sexta-feira, janeiro 24, 2014

Cara de palhaço

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,cara-de-palhaco-,1122213,0.htm

Antero Greco - O Estado de S.Paulo
Muitos anos atrás, Miltinho fazia sucesso com uma música que começava assim: "Cara de palhaço, pinta de palhaço, roupa de palhaço, foi este meu amargo fim..." O veterano artista cantava, lá no tempo do Onça, os desenganos de um apaixonado que quebrou a cara por causa de uma mulher que o fazia de bobo. Canção atualíssima, porque homem vive a cair do cavalo desde que Eva o convenceu a morder a maçã proibida. E não é só no amor.
Taí nossa presidente para provar que a faceirice feminina dribla os marmanjos ao menor descuido. Pois Dilma Rousseff não disse ontem, em encontro com Joseph Blatter, que construir estádios é "coisa relativamente simples"? Com uma frase trivial tratou de convencer a Fifa de que o temor com atrasos nas obras de cinco das 12 praças esportivas previstas para o Mundial não passa de assunto banal. Ninharia que não deveria tirar o sono de ninguém. E bem barata.
Só pode ser conversa fiada, script do jogo de cena em que as duas partes rasgaram elogios mútuos, sorriram para mostrar harmonia e não responderam a perguntas de repórteres. A chefe de Estado falou da boca pra fora. Quem a conhece melhor, crava que o governo está furibundo e preocupado com risco de falhas na organização do torneio e com os cronogramas desprezados.
Não há como justificar a demora. A escolha para receber a competição foi há sete anos, prazo suficiente para trabalhar com calma e planejamento. Trata-se de esculhambação que ultrapassou o limite do folclore e do estereótipo de que sempre damos um jeitinho.
O caso de Curitiba é emblemático da maneira como empurramos com a barriga prazos e compromissos. A ampliação da Arena da Baixada arrasta-se a passos de lesma. Não foi à toa que Jérôme Valcke ficou assustado na vistoria do começo da semana. O secretário-geral da Fifa age como chato. Ok. Desta vez, porém, está com a razão. Os jogos começam daqui a poucos meses e o campo está sem acabamento, sem grama, como se fosse para 2016 ou além...
Os responsáveis pelo projeto prometem entregar o prédio em maio e que não será necessário plano B. Como se isso fosse natural e corriqueiro. Sem motivos, portanto, para o francês se descabelar. Não é assim. Pode ser que, na base de jornadas extras e verbas adicionais, a arena seja concluída em tempo. Mas com que qualidade? Como garantir que serão seguidos padrões de segurança? Quem faz uma reforma frugal em casa sabe como dá dor de cabeça e como existe probabilidade de se concluir no tapa, com arranjos mal ajambrados. O que imaginar de um estádio?
A Copa sairá, disso não duvido - nunca levei a sério as ameaças da Fifa de mandar-se de mala, cuia, seleções e patrocinadores para outra freguesia. Bravatas. A brincadeira terá preço exorbitante, com muito improviso, arremedos e quebra-galhos. Não é catastrófico pensar que, em médio prazo, esses templos da bola engolirão mais dinheiro público em revisões.
E a prezada presidente me vem com essa de que estádios são coisa "razoavelmente simples" de tocar adiante ?! Imagino o sacrifício que seja erguer escolas, creches, hospitais e outros supérfluos. Epa, um Mundial não se faz com hospitais, já constatou o fenômeno do pragmatismo. Vai, Miltinho: "Estavas louca por um trouxa pra fazer cartaz. Na sua lista sou um bobo a mais."
Brasileiro-2013. O Ministério Público de São Paulo revelou, em entrevista à ESPN, que tem certeza de que a Portuguesa sabia que não poderia escalar Héverton na rodada final. Apesar disso, vai empenhar-se para anular os julgamentos que a puniram com a perda de 4 pontos com base no Estatuto do Torcedor.
Eu e outros jornalistas defendemos a boa fé da Lusa desde o primeiro momento, com o desgaste que isso nos provocou. Agora, se teve participação de alguém do clube, será indefensável, tema para inquérito policial. Miltinho, de novo: "Cara de gaiato, pinta de gaiato, roupa de gaiato, foi o que eu arranjei pra mim"...

