional de futebol espanhola não tem ranking de classificação para os diplomados, mas posso dizer tranquilamente que Guardiola estava entre os três melhores da classe", lembra Oscar Callejo, secretário da escola.
    Com o diploma em mãos, Guardiola não se dá por satisfeito. Para completar a formação, aconselha-se com treinadores que admira.
    "Ele ligou para mim e para um monte de outros treinadores. Hoje parece coisa de doido: ligar para falar de jogo, analisar, descascar. Ele tem uma sede insaciável de debater. Eu sabia quando começavam as conversas com ele, mas nunca quando iam terminar", diz o técnico argentino Angel Cappa.
    Ex-adjunto de César Luis Menotti e depois de Jorge Valdano no Real Madrid, treinador do Huracan e do River Plate -foi quem descobriu Javier Pastore-, Cappa foi para a casa de Guardiola em Barcelona no final de 2006. "Não sei se ele já pensava em ser treinador, mas para mim era óbvio. É raro um jogador querer tanto colocar um jogo numa mesa de dissecação."

    LA VOLPE
    Obsessivo e perfeccionista, Pep lista os técnicos com quem os quais gostaria de conversar. O primeiro é um argentino de bigode ameaçador, desconhecido na Europa, Ricardo La Volpe.
    Na Copa do Mundo de 2006, Guardiola escreveu no jornal "El País", e suas análises dos jogos e reflexões sobre futebol deixaram muita gente desconcertada. Só uma seleção agrada ao catalão. Não é a Alemanha de Jürgen Klinsmann, nem a Itália de Marcello Lippi, mas o México de La Volpe.
    Ele escreveu: "Johan Cruyff dizia: o mais importante no futebol é que os melhores jogadores sejam os zagueiros. Se você sai com a bola, consegue jogar; se não, não faz nada. Johan diz que a bola equilibra um time. Se perde a bola, o time se desequilibra; se perde pouco, consegue manter o equilíbrio. La Volpe decidiu que sua defesa saísse jogando, e não que começasse jogando, o que é diferente.
    "Para La Volpe, começar a jogar é tocar a bola entre os zagueiros, sem maiores intenções. Mas La Volpe os obriga a fazer outra coisa. Ele os obriga a sair jogando, obriga os jogadores e a bola a avançarem juntos e ao mesmo tempo. Soube que, nos treinos, La Volpe pede aos zagueiros que corram com a bola por 30 minutos sem parar. Se alguém faz um passe errado, se o campo não é usado em toda a sua extensão, se um passe não é dado para o goleiro como manda o jogo, ele pede para recomeçar do zero.
    "Ele corrige, grita, e tudo recomeça. Uma vez, depois outra. Cem vezes, se for preciso. E ver seu México jogar é fantástico."
    Nem mais nem menos do que uma declaração de amor.
    Mesmo que isso não agrade a Guardiola e ao seu romantismo, La Volpe foi demitido após ser eliminado nas oitavas de final, apesar de os mexicanos terem dominado a Argentina durante todo o jogo; o futebol só vive de vitórias.
    Pouco acostumado a falar com a imprensa, La Volpe declarou: "Sei que Guardiola mencionou meu nome várias vezes, dizendo que fui um dos que mais o influenciaram. Talvez se inspirasse em mim nas triangulações ao chegar à área adversária. E disseram que dedicou a mim a Liga dos Campeões de 2009 [Barcelona 2 x 0 Manchester United], mas ele nunca me disse isso.
    "Acho que seguimos o mesmo caminho. Gostamos de tomar a iniciativa do jogo, que o jogador assuma a responsabilidade de conduzi-lo. É assim que se faz bom futebol. Ele faz isso e ainda vence. Alguns de nós foram criticados por tentar e não vencer, é a regra do jogo".