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Salvador Dalí, sempre atual

http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,salvador-dali-sempre-atual-,1121553,0.htm

Julia Talarn e Hèctor Mariñosa/ Barcelona - EFE
Dalí morreu em 23 de janeiro de 1989 - Reprodução
Reprodução
Dalí morreu em 23 de janeiro de 1989
O gênio de Salvador Dalí continua atual depois de 25 anos da sua morte e suas obras continuam surpreendendo e atraindo o público, que no ano passado abarrotou o Museu Rainha Sofía e o Centro Pompidou, em Paris, para contemplar sua grande retrospectiva. Dali morreu em 23 de janeiro de 1989 em sua cidade natal, Figueres (Girona, Espanha). A personalidade e a trajetória do artista sempre gerou controvérsia, pois são muitos os que ainda lembram da sua simpatia e o seu apoio ao regime franquista e a comercialização das suas obras e da sua imagem durante os últimos anos da sua vida. 

Apesar disto, para a diretora do Centro de Estudios Dalinianos e curadora da exposição no Museu Rainha Sofia, Montse Aguer, Salvador Dalí em geral é “bem avaliado”, embora ela acredite que vai demorar ainda para “captar a importância de um artista interessado em temas tão distintos, o que o transformou num “personagem difícil de estudar e compreender”. “O importante é que falem de você, mas que falem bem”, lembra Montse Aguer, citando uma das frases preferidas do pintor. 

Segundo ela, hoje “quase todo mundo fala bem de Dalí” e o tempo fará com que a sociedade dê mais valor à sua projeção como artista e pensador. “25 anos não são nada na história da arte”, assinalou. Neste sentido, o crítico e historiador de arte Daniel Giralt-Miracle, disse que Dalí foi uma figura “plurivalente” que teve a repercussão política que desejava: “Sua vontade era ter pessoas a favor e pessoas contra”. E o fato de, 25 anos após a sua morte, ainda provocar discussão, significa que “ele planejou bem”. 

Se Dali desejava ter repercussão junto ao público, as últimas cifras mostram o entusiasmo que ainda provoca sua obra surrealista, uma arte que tem o dom de não envelhecer e que transformou o artista num autêntico fenômeno da cultura de massa. Na última retrospectiva de Salvador Dali, de 22 a 25 de março do ano passado, o Centro Pompidou, em Paris, pela primeira vez na sua história, precisou abrir suas portas 24 horas diariamente nos últimos dias da exposição, que recebeu 790.090 visitantes. Esta foi a segunda exposição mais vista na história do museu, superada apenas por uma outra, do próprio Salvador Dali, numa outra retrospectiva também no Centro Pompidou em 1979, vista por 8840.662 pessoas. 
 

A “febre” para contemplar a exuberante imaginação do artista passou depois para o museu Rainha Sofia, onde em quatro meses atraiu 732.229 visitantes. Foi a exposição mais visitada na história de Madri. Paralelamente, o número de visitas aos museus da Fudação Gala-Salvador Dali em Figueres, Púbol e Portllitat, na região da Gironda (todos na Catalunha) bateu recordes no ano passado, tendo chegado a 1.580.517 visitantes, muitos vindos de todos os cantos do planeta. 

Para Montse Aguer, apesar de a arte de Dali se inscrever nas correntes do século passado, ela continua “muito atual” porque o artista tinha “uma capacidade de antecipação” e também de “provocação”, e por isso atrai tanto o público adulto como jovens e até crianças. Mas a figura de Salvador Dalí superou nos últimos anos a sua produção artística, e os múltiplos aspectos da sua vida ainda despertam interesse, como prova o surgimento constante de livros que analisam sua produção, seu pensamento, ou sua biografia, e entre os últimos publicados está Querido Salvador querido Lorquito, que reúne toda a correspondência entre Dalí e Federico García Lorca. 

Salvador Dalí será homenageado esta semana em seu povoado natal de Figueres e em Cadaqués, onde residiu grande parte da sua vida, com oferendas de flores e diversas atividades que lembrarão o mais universal artista catalão. TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Nosso herói

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nosso-heroi-,1119026,0.htm

Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo

Acho que falo por todos os gordinhos sem graça do mundo, por todos os homens por quem ninguém dá nada, todos os com cara daqueles tios que nas festas de família ficam num canto e nem os cachorros lhes dão atenção, ou fazem xixi no seu sapato, todos os que se apaixonam mas não têm coragem de se aproximar da mulher amada, quanto mais declarar sua paixão, todos os que são chamados de "chuchu", mas não é um termo carinhoso, é uma referência ao legume sem gosto, todos os sem sal, os sem encanto, os sem carisma, os sem traquejo, os sem lábia - enfim, os sem chance - do mundo se disser que o François Hollande é o nosso herói. Ele é tudo que nós somos e não somos. É um dos nossos, mas com uma diferença: no caso dele era disfarce.
A companheira de Hollande, Valerie Trierweiler, que mora com ele no palácio presidencial e o acompanha em eventos oficiais e viagens, e que também é chamada de Rottweiler pela ferocidade canina da sua dedicação ao presidente, está internada com uma crise nervosa provocada pela revelação de que François tem uma amante, a atriz Julie Gayet, com quem costuma se encontrar num apartamento perto do palácio. Hollande já teve como companheira uma das mulheres mais interessantes da França, Ségolène Royal, com quem a fera teve quatro filhos. A pergunta que se faz na França é: o que exatamente esse homem tem que explique seu sucesso com as mulheres? A questão não tem nada a ver com direito à privacidade. Trata-se de uma curiosidade científica. Se o que ele tem, e disfarça com aquela cara, puder ser reproduzido em laboratório será um alento para a nossa categoria.
E nossa admiração só aumenta com os detalhes das escapadas de Hollande. Ele vai para seus encontros com Julie numa motocicleta. O Hollande vai para seus encontros com a amante montado numa motocicleta! Pintado no seu capacete, quem sabe, um galo, símbolo ao mesmo tempo da França e do seu próprio vigor. Ainda há esperança, portanto. Se ele pode, nós também podemos. Pois se François Hollande nos ensina alguma coisa é que biologia não é, afinal, destino.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Arquivo britânico coloca na internet cerca de 2 mil relatos de soldados da 1.ª Guerra

http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,arquivo-britanico-coloca-na-internet-cerca-de-2-mil-relatos-de-soldados-da-1-guerra,1118456,0.htm