    La Volpe seria demitido do Boca Juniors (2006), do Vélez Sarsfield (2007), do Monterrey (2008) e da seleção da Costa Rica (2011). Apaixonado pelo método argentino, como mostram suas relações com Cappa e La Volpe, por fim Guardiola atravessa o Atlântico.
    Aproveitou uma viagem a trabalho de seu amigo David Tureba, cineasta e escritor, para voar a Buenos Aires. Era outubro de 2006.

    ARGENTINA
    Na capital argentina, Pep deixou sua bagagem num hotel do bairro de Palermo. A primeira visita que fez não foi a um treinador, mas a um nerd louro, um Mark Zuckerberg argentino, de cabelo comprido. Matias Manna é o criador do blog Paradigma Guardiola (paradigmaguardiola.blogspot.com). Ele analisa, com vídeos, pausas e reflexões perspicazes, o futebol de Pep.
    "Desde 2005, vou decifrando a maneira de pensar e as convicções futebolísticas de Guardiola", diz Manna. Ele conta como começou sua amizade com o atual treinador do Barcelona: "Eu o contatei por e-mail e ele respondeu. Sempre se mostrou aberto. Um dia, disse que estava vindo à Argentina e propôs um encontro. Passamos um dia juntos. Falamos muito de futebol.
    "Dei a ele o livro 'Lo Suficientemente Loco', uma biografia de Marcelo Bielsa. Ele me agradeceu e foi deixar as malas no quarto. Quando desceu, minutos depois, citou quatro ou cinco conceitos de jogo que estavam no livro. Isto é: no elevador, voltando do quarto, já tinha entendido a essência."
    No dia seguinte, Guardiola decidiu assistir a um River-Boca, no Monumental de Nuñez. Seu ex-colega no Dorados Angel "Matute" Morales, conseguiu um ingresso para ele. Pep se misturou à multidão e, na fila para entrar, foi parado por seguranças. "Não o reconheceram", conta Morales. "Foi revistado como qualquer um, mas não disse uma palavra, não protestou."
    Seu caminho o levou a César Luis Menotti, técnico campeão do mundo em 1978 e técnico do "seu" Barça na temporada 1983-84.
    Como um velho sábio, Menotti recebeu aquele que, por enquanto, era só um jovem aposentado do futebol. O encontro aconteceu num restaurante do bairro de Belgrano, em meio a uma nuvem de fumaça de cigarro e cheiro de uísque.
    "Quando Pep me procurou, algo já o distinguia: ele tinha ideias claras. Não chegou como outros, que queriam que eu desse o caminho, como se fosse o Messias. Ele já sabia. Então disse a ele: 'Quer ser treinador? Não tenha dúvidas, vá fundo. Seja treinador, e assim as críticas serão mais bem divididas, não vão mais ser só para mim'."
    Guardiola deixou-se seduzir e também tranquilizar pelo discurso radical do mentor de Maradona. O terceiro e último encontro irá confortá-lo ainda mais na sua decisão.
    EREMITA
    Maximo Paz, província de Santa Fe. Josep Guardiola marcou um encontro com o eremita do futebol argentino, "el loco" Marcelo Bielsa. Então afastado do futebol desde 2004, Bielsa vivia confinado em casa, sem dar sinais de vida.
    Guardiola conseguiu o encontro graças a Lorenzo Buenaventura, seu treinador pessoal quando jogava na Itália e ex-adjunto de Luis Bonini, o braço direito de Bielsa. Hoje, Buenaventura é o preparador físico do Barcelona. A fascinação de Guardiola por Bielsa data da Copa do Mundo asiática de 2002, quando "el loco" treinava a seleção argentina.
    Na época, Guardiola declarou: "Para mim, o time mais interessante do torneio é a Argentina, mesmo que não tenha passado da primeira fase. Jogou muito bem, apesar de vivermos num mundo onde, se você ganha, é bom, mesmo que não tenha ficado com a bola; e, se você perde, não importa se tentou, se teve a bola, se o time estava organizado e se tinha apostado no 3-4-3, como Bielsa fez. Você perde e é um fiasco. Vejo isso de outra forma."
    Por 12 horas, em volta de um "asado" (churrasco argentino), os dois conversaram, assistiram a trechos de jogos, debateram, brigaram, se reconciliaram e recomeçaram. Um tema, ou melhor, um homem os une acima de tudo: Louis van Gaal.
    O técnico holandês é o único europeu que Bielsa já tomou como exemplo: "O modelo estrangeiro que mais me agrada é o do Ajax de Van Gaal. Ele tem um time flexível para compor suas linhas conforme as exigências do adversário na hora de recuperar a bola. O que interessa é que o time tenha um projeto de jogo próprio nos momentos ofensivos. Calculei que o Ajax dava uma média de 37 passes para trás. O torcedor via isso como recusa a jogar, mas esse passe para trás era o início de um novo ataque."
    No seu livro "Mi Gente, Mi Fútbol" (2001), Guardiola diz o mesmo de seu treinador: "Poucos times me seduziram tanto quanto o do Ajax de Van Gaal, com sua facilidade para criar o jogo da defesa, a velocidade dos jogadores das laterais e seu modo de passar a bola. Aquele Ajax conseguia resolver de maneira fantástica todos os 'um contra um' de um jogo. No ataque e na defesa. Assumiam todos os riscos que um time pode correr.
    "Aquele Ajax tinha algo que me surpreendia, espantava, maravilhava. A disciplina do posicionamento. A posse de bola como ideia de base. O jogo constantemente sustentado. Os movimentos de dois toques... E eles faziam isso de forma tão simples quanto sublime. O Ajax de Van Gaal dava aulas de futebol aos que conheciam perfeitamente o jogo."

    'SANGUE'
    Nutrido pelo futebol total de Johan Cruyff, Guardiola consegue, acima de tudo, aplicar maravilhosamente bem os preceitos de Bielsa. "Procuro ocupar as laterais, porque a maioria das situações perigosas vem delas. O contrário significa centralizar o jogo. Qualquer estudo revela que 50% dos gols finalizados vêm das laterais. Se um treinador quer que o time domine o jogo, deve posicionar no mínimo dois jogadores por setor. Nunca posiciono os jogadores com o intuito de atacar usando o contra-ataque.
    "Para mim, trata-se, antes de mais nada, de uma questão de posse de bola. Se der para ficar com ela, por que devolvê-la? Não preparo um time para esperar. Um grande time não é condicionado pelo rival. O fundamental é ocupar direito o campo, ter um time curto, com uma linha de defesa e uma de ataque separadas por no máximo 25 metros, e que nenhum zagueiro esteja ocupado marcando um adversário que não existe."
    Tocado pela sinceridade quase ingênua de Guardiola, Bielsa perguntou: "Você, que conhece toda a sujeira do mundo do futebol, o alto grau de desonestidade de certas pessoas, por que quer tanto voltar e treinar jogadores? Gosta tanto desse sangue?". Guardiola respondeu: "Preciso desse sangue".
    O fato é que o catalão vai usar outro método de Bielsa, o de não entregar nada à imprensa. Recluso no seu silêncio há mais de uma década, o argentino havia justificado assim sua vontade de não falar: "Por que eu deveria dar entrevista a um jornalista poderoso e negá-la a um repórter do interior? Por que deveria participar de um programa que tem picos de audiência toda vez que apareço e não me deslocar até uma pequeno rádio local? Qual a lógica? Meu interesse?".
    Guardiola se apoderou da fórmula. Depois de virar treinador do Barça, não deu mais nenhuma entrevista individual. Só vai às coletivas obrigatórias do clube.