Às vésperas do centenário do início da Primeira Guerra Mundial, o Arquivo Nacional Britânico publica na internet o primeiro lote de diários escritos por soldados durante o conflito que matou milhões de combatentes entre 1914 e 1918, no Reino Unido. Ao todo, já foram digitalizadas mais de 1,5 milhão de páginas, que serão disponibilizadas ao público ao longo da celebração da data, que na Inglaterra terá duração de cinco anos.
Por ora, podem ser consultados, gratuitamente (o download é pago), 1.944 diários escritos entre o começo da guerra, em 28 de julho de 1914, e a partida das tropas da França e de Flanders, em 1919. São relatórios sobre as atividades cotidianas – de trabalho e de lazer, e são, sobretudo, relatos dos horrores que os soldados vivenciaram naquele período.
O público e pesquisadores podem fazer buscas por regimento, batalhão, brigada ou divisão no site www.nationalarchives.gov.uk.
Os diários dos soldados do Primeiro Batalhão do País de Gales, por exemplo, estão entre os documentos digitalizados. Eles dão uma mostra da ansiedade e do terror que pairavam na abertura do conflito – com as batalhas de Marne e Aisne. Eles também revelam inúmeras competições de cabo de guerra, partidas de rúgbi e jantares de despedida que marcaram o fim da guerra.
O material reflete os anseios e temores daqueles que estiveram no front da batalha. “Por toda a parte os mesmos sinais severos e implacáveis da batalha e da guerra”, relata, de uma trincheira, rodeado de corpos e roupas manchadas de sangue, o capitão James Paterson em seu diário pessoal.
“Há pobres rapazes mortos, caídos em todas as direções. Alguns são os nossos soldados”, escreve o militar britânico em uma das 1,5 milhão de páginas conservadas pelo arquivo do Reino Unido, um país para quem a Primeira Guerra Mundial é motivo de controvérsias entre historiadores e políticos.
O material divulgado ontem representa um quinto dos diários de seu acervo e abarcam os registros de três divisões de cavalaria e sete de infantaria do exército britânico. Os arquivos originais podiam ser consultados desde a década de 1960, mas o Arquivo Britânico acredita que sua publicação na internet ampliará seu acesso.
“Disponibilizar as páginas dos diários da Primeira Guerra Mundial online permite que pessoas de todo o mundo descubram as atividades diárias, histórias e batalhas de cada grupo. A iniciativa também oferece a oportunidade de o público, dos interessados em História, familiares dos soldados e historiadores explorarem informações que podem levar a novas descobertas e perspectivas acerca desse importante período da história”, diz William Spencer, especialista da instituição.
Um século depois que o Reino Unido lutou ao lado dos Aliados, o conflito ainda é capaz de criar polêmica no país, como a iniciada há poucos dias pelo ministro da Educação, o conservador Michael Grove, que acusou “historiadores de esquerda” de minimizarem a disputa.
Em um artigo no jornal sensacionalista Daily Mail, o ministro criticou o professor da universidade de Cambridge e colunista do diário Guardian, Richard Evans, que havia atacado a “ideia de honrar os sacrifícios” dos soldados da Primeira Guerra Mundial. Grove lamentou que o historiador pense que os soldados “se equivocaram” quando, em 1914, se alistaram para lutar “pela civilização, por um mundo melhor e pela paz” e salientou que o conflito foi, acima de tudo, “uma guerra justa”.
Evans reacendeu a polêmica dias depois ao escrever que “nunca quis sujar a memória dos soldados britânicos” e sugeriu que Grove assistisse a “algumas palestras de história feitas por profissionais que ele tanto despreza para aprender a citar corretamente as fontes”.
Outra polêmica relacionada ao centenário envolve uma das moedas comemorativas – em que foi impresso o busto do ex-ministro de guerra britânico Horacio Kitchener. Mais de 30 mil pessoas assinaram uma petição online pedindo que a moeda seja retirada de circulação por ser uma ofensa a milhares de pessoas que morreram na trincheira.
Operação. Em parceria com o Imperial War Museums e Zooniverse, ambos da Inglaterra, o Arquivo Britânico convoca “cidadãos historiadores” a se engajarem no projeto e ajudarem a “revelar a história daqueles que lutaram no conflito mundial que moldou o mundo que vivemos hoje”.
Voluntários podem ajudar a identificar nomes, datas e locais dos eventos, além de classificar o tipo das páginas, as atividades e os dados encontrados nos diários. O endereço do projeto é www.operationwardiary.org.
Essas informações ajudarão em outra iniciativa, o IWM’s Lives of the First World War (Vidas da Primeira Guerra Mundial), que será apresentado em breve. Trata-se de uma plataforma digital por meio da qual será possível lembrar e compartilhar as histórias daqueles que lutaram no front.
COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

terça-feira, janeiro 14, 2014

Mães de autistas criticam personagem Linda de "Amor à Vida": "É uma utopia"

http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2014/01/14/maes-de-autistas-criticam-personagem-linda-de-amor-a-vida-e-uma-utopia.htm

Amanda Serra 
Renato Damião
Do UOL, no Rio e em São Paulo

  • Divulgação/TV Globo
    Em "Amor à Vida", Linda pede beijo a Rafael
    Em "Amor à Vida", Linda pede beijo a Rafael
Na reta final de "Amor à Vida", nem as pegações de Michel (Caio Castro) e Patrícia (Maria Casadevall) conseguiram ofuscar o romance entre Linda (Bruna Linzmeyer) e Rafael (Rainer Cadete). A relação entre a autista e o advogado foi crescendo ao longo da trama de Walcyr Carrasco e alcançou seu ápice dramático com a prisão de Rafael após trocar um beijo com a jovem.
Incentivada por Leila (Fernanda Machado), Neide (Sandra Corveloni) denunciou o advogado por abuso de incapaz. Procurada pelo UOL, Rita Valéria Brasil Santos, presidente da Associação de Amigos do Autista da Bahia, condenou a maneira como Walcyr tem conduzido a trajetória de Linda. "É uma utopia o que a novela apresenta no momento", opinou ela.
Mãe de um autista de 21 anos, Rita relembrou que Linda foi criada sob um rígido controle dos pais e longe da sociedade, tornando pouco crível a possibilidade de uma interação com o "namorado".
"O autor preferiu mostrar apenas a questão de sexualidade e não mostrou a luta da família para conseguir escola, tratamento, diagnóstico. Ele [Walcyr] é um formador de opinião e tenho medo de que mães de autistas tenham a ideia da Linda na cabeça", comentou.
A opinião foi corroborada por Ana Maria Mello, superintendente da Associação de Amigos do Autista de São Paulo, e mãe de um autista de 32 anos. "A realidade da Linda está muito distante do que é o autismo. Está muito romanceado. Não existe gente com autismo como a Linda, pelo menos que eu conheça", disse.
Segundo Ana Maria, da forma como é mostrado na trama, o relacionamento entre Linda e Rafael não deveria acabar em prisão – na vida real, porém, a situação seria diferente. "Dentro do enredo da novela, eu acharia uma injustiça denunciá-lo. Na vida real, seria abuso porque não existe a menor possibilidade de ser uma ação conjunta. O relacionamento é uma das maiores dificuldades que eles têm. É difícil você perceber um afeto. Até para demonstrarem afeto pela própria família é complicado".
Marisa Furia, presidente da Associação Brasileira de Autismo, contou que há um caso na Suécia envolvendo o casamento entre autistas, mas que a situação é rara, além de receber apoio do governo. "Na novela percebo que o rapaz [Rafael] está cuidando dela, proporcionando boas coisas, e por isso ela consegue interagir com ele, mas acho muito complexo falar de uma relação amorosa", ponderou ela, mãe de um homem autista de 36 anos.
Para Marisa, o descontrole de Neide com o fato é aceitável.  "Entendo que exista uma grande preocupação da família, é preciso de um acompanhamento intenso para que essa relação seja decente. Não sei dizer o percentual de 'Lindas' no Brasil, mesmo assim acredito que a discussão é interessante", ressaltou.
"Na vida real não é assim"
A doutora Carla Gikovate, neurologista e especialista em autismo, acredita que a trama envolvendo Linda ficou confusa. "A personagem tem características de autismo severo, mas também de autismo leve", considerou. Para ela, o namoro de Linda com Rafael jamais existiria na vida real.
"Não há chances de um rapaz normal se apaixonar por um autista moderado, como acredito ser o caso da Linda. Na vida real o cara ia perceber e cair fora", opinou. Indagada se os pais de Linda têm razão de manter Rafael longe da jovem, Carla brincou: "A denúncia não aconteceria porque essa situação [amorosa] também não aconteceria". Contudo, a simples abordagem do autismo em uma trama da Globo já é bem vista pela profissional.
"O número de crianças que apareceram no consultório em razão da abordagem demonstra o quanto o assunto é importante, mesmo sendo tratado dessa forma na novela", finalizou enfatizando que o caso da Linda não seria de um autista.
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Cenas de "Amor à Vida"200 fotos