    JOGO BONITO
    Pep voltou à Espanha está seguro de si como nunca. Dias depois de deixar a Argentina, em 22 de outubro de 2006, declarou ao jornal "Marca": "Por que não poderíamos ter treinadores que defendam o jogo bonito? Converso com muitos treinadores: 'Como é esse jogador? Como faz aquele?'. Mas não tem receita. No futebol, ganha-se com estilos muito diferentes. Precisamos fazer as coisas como as sentimos. É a partir da bola que se constrói um time."

    Em 2006, Josep Guardiola tinha 35 anos, tinha ideias, mas continuava desempregado. "Seu" clube, embora fosse campeão europeu, estava desabando. Contagiado pela suficiência, o Barça de Frank Rijkaard vivia suas últimas horas de glória. Txiki Begiristain, diretor esportivo do Barcelona e braço direito de Joan Laporta, logo foi consultado por alguns dirigentes, sabendo das intenções de Guardiola.
    Begiristain então decidiu, para que seu ex-colega se acostumasse, confiar a ele a direção da categoria de base e dar a Luís Enrique o Barça B. Desapontado, mas leal a seu clube de sempre, Pep aceitou. Só pediu um último encontro com Begiristain. "Pep me falou sobre sua vontade de treinar. Entendi que era o momento dele", diz o ex-diretor dos esportes do Barça.
    Em 21 de junho de 2007, seis meses depois da viagem à Argentina, Guardiola foi nomeado treinador do Barça B, que estava na terceira divisão do campeonato espanhol.
    Munido de princípios e teorias, foi confrontado pela primeira vez com a realidade da vida de treinador. Alertado por amigos sobre as dificuldades das divisões inferiores, o primeiro trabalho do técnico "blau-grana" (azul e grená) consistiu na seleção de um grupo.
    Ele tinha poucos dias para reduzir o número de jogadores de 50 a 23, destruindo o sonho de vários. As primeiras dúvidas surgiram logo no primeiro jogo, que acabou... em derrota. Guardiola se empenhou, construiu um time no qual um certo Sergio Busquets se impôs no meio do campo; no qual, na ponta direita, Pedro Rodriguez oferecia seu jogo feito de percussões.
    Dois meses após o início do campeonato, Guardiola resumiu: "Ser treinador é fascinante. É por isso que os treinadores acham tão difícil parar. O trabalho traz uma sensação permanente de excitação, de que o cérebro gira o tempo todo a cem por hora. Começar na terceira divisão me tornará um treinador melhor, se um dia eu ocupar o banco de um profissional. Hoje sou melhor que dois meses atrás.
    "Nunca tinha sido confrontado com 25 caras esperando que eu dissesse algo. Hoje posso ficar tranquilo na frente deles. Antes, no intervalo, não sabia o que dizer."

    NÚMERO UM
    Guardiola sabia as palavras certas, seu time venceu o campeonato e o Barça B subiu para a segunda divisão.
    Ao mesmo tempo, no andar de cima, Rijkaard deixou escapar para o Real, pela segunda vez seguida, uma liga que estava na mão. Laporta entendia que o holandês não tinha mais autoridade sobre um grupo dominado pelos egos de Ronaldinho Gaúcho e Samuel Eto'o. Começou então uma disputa de poder nos bastidores do Camp Nou entre os conselheiros do presidente.
    Laporta conta: "Minha ideia era que Johan [Cruyff] treinasse o time, tendo Pep como adjunto, e que, na temporada seguinte, ele virasse o número um. Johan não disse nada. Eu o conheço, sei que toma decisões rápido. Por fim, ele me disse que deveríamos nomear Pep logo. Txiki concordava: 'Guardiola está pronto para ser treinador do primeiro time'. Propus essa solução numa reunião. Alguns eram a favor, outros queriam Mourinho. Falei: 'Mourinho não, vai ser o Pep'."
    Em 8 de maio de 2008, menos de dois anos depois de receber o diploma de treinador, Guardiola foi nomeado técnico do time do qual fora capitão e símbolo por cerca de dez anos. Sua primeira medida foi impor o afastamento das três estrelas: Ronaldinho, Deco e Eto'o.