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Rafael não gosta de saber que ficará impedido de ver Linda Amor à Vida/TV Globo

domingo, janeiro 12, 2014

Nordeste com retrogosto

http://www.cartacapital.com.br/revista/782/nordeste-com-retrogosto-7942.html

O Nordeste de Amores Roubados, minissérie da Globo, é o Nordeste pós-Lula, industrial e, eventualmente próspero, mas que continua ancorado no patriarcalismo

por Nirlando Beirão —

O Nordeste de Amores Roubados – a minissérie que a Globo exibiu esta semana, na sequência da nefanda Amor à Vida – é o Nordeste pós-Lula, afluente, industrial, eventualmente próspero, de casarões com adegas e carrões SUVs, mas que continua ancorado no patriarcalismo, empresários modernos com alma de coronéis obsoletos.
Um Nordeste cujo produtor de vinhos enverga uma barba digna de oligarca da República Velha, enquanto a filhota recém-chegada das Oropas confere ao Sertão – Sertão é, aliás, o hiperbólico e rebarbativo nome do município – o definitivo toque de modernidade, projetando-se de uma ponte do São Francisco, no deleite vertiginoso do bungee jump.
Mulheres que se jogam é a metáfora aparentemente fácil que contrapõe o predomínio machista às angústias de senhoras sexualmente desassistidas – e para cujo reconforto afetivo entra em cena o bonitão urbanizado e nem por isso menos cafajeste, caracterizado no ofício sabidamente insidioso de sommelier, especialista em gosto e retrogosto.
É interessante perceber, na Globo, a prospecção de novos formatos de dramaturgia, ainda que relegados ao horário das corujas. Vale também festejar a maturidade de atores crescidos no Projac (Cauã Reymond, Isis Valverde, Murilo Benício). Pena que ninguém cogitou, para o papel de coronel arrependido, do governador Eduardo Campos.
O mérito maior do autor George Moura e do diretor José Luiz Villarim) é revelar um Nordeste além da caricatura. A começar pelo sotaque mais sutil, mais nuançado, sem o exagero das produções à Jorge Amado. Fugir do sotaque forçado é fugir da prisão do estereótipo. Patrícia Pillar, que tem conhecimento de causa, deve ter ajudado no coaching.

quinta-feira, janeiro 09, 2014

Já foi mais fácil ser poeta

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2014/01/1395184-ja-foi-mais-facil-ser-poeta.shtml

Alguns leitores me pediram para contar mais sobre a vigília de poesia (num sentido que inclui música, dança e performance) dos dias 1º e 2 de janeiro na igreja de Saint Mark, no East Village de Nova York.

Na origem, há as leituras públicas nos cafés do bairro nos anos 1950 e no começo dos 1960. Em 1966, o Poetry Project (projeto poesia) se formalizou, e as leituras se mudaram para a igreja anglicana de Saint Mark, cujo reitor era um protetor das artes. Em 1974, foi a primeira maratona de poesia no Ano-Novo; leram seus poemas William S. Burroughs, John Cage, Gregory Corso, Allen Ginsberg, Peter Orlovsky e Patti Smith -isso, para lembrar os mais famosos.

Na semana passada, era o quadragésimo aniversário da maratona. Cento e quarenta poetas leram seus poemas. Muitos homenagearam o amigo Lou Reed, que acabara de morrer. Fiquei seis horas; escutei, por exemplo, Philip Glass tocar piano e Patti Smith ler algo do novo livro que está escrevendo (duas páginas sobre o fim de "Blade Runner - O Caçador de Androides", de Ridley Scott).

Anne Waldman é uma poeta ligada aos beats desde o começo. Sua performance me lembrou as leituras de Allen Ginsberg que presenciei nos anos 1960 em Nova York e em Milão -não tanto pelos temas quanto pela entonação profética. Pensei que não deve ser fácil fazer poesia na sombra de "Howl", o grande poema de Ginsberg ("Uivo", mas eu preferiria gemido ou berro).

"Vi os melhores espíritos de minha geração destruídos pela loucura, famélicos histéricos nus, se arrastando na primeira luz do dia pelas ruas dos bairros negros à procura de uma seringa raivosa". Aquele começo, ainda hoje, força qualquer leitor a contar, do seu jeito, o desperdício de sua geração. Mas o drama do sacrifício dos melhores, neste começo de milênio, parece fazer falta.

Cadê a heroína injetável dos anos 1950 e 1960? Cadê a Guerra do Vietnã, que devorava as vidas nos anos 1970? As guerras de hoje são menos imediatamente absurdas; no mínimo, elas invocam uma necessidade de defesa. A geração dos anos 1980 esbarrou em outro desperdício: todos, naquela década, vimos os melhores morrendo invadidos pela Aids, como se um demônio invejoso se vingasse dos prazeres que eles tinham ousado se permitir.

E agora, nos últimos 15 anos, o que sobrou para alimentar a ideia do destino trágico dos melhores (e, eventualmente, da gente)?

Hoje, é mais fácil esquecer a tragédia e escolher o sarcasmo: os melhores espíritos de nossa geração, em vez de se arrastar pelas ruas dos bairros negros, passam a noite na fila para ser os primeiros a comprar um novo smartphone.

Talvez seja melhor assim: smartphone é mais saudável que heroína (não é?). Mas, convenhamos, a heroína é muito mais poética do que o smartphone: ainda vale entre nós o modelo romântico do artista atormentado pelo trágico de sua condição.

Justamente, no dia 4, fui assistir à nova versão do musical "Pippin", de Stephen Schwartz e Bob Fosse (que foi coreógrafo da montagem original, mas também contribuiu ao texto). "Pippin" foi montado no Brasil (de maneira memorável, segundo me dizem) por Flávio Rangel, em 1974, com Marco Nanini e Marília Pêra.
O jovem Pippin quer ter uma vida justificada por empreendimentos extraordinários; ele tem a certeza atormentada de ser destinado a coisas maiores do que a simples repetição da vida dos pais.

No fim, todos esperam que Pippin queime como um Ícaro que quis voar alto demais; com isso, ele será lembrado por sua bela morte. Na versão original, Pippin renuncia a seus sonhos e se deixa enredar na banalidade cotidiana. Na nova versão, ele também desiste, mas o enteado dele toma seu lugar e começa a sonhar com as mesmas glórias confusas.

O musical é assim uma meditação (divertida e séria) sobre as inevitáveis aspirações abstratas da juventude, que nos afastam da vida -pois, diante delas, tudo perde relevância.

Os furores da juventude e o ideal romântico do artista (que, de preferência, aliás, deve morrer jovem) nascem na mesma época, no fim do século 18, quando a liberdade e seus sonhos (de um futuro sempre extraordinário) tornam-se, de fato, possibilidades concretas e inquietantes.

Pergunta aos pós-românticos: como se apaixonar pela vida esperando dela apenas o ordinário?

Nota: para conhecer o Poetry Project: http://poetryproject.org/history/insane-podium.
contardo calligaris
Contardo Calligaris, italiano, é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Escreve às quintas na versão impressa de "Ilustrada".

segunda-feira, janeiro 06, 2014

Bíblia do jornalismo dos EUA vê Itaquerão como 'monumento à gentrificação'

http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/01/06/biblia-do-jornalismo-dos-eua-ve-itaquerao-como-monumento-a-gentrificacao.htm

Do UOL, em São Paulo



Itaquerão - dezembro/201321 fotos

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Governo federal divulgou imagens da obra do Itaquerão, estádio de São Paulo para a Copa Divulgação/Portal da Copa/Ministério do Esporte