    Os dois primeiros aceitaram; o camaronês ganhou uma temporada de descanso. No primeiro treino, Pep se dirigiu aos jogadores: "Não vou prometer que vamos ganhar títulos. Vamos tentar. Mas apertem bem os cintos, porque vocês vão passar ótimos momentos."
    Pep acabava de se tornar Guardiola.

    Tradução de SOPHIE BERNARD.
    Colaboraram Javier Prieto Santos e Aquiles Furlone, de Buenos Aires.

    Os caminhos da pequena imprensa independente

    OI NA TV

    Por Lilia Diniz em 02/05/2012 na edição 692

    Os royalties do pré-sal, um dos vetores do desenvolvimento do país, poderá causar um forte impacto na economia de diversas cidades do litoral brasileiro entre o Espírito Santo e Santa Catarina. Mas a pequena imprensa destas localidades também será beneficiada com os royalties que podem triplicar nos próximos anos? Para comemorar os 14 anos do Observatório da Imprensa na TV Brasil, o programa exibiu uma edição especial na terça-feira (1/5) dedicada à mídia regional. O programa ouviu a opinião de representantes da imprensa de Campos e Macaé, no Rio de Janeiro; de Vitória, no Espírito Santo e de Santos e São Sebastião, no litoral paulista. Entrevistou também especialistas em Comunicação e Publicidade. A equipe do programa percorreu cerca de 3 mil quilômetros e gravou 17 entrevistas em ao longo de três meses.
    Alberto Dines gravou o editorial que abriu o programa em um navio petroleiro da Petrobras. Dines explicou que o fato de o pré-sal estar próximo aos locais onde estão instalados os maiores grupos de comunicação do país – nas regiões Sul e Sudeste – não garante que a população será bem informada. “A grande imprensa precisa de uma pequena imprensa e ela, sim, pode ser a fiscal da sustentabilidade. Uma pequena imprensa local precisa ser reflexo de uma economia ativa, movimentada, sem interesses espúrios forçando o noticiário para um lado ou para o outro”, alertou. A sentinela da sustentabilidade do projeto do pré-sal e de outros polos de desenvolvimento futuros, na opinião de Dines, será sempre uma pequena imprensa ágil, livre e, sobretudo, independente.
    Atualmente, o petróleo é responsável por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e o percentual pode dobrar em oito anos. O economista Sérgio Besserman chamou a atenção para a necessidade de um planejamento voltado para o desenvolvimento humano: “Se a gente pensar só em crescimento do PIB desses municípios, em dinheiro estritamente, é garantido que eles vão ter uma aceleração nos próximos anos muito grande. Nada garante os anos que virão depois. Mas nós sabemos que o desenvolvimento não é só isso, é também o desenvolvimento social”.
    A chave para responder a essa questão, na avaliação do economista, é o conhecimento. “Aproveitar esse afluxo de recursos, investimentos e maximizar as oportunidades de acessar conhecimento daquela população. Qualidade de ensino público é, obviamente, um dos fatores centrais, mas não se esgota aí. É fazer aquela sociedade valorizar o conhecimento, toda ela – nas escolas, os pais, os fornecedores de serviços, o motorista de táxi – para atrair centro produtores de conhecimento”.
    Sem confiança
    O economista Cláudio Paiva ressaltou que a experiência tem mostrado que a divisão dos royalties do petróleo é inadequada: “A pulverização desses recursos para os municípios necessariamente leva à corrupção, ao recurso que vai para o ralo, porque os municípios não têm capacidade institucional para o planejamento das ações. Há malversação desses recursos públicos, [em] projetos faraônicos”. Paiva argumentou que é preciso haver um controle social rigoroso sobre a aplicação desse dinheiro. Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), acredita que a população local não é bem informada sobre os números reais dos royalties do petróleo: “Esse pulo da produção, três vezes maior, vai também gerar três vezes mais dinheiro para os municípios e estados. Independente do Congresso Nacional aprovar uma nova distribuição, diferente da atual, vai haver mais recursos nos municípios e estados”.