VEJA TAMBÉM

A nova edição da revista New Yorker, considerada a Bíblia do jornalismo norte-americano, apresenta um texto de 14 páginas sobre o futebol brasileiro, a preparação do país para a Copa do Mundo e o Corinthians.
Escrita para o público dos Estados Unidos, a reportagem cita o Itaquerão, palco da abertura da Copa do Mundo, em São Paulo, como um "monumento à gentrificação", compara Andrés Sanchez ao magnata Donald Trump, Ronaldo a um astro do beisebol, Romário ao boxeador Muhammad Ali e define a CBF como uma entidade "desonrosa".
Gentrificação é o nome que se dá ao fenômeno social que afeta a população de baixa renda de determinado lugar por meio da valorização imobiliária provocada por um novo empreendimento, como um shopping center ou um estádio de futebol, por exemplo.
Após a construção desse novo equipamento, o preço dos imóveis da vizinhança aumenta, obrigando a população pobre a se mudar – em geral para um bairro mais distante. Os serviços, por consequência, também ficam mais caros, excluindo também pequenos comerciantes.
"O estádio, um monumento à gentrificação, terá o maior telão digital da Terra e uma iluminação duas vezes mais forte do que a utilizada na Allianz Arena, em Munique. Segundo dizem, será visível, em uma noite clara, a 80 km de distância", diz o texto.
O jornalista Ben McGrath, autor da matéria, compara o luxo do estádio com o que viu em sua visita à Itaquera escrevendo que "o caminho deixou arranha-céus para trás e nos levou direto para a arruinada zona leste, onde grafites e lixo predominam." Em volta do estádio, "homens trabalhavam para transformar encostas barrentas de uma colina em um cinturão verde".
O texto, então, faz uma crítica aos estádios construídos para o mundial. McGrath afirma que o Itaquerão, pelo menos, receberá jogos de um grande time quando a Copa do Mundo acabar. "Mas o que será do recentemente reformado Estádio Nacional, com 70 mil lugares, de Brasília, uma cidade cujos maiores times jogam em divisões menores, para plateias que geralmente não passam de algumas centenas?"
A Arena da Amazônia, segundo sugere o autor, também poderá se transformar num elefante branco para Manaus, "uma cidade cercada por 8 mil km² de floresta amazônica". "Nenhum time do Amazonas competiu em alto nível nos últimos 30 anos", diz.

REVISTA FALA DE FUTEBOL, CORINTHIANS E COPA DO MUNDO

Comparações com TV e beisebol

Talvez para situar seu público, McGrath opta para comparar figuras do futebol brasileiro com possíveis similares norte-americanos. Para ele, o ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez, que atualmente é responsável por supervisionar a construção da nova arena corintiana, soa como o empresário Donald Trump, dono de uma vasta rede de hotéis e cassinos e criador do reality show "O Aprendiz".
"Cada metro quadrado foi projetado [do estádio] em um esquema para dar dinheiro", escreve McGrath. A impressão do autor foi corroborada pelo próprio Andrés, que disse que declarou a ele que "a ideia era fazer o melhor e maior shopping center do mundo com um campo de futebol no meio."
Ainda no campo das comparações, a reportagem diz que o ex-jogador Romário é hoje uma das maiores vozes da oposição à Copa do Mundo. "Antes conhecido como um playboy, ele é agora um congressista socialista – um Derek Jeter que se remodelou como Muhammad Ali para aproveitar o momento político".
Jogador de beisebol, Jeter é o capitão do New York Yankees e já participou 13 vezes do Jogo das Estrelas. O atleta é famoso por seus relacionamentos amorosos com atrizes e modelos. Ronaldo também foi comparado a um jogador de beisebol: David Ortiz, o Big Papi. Com 104 quilos, o rebatedor é ídolo em Boston por suas atuações em momentos decisivos.

Corrupção, violência e Bom Senso

A CBF foi citada como desonrosa e caça-níquel por McGrath. "O problema não é só que poucos atletas da Seleção jogam no Brasil, mas o time nacional fica anos sem jogar em solo brasileiro. Em vez disso, faz turnês pelo mundo, como os Harlem Globetrotters, para levantar dinheiro para a desonrosa CBF."
A entidade, ainda segundo o autor, serve como um vilão muito conveniente para os jovens que estão protestando contra a corrupção. McGrath lembra, então, que Ricardo Teixeira se envolveu em escândalos de corrupção e José Maria Marín foi flagrado pegando uma medalha na premiação da Copa São Paulo em 2012.
Ao longo da matéria, o autor cita casos recentes de violências nos estádios provocados por torcidas organizadas e aponta que muitas delas recebem dinheiro dos clubes para ir aos jogos.
Boa parte do texto é dedicada à história do Corinthians e à sua principal torcida, a Gaviões da Fiel. O jornalista fala sobre o jejum de 23 anos, a democracia corintiana e entrevista o capitão Paulo André, aproveitando para citar a criação do movimento para pedir mudanças no calendário do futebol Bom Senso F.C. O nome do grupo, segundo McGrath, foi uma criação do publicitário Washington Olivetto.

Acidente no Itaquerão - 10 vídeos