    O principal problema da imprensa regional brasileira, na avaliação do jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, é resultado da demora para que locais mais distantes dos grandes centros urbanos se transformassem em comunidades capazes de manter um jornal vibrante e independente. “Com exceção de alguns poucos títulos, nos polos de desenvolvimento do país, até 15, 20 anos atrás era raríssimo encontrar um jornal de alcance estadual ou de região dentro de um estado que fosse capaz de sobreviver apenas com a sua receita de circulação e de publicidade”, afirmou o jornalista.
    Um exemplo do enfraquecimento da imprensa do interior é o destino do jornal Monitor Campista. Publicado durante 175 anos no norte fluminense, o jornal parou suas rotativas em 2009. De acordo com os Diários Associados, grupo que controlava o Monitor, o fechamento foi causado por questões econômicas. Para o professor Vítor Menezes, da Uniflu, há também componentes políticos. “O Monitor Campista era um jornal que conseguia se colocar de modo mais digno com relação às questões políticas locais. Houve manifestação na porta do jornal, houve uma ou outra voz se rebelando contra a perda, que não é só uma perda para o jornalismo, é uma perda histórica, é uma perda cultural. Mas não foi muito além disso em uma cidade com orçamento de R$ 2 bilhões e uma região que se diz promissora em termos empresariais, econômicos. Esse jornal não pareceu fazer falta a uma sociedade dessa”.
    De acordo com o professor, parte da população campista não vê a imprensa como uma instituição relevante. “A gente tem uma imprensa aqui muito polarizada. Eu acho que isso é muito comum na imprensa regional, onde os veículos de comunicação se comportam como correias de transmissão das disputas políticas locais. Às vezes, a gente identifica de forma mais açodada questões financeiras ligadas ao falecimento dos jornais, mas também não temos tido uma sociedade que cobre a sobrevida desses jornais. Não é só dinheiro que faz jornalismo. É a vontade da sociedade em manter as suas instituições e manter também o jornalismo no papel que ele deve ser desempenhado”, avaliou Vitor Menezes. A imprensa regional acaba se atendo a responderdisputas de interesse local que, muitas vezes, não têm interesse jornalístico.
    O panorama se reflete em Macaé, cidade que cresceu no lastro do petróleo a partir dos anos 1970 e tem alto índice de concentração de riqueza. “Existiamgrupos de imprensa, na época, que também eram jornais pequenos, provincianos, que se tornaram conglomerados. Essa concentração de poder, de dinheiro, na mão desses políticos, fez com que a imprensa se tornasse viciada porque tudo passou a girar em torno do dinheiro”, disse André Luiz Cabral, fundador do jornal Expresso Regional.
    “A imprensa de Macaé hoje é uma imprensa em que a gente não pode confiar. Eu falo isso como jornalista, o que me dá uma tristeza muito grande. Ver em jornais, rádios, blogs, páginas em redes sociais, pessoas autoproclamadas jornalistas e até jornalistas mesmo com um certo nome de tradição na região, se venderem, se corromperem, inventarem mentiras, pessoalizarem processos políticos, adjetivarem matérias e usarem tantos artifícios que não condizem com jornalismo”, lamentou Cabral.
    Segredo de Polichinelo
    Em São Sebastião a imprensa também enfrenta dificuldades estruturais. Henrique Veltman, que foi proprietário do jornal Imprensa Livre entre os anos de 2001 a 2006, classifica o litoral paulista como um deserto de ideias e de competências:“Eu tive uma repórter em Caraguatatuba que era pós-graduada pela Universidade de Taubaté e era absolutamente analfabeta. É um exemplo clássico do que a gente tinha lá. O jornal é de um puxa-saquismo... São muito pouco interessados no bem-estar da população local. Muito pouco consistentes, mal escritos, textos ruins, conteúdo de má qualidade. Às vezes aparece uma coisa boa, mas é sem querer. Às vezes aparece um carinha escrevendo direitinho. E há os colaboradores locais. Então o cara, o advogado, o dono da mercearia diz: ‘Ah, eu fiz uma poesia para o aniversário da minha mãe’. ‘Então, bota lá’.Proust impera no litoral: estamos todos em busca do tempo perdido”.
    O Observatório discutiu a controversa relação da pequena imprensa com o poder local. Barbosa Lemos, diretor geral da Rádio Campos Difusora, admitiu que a mídia do interior não se mantém sem o apoio do poder: “Ninguém consegue, em sã consciência, fazer um jornalismo, um rádio, eminentemente independente. Existe, sim, comprometimento. Sem comprometimento você não sobrevive, não tem como”. José Roberto Mingnone, gerente de programaçao da Rede Sim, de Vitória, completou: “A gente não tem condições de ter essa independência por umas questões lógicas. Precisamos ser independente, mas tem que chegar com o pires na mão”.
    André Cabral explicou que há um ciclo vicioso nessa relação entre política e mídia em cidades pequenas. “Quem está no poder quer continuar no poder, não quer sair de jeito nenhum. Todo mundo que fala contra ele, ou contra o que ele está fazendo, ele vai tentar neutralizar de alguma forma. Se não consegue comprar aquele cidadão, faz um acordo financeiro para a aquela pessoa mudar o discurso. O governante vai ao comerciante e fala: ‘Você vai anunciar nesse jornal? Esse jornal é meu inimigo’”.
    Para a imprensa do interior, não é fácil manter-se à parte das lutaspelo poder protagonizadas por políticos. “Os veículos, como não são feitos em Marte, são feitos dentro de um determinado contexto histórico e econômico, eles também são parte dessa disputa. Eles se submetem a um determinado cenário e quando menos percebem já não estão mais fazendo jornalismo direito. Estão fazendo nas Redações material quase publicitário dos interesses do dono do veículo ou do padrinho político ou do eventual patrocinador daquele determinado veículo. Enfrentar essas coisas é difícil porque passa por uma questão de sobrevivência econômica”, explicou o professor Vitor Menezes.
    Esta relação torna-se ainda mais complicada em pequenas cidades por conta de laços de amizade dos donos de jornais com políticos. “É muito fácil você encontrar os governantes, encontrar os grandes anunciantes, você ser amigo”, disse Márcio Delfim, gerente de comercialização e marketing do jornal A Tribuna, de Santos. Vitor Menezes explicou que um veículo de comunicação do interior não olha uma prefeitura como um agente público que deve ser cobrado, mas sim como uma fonte de recurso e um anunciante em potencial.
    “Como ser independente em um cenário desse?”, questionou Vitor Menezes, professor da Uniflu. Ele explicou que há uma interdependência entre a mídia regional e os políticos com variações históricas e também uma interpenetração – porque, no Brasil, alguns grupos poderosos de mídia regional são controlados por famílias de políticos tradicionais.
    O Observatório mostrou a luta do jornal capixaba Século Diário contra o ex-governador Paulo Hartung e grandes empresas que podem estar ameaçando o meio ambiente no Espírito Santo. José Rabelo, coordenador de conteúdodo jornal, contou que a publicação já sofreu mais de 40 processos: “Nós sempre denunciamos irregularidades dos grandes grupos. Quando eu digo grandes grupos, estou falando da Daicros, que hoje é Fibria, a Samaco, a Vale, as grandes mineradoras. A partir do momento em que assumimos essa bandeira de jornalismo denuncista, a gente criou inimigos. E depois a gente vai ter que pagar essa conta. Por um lado, eles não tinham interesse em anunciar conosco. Nós tivemos até alguns momentos em que eles procuraram o jornal querendo restabelecer o canal de comunicação, mas com aquela proposta: ‘A gente anuncia com vocês e vocês aceitam acabar com as matérias contra nós, que denunciam as irregularidades da nossa empresa’”.
    As pressões contra a pequena imprensa chegam à violência física, como ocorreu no jornal Imprensa Livre. De acordo com Henrique Veltman, após uma série de denúncias contra o prefeito Juan Garcia, a prefeitura de São Sebastião decidiu parar de publicar editais no jornal. Em seguida, passou a fiscalizar com maior rigor os comerciantes que anunciavam no Imprensa Livre. “Culmina que em determinada madrugada entra um grupo de bandidos e ataca uma das impressoras. Não destruíram, mas provocaram danos e ameaçaram o pessoal. Havia dois redatores no jornal e botaram arma na cabeça deles. Parece segredo de Polichinelo, todo mundo sabe, quem, onde, quando e como, mas nada aconteceu”. Depois desse episódio, Veltman decidiu vender o jornal para o grupo político ligado ao prefeito.
    Universalização da liberdade
    Uma das principais queixas dos veículos regionais é a falta de publicidade, que acaba comprometendo a independência. Na avaliação de parte dos entrevistados, os políticos locais querem interferir na linha editorial do jornal em troca de publicidade. Já as grandes empresas e o poder público federal têm preconceito com os jornais do interior e preferem publicar os anúncios apenas em jornais de circulação nacional ou em emissoras de rádio ou TV das capitais.
    O vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP),Armando Strozenberg, explicou que os veículos regionais apresentam características diferentes e nem sempre é fácil identificar se um jornal tem credibilidade junto à população local. As informações passadas pelos jornais para os escritórios de representação contratados para fazer a ponte com as agências de publicidades nem sempre correspondem à realidade: “São poucos os veículos que, de fato, podem ter suas próprias equipes fazendo a sua própria venda. E esses escritórios de representação só aceitam veículos quando eles atendem a determinado pormenores ou a um sistema que eles têm de aferição, que lhes permite dizer: ‘Não posso vender gato por lebre’”. Para Strozenberg, a “grande doença” da mídia brasileira são os jornais “bissextos”, que não têm periodicidade regular e os preços não constam em tabelas públicas. São receptáculos de anúncios criados para funcionar como um negócio qualquer e não para serem lidos.
    O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva explicou que é preciso que as comunidades gerem riquezas capazes de manter os jornais com publicidade para que eles possam ser independentes do poder local: “Uns dos segredos, na minha opinião, da força da imprensa norte-americana, e da democracia norte-americana, é o fato de que desde o início do país a imprensa regional existiu e foi forte. À medida em que os trens eram construídos e levados para o resto dos Estados Unidos, eles eram sempre acompanhados por jornalistas. Então, os jornais eram capazes de se sustentar com relativa independência em relação ao governo porque as comunidades locais geravam riqueza capaz de se manter o jornal por meios de anúncios e de publicidade”.
    A mídia local e a nacional são complementares, na opinião de Lins da Silva. “A imprensa regional trata, evidentemente, com mais amplitude e mais profundidade dos problemas daquela comunidade local, enquanto a imprensa nacional trata das grandes questões do país. Portanto, se você tem uma imprensa nacional forte e uma imprensa regional forte, você tem um cidadão bem informado capaz de participar das decisões mais importantes da sua comunidade e do seu país”.
    Venício Lima completou: “A mídia independente, autônoma, forte, é fundamental para o desenvolvimento da própria democracia. Porque, do ponto de vista tanto republicano quanto liberal, seria uma mídia que permitisse a universalização da liberdade de expressão que iria garantir a formação da opinião pública de fato democrática – e nós não temos isso no Brasil”.
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    [Lilia Diniz é jornalista]